quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Fernando Exman - Novo cangaço entra no debate político

- Valor Econômico

Autonomia do BC vai permitir recriação da pasta da Segurança

Circularam nos últimos dias, em perfis criados nas redes sociais para enaltecer os serviços de segurança pública e as forças militares especiais, vídeos dos bandidos que aterrorizaram Criciúma em mais uma ação do chamado novo cangaço. O problema é grave, crescente, e demandará maturidade institucional para ser enfrentado. A eleição de 2022 está muito longe para pautar, também, este debate.

Naqueles vídeos, sujeitos ocultos fortemente armados ostentam quantias de dinheiro que pouquíssimos brasileiros terão chances de ver ao vivo nesta encarnação. Chocante, a zombaria que fazem do Estado, depois de deixarem mais uma cidade sitiada e em pânico, daria inveja a Lampião e seu bando. Do ponto de vista político, as imagens servem de alerta tanto para a oposição quanto para o presidente Jair Bolsonaro.

Esses perfis na internet não são oficiais, embora a administração das contas seja feita por gente do ramo. Seu conteúdo não é considerado “fake news” por autoridades federais desse setor. Reflete o que debatem a portas fechadas e, portanto, tem seu valor para uma reflexão sobre uma modalidade de crime que não surgiu neste governo, mas tem crescido a uma velocidade alarmante.

Em um desses vídeos, o diálogo de dois criminosos mostra a complexidade e a horizontalidade do tema. “E aí, Bolsonaro?”, provoca um dos bandidos, depois de realizar o ataque no interior de Santa Catarina, unidade da federação em que o presidente apresentou o seu melhor índice de votação na eleição de 2018. Em Criciúma, ele obteve 72,3% dos votos válidos no primeiro turno e levou com quase 82% no segundo.

O comparsa do rapaz então emenda: “Eu vou votar no Lula de novo”. É o retrato de um dos principais problemas do Brasil, que imediatamente foi jogado na polarizada arena digital e pode ser usado da pior maneira possível numa campanha.

Na oposição, reconhece-se que o PT terá dificuldades para apagar a imagem que deixou no campo da segurança pública. O partido se manteve a uma cômoda distância dos problemas do setor. Durante anos, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff usaram o pretexto de que se tratava de um assunto dos Estados, para não envolverem o governo federal numa agenda que dificilmente colheriam algum benefício político.

Pode o petista contra-argumentar que em 2004 foi criada a Força Nacional de Segurança Pública, um programa de cooperação entre Estados e o governo federal com o objetivo de se executar, via convênio, ações necessárias à preservação da ordem pública e da segurança das pessoas e do patrimônio. Algumas iniciativas de policiamento ostensivo até foram percebidas em momentos de crise.

O militante de esquerda pode dizer também que sob governos petistas a Polícia Federal foi reestruturada e teve início a implementação de um programa voltado à construção de presídios federais de segurança máxima. Mesmo assim, os resultados práticos dessas políticas acabaram sendo reprovados pela maioria dos eleitores.

O ex-presidente Michel Temer aproveitou o prestígio dos militares para fazer a intervenção na segurança do Rio de Janeiro e criou uma pasta dedicada ao tema, extinta depois por Bolsonaro - um ato feito para prestigiar o ex-ministro Sergio Moro e do qual até hoje se arrependem no Palácio do Planalto.

Embora a área de segurança seja ainda a mais bem avaliada da atual gestão, segundo recente pesquisa CNI/Ibope, alguns dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública já emitiram sinais de preocupação dentro do governo. No primeiro semestre, por exemplo, as mortes violentas intencionais voltaram a crescer. No Brasil, uma pessoa é assassinada a cada dez minutos. O número de policiais assassinados, que aumentou 19,6% na comparação com o mesmo período do ano passado, somando 110 óbitos entre janeiro e junho, é outro indicador que exige atenção. Houve, contudo, redução de crimes contra o patrimônio.

Será preciso que se avalie o que decorre da ação das forças de segurança ou dos efeitos das medidas de distanciamento social adotadas por causa da pandemia. Os dados colhidos depois da flexibilização das políticas de isolamento também poderão depurar isso e apontar os problemas mais crônicos.

O desafio de Bolsonaro é ainda maior porque ele usou a segurança pública como uma de suas principais plataformas de campanha na última disputa. Além disso, conseguiu se eleger com uma ampla bancada parlamentar formada por egressos do setor, mas não foi capaz até agora de avançar com a agenda legislativa que prometeu.

Diferentemente de seus antecessores, o presidente decidiu usar para valer os presídios federais de segurança máxima como instrumento contra facções criminosas, algumas das quais envolvidas nos crimes de novo cangaço. Isso precisa ser reconhecido. Por outro lado, encrencas familiares minam seu discurso de paladino da moralidade e ele ainda espera ver arquivado o processo que enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre suposta interferência na Polícia Federal.

Mas, o presidente tem ainda à sua disposição instrumentos para construir um novo discurso que vise aumentar a sensação de segurança da população. A PF pode passar por novas mudanças, por exemplo, para dar mais estrutura às áreas que combatem o crime organizado e o tráfico de drogas.

A recriação de um Ministério da Segurança Pública também deve retornar à mesa do presidente, assim que for concluída, pelo Congresso, a aprovação do projeto de lei que formaliza a autonomia do Banco Central. A expectativa é que isso ocorra só no ano que vem, mas o governo precisa aguardá-la porque depende do remanejamento de cargos já existentes para viabilizar a criação de um novo ministério devido às restrições legais e orçamentárias que enfrentará em 2021.

Surgirá então, além da oportunidade de se fazer uma recauchutagem da imagem do governo, mais um espaço para acomodar aliados depois das eleições para as presidências da Câmara e do Senado. A base espera com ansiedade.

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