João
Agripino da Costa Doria, baiano, deputado federal pelo Partido Democrata
Cristão, cassado pelo primeiro Ato Institucional da ditadura de 64, não viveu o
suficiente para ver seu filho João Doria Júnior se eleger prefeito de São Paulo
em 2016 e governador dois anos depois. Morreu em 2000, aos 81 anos.
Jornalista
e publicitário de renome, é tido como o primeiro marqueteiro político da
história do país. Em 1958, o usineiro e industrial Cid Sampaio, da União
Democrática Nacional, partido conservador, candidatou-se ao governo de
Pernambuco contra Jarbas Maranhão, do Partido Social Democrático.
Um
usineiro jamais se elegera governador do Estado. Parte da direita e toda a
esquerda apoiaram Sampaio. Mas o que fez a diferença para sua vitória foram as
ações de marketing de João Agripino Doria. De manhã bem cedo, no rádio,
ouvia-se o locutor dizendo: “Acorda, Jarbas Maranhão”.
Maranhão tinha fama de acordar tarde. Em seguida, ouvia-se o barulho de uma pessoa escovando os dentes. Então o locutor dizia onde Sampaio estava àquela hora e lhe dava a palavra. Atribui-se a João Agripino Doria a criação do slogan da campanha de Sampaio (“O povo é que diz Cid”), que acabou virando marcha de carnaval.
De
autoria do compositor Nelson Ferreira, o frevo “Bloco da Vitória” é até hoje um
dos mais cantados nos carnavais do Recife. Um trecho:
“O
Bloco da Vitória está na rua
Desde
que o dia raiou
Venha
minha gente
Pro
nosso cordão
Que
a hora da virada chegou, ô ô ô ô
Quando
o povo decide
Cair
na frevança
Não
há quem dê jeito”
Ulysses
Guimarães, deputado e presidente do MDB, foi amigo de Doria, pai, e o protegeu
sempre que pôde. No início de 1984, os dois jantaram no restaurante Piantella,
em Brasília, reduto gastronômico da oposição à ditadura. Ulysses estava
preocupado com o rumo da recém-lançada campanha pelas Diretas, Já.
Mostrou
a Doria recortes de jornais do primeiro comício da campanha com fotografias
onde predominavam faixas que pediam o fim da ditadura e bandeiras vermelhas de
partidos de esquerda. “Os militares não vão aguentar esses desaforos”, comentou
Ulysses. “Estamos passando dos limites e isso é perigoso”.
Doria
examinou os recortes, deixou-os de lado, calou-se, e à sobremesa, depois de
muito pensar, disse a Ulysses: “Acho que temos uma alternativa para alcançarmos
nosso objetivo”. Em algumas das fotos apareciam pequenos cartazes feitos à mão
com os dizeres: “Diretas, Já”. Doria sugeriu: “Vamos apostar nisso”.
Por
artes da direção do MDB, no comício seguinte, no bairro de Abreu e Lima, no
Recife, foram distribuídas centenas de cópias do cartaz pedindo “Diretas, já”.
A partir dali, a campanha ganhou esse nome, minguando as faixas contra a
ditadura. Nem por isso, a eleição direta para presidente foi restabelecida.
O
MDB lançou a candidatura a presidente de Tancredo Neves. Um dia, no comitê da
campanha em Brasília, o deputado carioca Márcio Braga (MDB) apresentou a arte
final do que deveria ser o cartaz oficial do candidato: “Muda Brasil, Tancredo
Presidente”. Ao lado do slogan, duas bolas, uma verde e a outra amarela.
Ulysses
não gostou. “Vamos ter cuidado, Márcio. Nem todo mundo gosta de bolas”, disse
ele. Doria, pai, estava junto. Costumava levar nos bolsos do paletó lápis de
várias cores. Sacou dois deles, um verde e outro amarelo. E no lugar das duas
bolas, pintou duas manchas na vertical. Matou a pau! Foi como ficou.
Talvez Doria, o filho, ignore essas e outras histórias que fizeram do seu pai um mestre no ofício de captar o sentimento das pessoas e saber adequá-lo às circunstâncias do momento político. Talvez não tenha mais tempo para aprender antes da eleição do ano que vem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário