Só
um burocrata megalomaníaco pode acreditar que poderá impedir que as pessoas
busquem os postos de saúde
Depois
de ter dito que a Covid era uma “gripezinha” que o brasileiro tiraria de letra
e que a cloroquina era remédio eficaz, Jair Bolsonaro não deve esperar da
plateia que ela lhe dê ouvidos. Já morreram mais de 178 mil pessoas, número
superior ao dos mortos de Hiroshima em 1945. Contra bomba atômica não há
vacina, mas contra a Covid haverá. Enquanto o processo de imunização segue um
curso de racionalidade pelo mundo afora, em Pindorama o jogo político
contaminou a discussão.
O
governador João Doria anunciou que começará a oferecer vacinas a partir do dia
25 de janeiro. Pintada para a guerra, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária apressou-se para informar que “não foram encaminhados dados relativos
à fase três, que é a fase que confirma a segurança e eficácia da vacina, esse
dado é essencial para a avaliação tanto de pedidos de autorização de uso
emergencial quanto pedidos de registro”.
Só um burocrata megalomaníaco pode acreditar que poderá impedir que as pessoas busquem os postos de saúde. A vacina só será oferecida em janeiro aos índios, quilombolas e profissionais de saúde. Quem anda pelas ruas de São Paulo não costuma cruzar com índios nem quilombolas. Restam os profissionais de saúde. Admitindo que esse burocrata existe, seria ridículo vê-lo dizendo ao doutor David Uip que não pode tomar a CoronaVac. Até as pedras sabem que os tribunais derrubarão quaisquer tentativas para impedir a aplicação das vacinas. Países andam para trás: em 1904, houve no Rio uma revolta contra a vacina obrigatória, o desconforto da Anvisa estimularia em 2020 uma revolta contra a vacina voluntária.
Bolsonaro
falava em “menos Brasília, mais Brasil”. Pois é disso que se precisa. Se o
almirante da Anvisa ou o general do Ministério da Saúde tiverem argumentos para
bloquear a aplicação da CoronaVac, que coloquem a cara na vitrine dando suas
razões. Há poucas semanas, a Anvisa meteu-se num vexame suspendendo testes a
partir da morte de um voluntário que se havia suicidado.
Bolsonaro
e Doria acusam-se de fazer política no meio da pandemia. É verdade, mas um
detalhe os separa. Um faz política com a “gripezinha”, o outro oferece uma
vacina.
A
CoronaVac só será oferecida para quem tem mais de 75 anos a partir de 8 de
fevereiro. Jair Bolsonaro, se quiser, só poderá ser vacinado a partir de 21 de
março, quando completará 65 anos.
O
negacionismo de Bolsonaro levou-o a uma armadilha. Continuar na linha que adota
desde março será apenas falta de juízo. A Anvisa e o Instituto Butantan têm
profissionais qualificados para discutir as qualidades ou os defeitos da
CoronaVac. Um finge que se deve respeitar o rito burocrático; e o outro finge
que respeita esse mesmo rito, impondo-lhe um prazo de validade.
O ministro da Saúde, general Pazuello, fez fama como um especialista em logística. Reunido com governadores, disse a João Doria: “Não sei por que o senhor diz tanto que ela [a vacina] é de São Paulo. Ela é do Butantan”. Ganha uma viagem a Caracas quem souber a importância disso. Do jeito que o general fala, se a logística do desembarque na Normandia estivesse nas suas mãos, em agosto de 1944 os Aliados não estariam em Paris. Os alemães é que teriam chegado a Londres.
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