Autonomia
do BC vai permitir recriação da pasta da Segurança
Circularam
nos últimos dias, em perfis criados nas redes sociais para enaltecer os
serviços de segurança pública e as forças militares especiais, vídeos dos
bandidos que aterrorizaram Criciúma em mais uma ação do chamado novo cangaço. O
problema é grave, crescente, e demandará maturidade institucional para ser
enfrentado. A eleição de 2022 está muito longe para pautar, também, este
debate.
Naqueles
vídeos, sujeitos ocultos fortemente armados ostentam quantias de dinheiro que
pouquíssimos brasileiros terão chances de ver ao vivo nesta encarnação.
Chocante, a zombaria que fazem do Estado, depois de deixarem mais uma cidade
sitiada e em pânico, daria inveja a Lampião e seu bando. Do ponto de vista
político, as imagens servem de alerta tanto para a oposição quanto para o
presidente Jair Bolsonaro.
Esses perfis na internet não são oficiais, embora a administração das contas seja feita por gente do ramo. Seu conteúdo não é considerado “fake news” por autoridades federais desse setor. Reflete o que debatem a portas fechadas e, portanto, tem seu valor para uma reflexão sobre uma modalidade de crime que não surgiu neste governo, mas tem crescido a uma velocidade alarmante.
Em
um desses vídeos, o diálogo de dois criminosos mostra a complexidade e a
horizontalidade do tema. “E aí, Bolsonaro?”, provoca um dos bandidos, depois de
realizar o ataque no interior de Santa Catarina, unidade da federação em que o
presidente apresentou o seu melhor índice de votação na eleição de 2018. Em
Criciúma, ele obteve 72,3% dos votos válidos no primeiro turno e levou com quase
82% no segundo.
O
comparsa do rapaz então emenda: “Eu vou votar no Lula de novo”. É o retrato de
um dos principais problemas do Brasil, que imediatamente foi jogado na
polarizada arena digital e pode ser usado da pior maneira possível numa
campanha.
Na
oposição, reconhece-se que o PT terá dificuldades para apagar a imagem que
deixou no campo da segurança pública. O partido se manteve a uma cômoda
distância dos problemas do setor. Durante anos, os ex-presidentes Luiz Inácio
Lula da Silva e Dilma Rousseff usaram o pretexto de que se tratava de um
assunto dos Estados, para não envolverem o governo federal numa agenda que
dificilmente colheriam algum benefício político.
Pode
o petista contra-argumentar que em 2004 foi criada a Força Nacional de
Segurança Pública, um programa de cooperação entre Estados e o governo federal
com o objetivo de se executar, via convênio, ações necessárias à preservação da
ordem pública e da segurança das pessoas e do patrimônio. Algumas iniciativas
de policiamento ostensivo até foram percebidas em momentos de crise.
O
militante de esquerda pode dizer também que sob governos petistas a Polícia
Federal foi reestruturada e teve início a implementação de um programa voltado
à construção de presídios federais de segurança máxima. Mesmo assim, os
resultados práticos dessas políticas acabaram sendo reprovados pela maioria dos
eleitores.
O
ex-presidente Michel Temer aproveitou o prestígio dos militares para fazer a
intervenção na segurança do Rio de Janeiro e criou uma pasta dedicada ao tema,
extinta depois por Bolsonaro - um ato feito para prestigiar o ex-ministro
Sergio Moro e do qual até hoje se arrependem no Palácio do Planalto.
Embora
a área de segurança seja ainda a mais bem avaliada da atual gestão, segundo
recente pesquisa CNI/Ibope, alguns dados do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública já emitiram sinais de preocupação dentro do governo. No primeiro
semestre, por exemplo, as mortes violentas intencionais voltaram a crescer. No
Brasil, uma pessoa é assassinada a cada dez minutos. O número de policiais
assassinados, que aumentou 19,6% na comparação com o mesmo período do ano
passado, somando 110 óbitos entre janeiro e junho, é outro indicador que exige
atenção. Houve, contudo, redução de crimes contra o patrimônio.
Será
preciso que se avalie o que decorre da ação das forças de segurança ou dos
efeitos das medidas de distanciamento social adotadas por causa da pandemia. Os
dados colhidos depois da flexibilização das políticas de isolamento também
poderão depurar isso e apontar os problemas mais crônicos.
O
desafio de Bolsonaro é ainda maior porque ele usou a segurança pública como uma
de suas principais plataformas de campanha na última disputa. Além disso,
conseguiu se eleger com uma ampla bancada parlamentar formada por egressos do
setor, mas não foi capaz até agora de avançar com a agenda legislativa que
prometeu.
Diferentemente
de seus antecessores, o presidente decidiu usar para valer os presídios
federais de segurança máxima como instrumento contra facções criminosas,
algumas das quais envolvidas nos crimes de novo cangaço. Isso precisa ser
reconhecido. Por outro lado, encrencas familiares minam seu discurso de
paladino da moralidade e ele ainda espera ver arquivado o processo que enfrenta
no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre suposta interferência na Polícia
Federal.
Mas,
o presidente tem ainda à sua disposição instrumentos para construir um novo
discurso que vise aumentar a sensação de segurança da população. A PF pode
passar por novas mudanças, por exemplo, para dar mais estrutura às áreas que
combatem o crime organizado e o tráfico de drogas.
A
recriação de um Ministério da Segurança Pública também deve retornar à mesa do
presidente, assim que for concluída, pelo Congresso, a aprovação do projeto de
lei que formaliza a autonomia do Banco Central. A expectativa é que isso ocorra
só no ano que vem, mas o governo precisa aguardá-la porque depende do
remanejamento de cargos já existentes para viabilizar a criação de um novo
ministério devido às restrições legais e orçamentárias que enfrentará em 2021.
Surgirá então, além da oportunidade de se fazer uma recauchutagem da imagem do governo, mais um espaço para acomodar aliados depois das eleições para as presidências da Câmara e do Senado. A base espera com ansiedade.
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