domingo, 28 de março de 2021

George Gurgel de Oliveira* - Brasil Insustentável: a realidade e os desafios do mundo do trabalho durante e pós pandemia

O Brasil, já no segundo ano de pandemia, continua vivendo momentos de incertezas frente à realidade política, econômica e social. Diante desta conjuntura, a economia brasileira entrou em crise aumentando o desemprego e a inflação, impactando a vida de milhões de trabalhadores(as) durante a pandemia.

Quais os compromissos dos que governam, do mercado, da cidadania e da sociedade em geral frente a essa realidade?

Os impactos no mundo do trabalho durante a pandemia é causa e/ou consequência da realidade brasileira historicamente construída ou é um fenômeno conjuntural que estamos enfrentando por causa da própria pandemia?

Qual é a proposta dos(as) trabalhadores(as) e das centrais sindicais brasileiras para a saída da crise? 

São as questões analisadas no presente texto.

A sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência e a técnica começam a ser incorporadas nos processos de produção e distribuição de mercadorias transformando o cotidiano da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas e sociais das pessoas entre si e com a própria natureza.

Desde então, a humanidade está desafiada à construção de uma nova sociedade que supere os conflitos e as contradições gerados nessa sociedade onde tudo é e pode virar mercadoria, na busca de construção de uma sociedade democrática, inclusiva na sua organização política, econômica e social, distribuindo melhor a riqueza produzida por toda a humanidade.

A pandemia que estamos vivendo no Brasil e no mundo deu uma maior visibilidade aos conflitos e contradições dessa sociedade construída historicamente, aos olhos de hoje, insustentável.  A ONU revela que atualmente mais de 1/3 da humanidade tem renda diária de menos de 2 dólares por dia, portanto, abaixo da linha de pobreza. Outras evidências da insustentabilidade? No Brasil, é só sair às ruas: as crianças em cada esquina nas sinaleiras   mendigam, quando deveriam estar na escola – este é o nosso normal, antes e durante a pandemia.

A maneira como são produzidas e comercializadas as vacinas contra a Covid19 e as dificuldades enfrentadas por dezenas de países em dar acesso a suas populações à vacinação é a síntese e a mais completa tradução de como funciona e quais são os valores da sociedade contemporânea, em plena pandemia.

Podemos mudar esta realidade?

A partir da base técnica e científica da sociedade contemporânea, a humanidade poderia enfrentar e resolver qualquer problema social e/ou econômico, inclusive os da fome, de moradia, de melhoria da saúde e educação que atingem uma parcela considerável da população brasileira e mundial.

Uma das alternativas, por exemplo, para enfrentar esta trágica realidade social seria redirecionar os gastos militares das principais potências mundiais para o enfrentamento desses reais problemas sociais e econômicos dos povos do planeta. A humanidade pode e deve trabalhar para fazer essa transição: saindo de uma cultura de guerra em que vivemos para a construção de uma cultura de paz com sustentabilidade econômica, social e ambiental, nas próximas décadas.

As modificações ocorridas na economia mundial, nas últimas décadas, possibilitou novas maneiras de produzir e de distribuir mercadorias, de realizar atividades de comércio, de turismo e de lazer transformando radicalmente as relações de trabalho, impactando a vida de milhões de trabalhadores(as) no mundo e no Brasil. A internet, a robótica, a microeletrônica, as tecnologias de informação, os novos materiais e as energias renováveis entraram definitivamente nas nossas vidas transformando as relações de trabalho estabelecidas: hoje, muitas atividades laborais podem ser realizadas em casa, a pandemia apenas acelerou esse processo, modificando a maneira de ser e estar de milhões de pessoas no planeta.

Como os(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) estão vivendo esta nova realidade em plena pandemia? Quais são seus principais desafios?

As mudanças em curso evidenciam a interdependência entre a educação, a ciência e a tecnologia e as transformações ocorridas e as que estão ocorrendo no mundo do trabalho com reflexos políticos, econômicos e sociais na sociedade contemporânea. Os trabalhadores e as suas organizações devem estar preparados para a luta e a defesa dos seus interesses frente essas transformações na sociedade brasileira e mundial.

As atividades laborais hoje realizadas à distância deverão continuar e até podem ser ampliadas, refletindo nas relações atuais de trabalho.  Na verdade, essas transformações já vinham ocorrendo, algumas estruturais, em curso desde o século passado e aceleradas a partir da crise americana de 2008 que abalou a economia americana e mundial.

A partir dessas transformações ocorridas na sociedade capitalista, nas últimas décadas, a organização e as especializações do trabalho foram se modificando, desafiando a existência de novas maneiras de organização dos trabalhadores(as) colocando como necessidade primordial a formação e atualização profissional. O Brasil é parte integrante desse processo de transformação das relações laborais por tudo que representa nas suas relações estabelecidas com o mercado mundial.

Em relação à pandemia, os resultados obtidos até agora pelo Brasil no combate à Covid 19 ficam muito a desejar. A difícil realidade vivida pelos trabalhadores(as) em geral e os da área de saúde em particular é a demonstração dessa incapacidade da sociedade brasileira de enfrentar este complexo e delicado momento.

Assim, já estamos no segundo ano de pandemia no Brasil e ainda não temos um Programa Nacional de Vacinação confiável, com metas e cronogramas estabelecidos que tranquilizem e passem confiança à sociedade brasileira, demonstrando a incapacidade governamental de planejar ações básicas de combate à pandemia – caso explícito da compra de vacinas: as evidências demonstram que o governo federal foi e está sendo negligente – não planejou a compra, e o processo de vacinação em curso é o símbolo da nossa tragédia nacional. 

A ideologização da questão da pandemia e a falta de planejamento caminharam e continuam a caminhar juntas com consequências graves para os(as) trabalhadores(as) e a sociedade em geral.  Aqui a maior responsabilidade é do governo federal que minimizou e minimiza a gravidade da situação vivida pela população, desde o início da pandemia no Brasil. Some-se a isso tudo a desconstrução e as inúmeras mudanças acontecidas nesse período na área de saúde, inclusive a instabilidade do próprio Ministério da Saúde, com a nomeação de vários ministros nesse período, retratando  como o governo federal enfrentou e está enfrentando esta preocupante realidade.

Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as). Cenas de horror, de mortes por falta de leitos hospitalares, de oxigênio, de assistência médica e de medicamentos em geral colocam, após um ano de pandemia, a dimensão real da tragédia brasileira: a incapacidade do governo federal, dos estados, dos municípios e do mercado de construir um programa mínimo, em diálogo com os(as) trabalhadores(as) e a sociedade, para o enfrentamento dos problemas urgentes provocados pela pandemia no Brasil.

A sociedade brasileira está aterrorizada. A insegurança é total. Os dados em relação à contaminação e às mortes são assustadores. As estatísticas apresentadas diariamente nos meios de comunicação mostram a dimensão da tragédia. Hoje já não existem leitos disponíveis na área pública, nem privada, assim como falta oxigênio e medicamentos de apoio ao combate à pandemia na maioria das capitais brasileiras. O governo federal, como principal responsável pela Política Nacional de Combate à Pandemia, com sua política negacionista só faz agravar a situação contribuindo para uma polarização que não ajuda a resolver as nossas urgências econômicas, sociais e de vacinação.

Os(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) desempregados(as) antes e durante a pandemia continuam enfrentando sérias dificuldades, entre as quais a falta de uma renda emergencial permanente que lhes assegurem o mínimo de dignidade para atravessar a crise, agravada com a contaminação de milhões e a morte de mais de 300 mil pessoas pela Covid-19  dimensionando a tragédia  que atinge principalmente os(as) trabalhadores(as) de baixa renda, as mulheres na sua dupla jornada de trabalho, as populações indígena e negra historicamente excluídas  no Brasil.

No enfrentamento da pandemia, os(as) trabalhadores(as) e a sociedade brasileira em geral estão desafiados(as) a se unir a favor de um Programa Nacional de Vacinação:   vacinar com a urgência devida toda a população é a única maneira de retornar à vida social com segurança e esperanças. Ao mesmo tempo, estão convocados(as) a construir uma agenda propositiva para o enfrentamento da difícil realidade econômica e social que já vive o Brasil nesse segundo ano de pandemia.

A agenda nacional a ser pactuada pela sociedade brasileira deve enfrentar os reais problemas  nacionais agravados com a pandemia: realizar as reformas no caminho de uma nova economia, pensando o Brasil nos próximos 5, 10, 15 e 20 anos considerando a sua dimensão continental, as potencialidades  nacionais e regionais, seus ativos naturais e a diversidade cultural tendo como base dessa construção democrática  a educação, a ciência e a tecnologia que devem ser incorporadas como estruturantes e estratégicas melhorando a qualidade de vida dos trabalhadores(as) e de toda a sociedade brasileira, nas próximas décadas. 

Os(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) devem buscar, de maneira permanente, a unidade das centrais sindicais construindo uma agenda nacional para o enfrentamento da atual crise econômica e social, buscando diminuir o desemprego e a inflação que vem subindo de maneira assustadora.  Aumentos sucessivos dos preços de gasolina, de gás de cozinha e de alimentos de primeira necessidade dão a dimensão da crise atual, angustiando mais ainda o dia a dia de milhões de trabalhadores(as) que vão às ruas buscando a sobrevivência diária e, muitas vezes, encontram a contaminação pela Covid-19 e a própria morte.

Além disso, o movimento sindical brasileiro deve unificar as agendas nacionais para o enfrentamento dos novos desafios trazidos a partir da reforma sindical aprovada recentemente e as reformas administrativa e tributária ora transitando no Congresso Nacional, assim como ter uma proposta clara de defesa dos sistemas Petrobras e Eletrobras, tornando-os efetivamente públicos, integrados à necessária modernização da  economia e da indústria brasileira.  

Portanto, a unidade sindical deve ser construída a partir de pautas que unifiquem os(as) trabalhadores(as) construindo uma agenda nacional para a saída da crise, avaliando a situação de algumas categorias, a exemplo das áreas de saúde e industrial, entre outras, mais atingidas pela pandemia. Uma atenção especial deve ser dada à área de serviços – aqui a precarização do trabalho é absoluta, e ao sistema bancário, pelas transformações ocorridas nos últimos anos, acentuadas com a pandemia. 

Finalmente, frente às dificuldades que estamos vivendo e às que continuaremos a enfrentar pós-pandemia, os(as) trabalhadores(as) brasileiros (as) devem estar em diálogo permanente com a opinião pública e a sociedade em geral, fortalecendo suas redes sociais e defendendo a melhoria das condições de vida da população além da pauta sindicalista, apostando em uma agenda nacional que retire o Brasil desta grave crise política, econômica, social e de valores que estamos vivendo.

Nesta perspectiva é possível enfrentar e superar a pandemia, abrindo o diálogo necessário entre as forças democráticas no caminho de reformas estruturantes que levem a um efetivo enfrentamento dos reais problemas econômicos, sociais e ambientais vividos hoje pelos(as) trabalhadores(as) e por toda a sociedade brasileira.  

*George Gurgel de Oliveira, Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bom!!@
👏👏

Martina Soto Kohler disse...

Excelente análisis señor George Gurdel.Mis saludos desde Argentina.