Governo
falhou em duas áreas cruciais: na defesa da saúde e na ação econômica
Com
pandemia solta e economia emperrada, o Brasil supera 300 mil mortes pela
covid-19, acumula recordes de óbitos e encerra março com uma combinação
perversa: inflação em alta, desemprego elevado e dezenas de milhões de pessoas
à espera de uma nova rodada de auxílio emergencial, suspenso em janeiro.
Completado um ano de pandemia, o presidente da República nomeou seu quarto
ministro da Saúde e patrocinou a formação de um comitê coordenador de ações
contra a covid. Ao atribuir a liderança ao senador Rodrigo Pacheco, presidente
do Congresso, Jair Bolsonaro se manteve, cautelosamente, longe dessa função.
Pressionado, defendeu a vacinação, mas aproveitou a ocasião para propagandear,
mais uma vez, seu famigerado tratamento precoce. Há ociosidade na maior parte da
indústria, mas excesso de trabalho em funerárias e cemitérios.
Grandes erros do governo converteram o País em epicentro da pandemia, fator de risco para todo o mundo e ameaça grave aos vizinhos. Mas isso é apenas parte de um balanço raro, se não único, no chamado mundo ocidental. Além de se destacar pelo fracasso federal na crise sanitária, o Brasil saiu do grupo das dez maiores economias. Passou da 9.ª para a 12.ª posição, em 2020, segundo a Austin Rating, ficando abaixo de Canadá, Coreia do Sul e Rússia, elevados aos 9.º, 10.º e 11.º lugares.
Mas
a saúde econômica do Brasil é pior que a de muitos países a partir da 13.ª
posição – concorrentes com mais investimentos produtivos, maior integração
global e melhor educação. Pelo tamanho do produto interno bruto (PIB),
Austrália, Espanha e Indonésia ficaram logo abaixo do Brasil, segundo a Austin
Rating, e os dois primeiros países poderão ultrapassá-lo em 2021.
Não
se trata, no entanto, de enfrentar um concurso internacional, mas de reconhecer
e atacar problemas acumulados em muitos anos. O Brasil já andava muito mal
quando chegou a pandemia. Em 2019 o PIB cresceu só 1,4%, menos que em 2018,
segundo ano de retomada depois da recessão de 2015-2016. No primeiro trimestre
de 2020 a produção foi 2,1% menor que nos três meses finais do ano anterior. No
ano passado, o recuo de 4,1% resultou também de problemas anteriores à
covid-19. O crescimento em 2021, estimado em 3,6% pelo Banco Central, será
insuficiente para anular a queda. Realinhar o País ao resto do mundo será ainda
mais demorado.
O
governo Bolsonaro parece jamais haver percebido a dimensão e as características
da crise brasileira, iniciada muito antes do novo coronavírus e já visível no
primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A industrialização, iniciada há
cerca de um século e acelerada a partir dos anos 1940, vem sendo revertida. Mas
essa desindustrialização é um desmoronamento, em nada comparável com as
mudanças observadas no mundo mais avançado, onde ocorre, há anos, a passagem
para uma chamada fase pós-industrial.
O
governo, segundo alguns analistas, vai mal na economia por ter abandonado sua
agenda liberal. Mas nunca existiu essa agenda, e se tivesse existido teria sido
uma bobagem. Problemas de competitividade vão muito além de falhas sanáveis com
base em cartilhas liberais para jardins de infância.
É
bobagem falar sobre o peso da tributação e ignorar a qualidade – e a
funcionalidade – dos impostos. Antes de ser pesada, a tributação brasileira é
ruim: encarece o investimento produtivo, afeta a competitividade e é
tremendamente regressiva, limitando o poder de consumo da maioria. Mudanças, no
entanto, envolvem custos. Vamos diminuir os impostos indiretos e aumentar os
diretos, atingindo a escala superior de rendimentos, como nos países
desenvolvidos? Estão todos de acordo? Mais ou menos?
Outras
questões também ultrapassam a cartilha. Como explicar o poder de competição do
agronegócio e de algumas indústrias de transformação, exemplificadas pela
Embraer? Pessoas andam impressionadas com as maravilhas tecnológicas produzidas
por fintechs e aplicadas à atividade rural. São maravilhas, sim, mas, antes da
atuação dos jovens produtores de belos equipamentos, a agropecuária brasileira
já era uma das mais competitivas, com décadas de modernização e de aumento de produtividade.
Dá
para entender essa história sem a contribuição da Embrapa, de outras
instituições de pesquisa, de grandes escolas de agronomia e de boas políticas
de financiamento e de garantia de preços? E a Embraer – ela saiu do nada, a
partir da decisão de um grupo de empresários corajosos e criativos, num
ambiente aberto ao livre empreendimento? Não há relação, por exemplo, com o
Instituto de Tecnologia de Aeronáutica, ou com o empurrão inicial proporcionado
pelo governo, ou com alguma ideia de estratégia nacional e com as condições de
financiamento?
Políticas
de desenvolvimento podem resultar em protecionismo e em distribuição de
favores, como no caso dos “campeões nacionais”. Mas, concebidas e aplicadas com
seriedade e inteligência, podem ser fontes de vigor e de progresso econômico e
social. Que tal deixar o besteirol de liberalismo versus antiliberalismo e
redescobrir a boa discussão sobre desenvolvimento?
*Jornalista
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