Não
podemos continuar destruindo a natureza e os seres vivos de nosso planeta
porque nos julgamos mais fortes ou mais espertos
Nada
será como antes. Não temos como adivinhar a diferença entre o que foi e o que
será. Mas certamente, daqui a um tempo, quando a pandemia acabar ou estiver por
aí disfarçando, nada será mais como foi antes. A Humanidade estará preocupada
com novas questões sobre a vida, coisas que não nos ocorria antes do vírus. Não
sei se seremos mais ou menos felizes, porque a felicidade terá um novo sentido
para nós. Um novo que pode até acontecer de ser velho demais.
Lamentando
a morte na pandemia de tantas pessoas que “não precisavam ter morrido”, Judith
Butler, filósofa americana, acusa a marginalização social, o racismo e a
desigualdade econômica como razões para isso. “Quem ou o que deixou tantas
pessoas morrerem?”. Ela aponta o dedo para o que chama de “sádicos
desavergonhados”, retrato justo que faz de Trump e Bolsonaro, alfas do
“masculinismo”, ideologia e prática nascidas como reação ao feminismo.
Mas será que, num momento limite da história humana como esse, ainda haverá quem cultive essas circunstâncias tão específicas? Ou será justamente em tempos como este que nasce o trágico exclusivismo que provoca tanta guerra? E tanta intolerância seguida de mortes, muitas mortes, mesmo fora de guerras declaradas.
Essa
pandemia provoca um dos piores momentos na história do ser humano, um momento
causado pelo acúmulo de tanta injustiça de toda natureza. Ela surge cerca de
cem anos depois de um susto semelhante, no final da Primeira Guerra Mundial,
quando um vírus igualmente devastador só não acabou com a Humanidade porque
faltou-lhe o que já existe hoje: a capacidade de se deslocar em todas as
direções do planeta muito rapidamente, capacidade dada pelo desenvolvimento
tecnológico da Humanidade.
Enquanto
a peste de 1918 tinha que se contentar com a lenta e ainda precária navegação
para se deslocar, o coronavírus viaja confortavelmente a jato e por outros
meios mais velozes que nem servem aos humanos. O vírus chega a qualquer canto
do planeta numa velocidade espantosa, que lhe dá até tempo de mudar de cepa
para nos enganar e viver mais do que se espera dele e de sua missão
destruidora.
Segundo
informação de Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, nossa relação com a
natureza e os seres vivos do planeta já desestabilizou 75% dos ecossistemas. A
taxa global de extinção de espécies já é centenas de vezes maior que a mesma
taxa ao longo dos últimos 10 milhões de anos. Esse é o resultado de uma relação
de dominação e exploração insana, da colonização que exercemos sobre a natureza
e seus seres vivos.
Como
costumamos reagir hoje à narração das crueldades coloniais, cometidas por
algumas poucas nações que se consideravam donas do mundo? Como reagimos face às
formas cruéis e devastadoras do colonialismo ainda existente? Ou o que pensamos
de terroristas islâmicos que decapitam crianças em Moçambique? Como queríamos
então que o planeta e sua natureza reagissem à nossa insanidade?
Assim
como nunca aceitamos que uma nação domine e destrua a população e os bens
naturais de outra apenas por ser mais poderosa, não podemos continuar dominando
e destruindo a natureza e os seres vivos do nosso planeta porque nos julgamos
mais fortes ou mais espertos. “Não somos os donos da Terra”, diz Azoulay, “mas
dependemos dela”. Somos portanto modestos hóspedes, mas nos comportamos como
Senhores do Mundo.
É
preciso parar com a insanidade de nossa violência contra os bens naturais. Ou
seremos obrigados a assistir ao fim da Humanidade, eliminada pela natureza que
precisa se defender, pois está de saco cheio de ter sido tão tolerante com
nossa milenar insensatez.
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