Em
2018, um incêndio destruiu coleções milenares e reduziu a cinzas o Museu
Nacional. Agora o bolsonarismo quer concluir o serviço, despejando o acervo
científico do palácio em reconstrução.
O
governo planeja transformar o Paço de São Cristóvão num centro turístico
dedicado à memória do Império. A articulação é liderada pelo ministro Ernesto
Araújo, revelou a “Folha de S.Paulo”. O chanceler integra a ala mais
reacionária do governo, ligada a grupos monarquistas.
O
deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que quase foi vice de Bolsonaro,
tem participado de reuniões sobre o tema. Ele descende da família imperial e
costuma ser chamado de “príncipe”, embora o Brasil tenha proclamado a República
em 1889.
A ideia de desalojar o Museu Nacional vinha sendo tramada em sigilo. O diretor da instituição, Alexander Kellner, e a reitora da UFRJ, Denise Carvalho, foram surpreendidos pela notícia.
“O
Museu Nacional é a instituição de pesquisa mais antiga do país. Despejá-lo
seria um retrocesso inadmissível”, afirma a reitora. “Essa proposta é uma
afronta à história e à sociedade. O Ministério das Relações Exteriores deveria
estar preocupado com a compra de vacinas”, emenda o diretor.
Os
dois lembram que o museu de história natural e antropologia ocupa o palácio há
129 anos. Turistas interessados na monarquia já podem visitar o Museu Imperial
de Petrópolis, que guarda documentos, obras de arte e joias da Coroa.
O
plano de despejar o Museu Nacional combina reacionarismo e ignorância
histórica. Foi dom João VI quem fundou a instituição, em 1808, para “propagar
os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil”. Dom Pedro
I comprou a primeira coleção egípcia. Pedro II comandou o resgate do meteorito
Bendegó. A peça foi trazida do sertão da Bahia e sobreviveu ao incêndio no
palácio.
No
museu de ideias caducas do bolsonarismo, o culto à ditadura militar convive com
uma visão idealizada da monarquia. Esse revisionismo falsifica o passado e
desconsidera o legado da escravidão. O chanceler Araújo já gravou vídeo ao lado
de uma bandeira do Império. Em 2019, o então ministro da Educação, Abraham
Weintraub, classificou a proclamação da República como “uma infâmia”.
O
superintendente do Iphan no Rio, Olav Schrader, lamentou que a antiga
residência de imperadores tenha passado a abrigar “esqueletos de dinossauros”.
À coluna, ele disse que não comentaria o tema por considerá-lo “espuma sem
materialidade”.
A
ofensiva monarquista põe em risco o esforço para reerguer o museu bicentenário.
O comitê que coordena as obras de reconstrução já captou R$ 244 milhões, e as
embaixadas de Portugal, Áustria e Alemanha se comprometeram com doações. A meta
é reinaugurar os jardins e a fachada do palácio em 2022. O acervo remanescente
voltaria a ser exibido quatro anos depois.
Em nota, a UFRJ classificou a ideia de despejo como “grosseira”, “descabida”, “estapafúrdia” e “tirânica”. Os adjetivos parecem suaves para descrever a nova ameaça do governo à ciência e ao conhecimento.
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