Texto
aprovado traz manobras parecidas com as pedaladas fiscais de triste memória
É
comum acreditar que o Orçamento não tem impactos reais na economia. Que o
importante é o que as pessoas acham que há nele. Assim, se houver alguma maneira
de esconder gastos sem que fique explícito, a operação será indolor.
O
gasto existe. Porém, como não aparece explicitamente no Orçamento, não
deixará marcas na economia. Não pressionará a demanda nem terá impacto
sobre a dívida.
É
a leitura de que vale o que aparece, e não o que é.
É
fato que o que aparece é importante. Muitas vezes as expectativas são afetadas
pelo que vemos, e as expectativas têm impactos reais sobre a economia. Por
exemplo, se todos acreditam que o Tesouro quebrou, ninguém aceita os títulos de
dívida, e o Tesouro acaba quebrando mesmo. Se todos acreditam que a inflação
subirá, todos remarcarão seus preços e, portanto, a inflação sobe.
Assim, há em economia inúmeras expetativas autorrealizáveis. Por esse motivo, os governos se esforçam para que os números sejam os melhores possíveis.
Ocorre
que há as expectativas, mas também há os fundamentos, isto é, o que é. Mais
cedo ou mais tarde, a realidade se impõe.
Na
semana passada, o Orçamento
foi votado. Houve a redução de gastos obrigatórios de R$ 26 bilhões. A
coluna de Marcos Mendes deste sábado (27), neste
espaço, detalha.
Um
dos subterfúgios que se pretende utilizar, mas que nem sequer foi posto em lei
ou medida provisória, é jogar a conta do auxílio-doença do INSS para as
empresas pagarem, com posterior desconto nos impostos devidos. Outra foi jogar
para 2022 o gasto com abono salarial do segundo semestre de 2021. Muito
parecido com as pedaladas fiscais de triste memória.
Essas
medidas reduzem a transparência do gasto, abrem espaço artificial para gastar
mais e jogam para o futuro despesas cujo fato gerador ocorre agora.
Adicionalmente,
houve o artifício de subestimar diversos itens dos gastos. Tudo para que sobrem
mais recursos para as emendas parlamentares.
Apesar
de essas medidas terem sido tomadas pelo Congresso, tudo sugere que houve a
participação do presidente e sua articulação política. Não creio que da equipe
econômica.
Antes
dessas pedaladas no Orçamento, o presidente já tinha tentado diversas ações,
com sucesso em alguns casos:
1. blindar
os militares e policiais na reforma da Previdência;
2. retirar
os investimentos do teto do gasto na tentativa de desenhar versão tropicalizada
de um Plano Marshall;
3. capitalizar
uma empresa estatal para construir navios, driblando o teto de gastos;
4. adiar
o pagamento de precatórios;
5. mudar
o presidente da Petrobras em razão da política de preço dos derivados de
petróleo;
6. tirar
o Bolsa Família do teto do gasto;
7. tirar
os PMs dos gatilhos da PEC Emergencial recém-aprovada
Evidentemente
essas ambiguidades do presidente aumentam a percepção de risco. O câmbio se
desvaloriza, o que acaba por elevar o preço dos alimentos. E, como
consequência, a popularidade cai. Os atalhos sempre têm um custo. Os fatos se
impõem sobre as pedaladas, e outubro de 2022 está muito distante.
O
atual Orçamento, com a subestimação de diversos itens do gasto, é inexequível.
Parece que a estratégia do presidente é criar um fato consumado para
desmoralizar o teto.
Tudo
com o objetivo de elevar o espaço de emendas para os deputados da base de
sustentação. Seria mais lógico que, com a constituição de sua base, o
presidente compartilhasse o poder com uma divisão mais justa dos ministérios.
Os atalhos são mais caros.
Na
semana passada, Monica de Bolle criticou o conteúdo de uma das minhas colunas.
Reajo à crítica no Blog do Ibre (bit.ly/31n7SSn).
*Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.
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