Biden
definiu rivalidade entre EUA e China como o confronto entre democracia e
autocracia
O
presidente Joe Biden definiu a rivalidade
entre Estados Unidos e China como a disputa do século
entre democracia e autocracia. . Essa visão se aplica não só às relações
internacionais, mas também à dinâmica interna das democracias, a começar pela
americana, ameaçadas por uma cultura supremacista em vários sentidos.
Na Guerra Fria, havia uma diferença não
só entre os modelos democrático e autoritário, mas também entre sistemas
econômicos baseados na livre iniciativa e no dirigismo estatal. As
ineficiências inerentes à intervenção excessiva do Estado na economia levaram o
bloco socialista à debacle econômica, militar e tecnológica.
Em resposta, os chineses reorganizaram seus sistemas de ensino, pesquisa, comércio e indústria de modo a se inserir na globalização. Com sua mão de obra abundante e barata, regulação precária em matéria trabalhista e ambiental e um mercado interno crescente, a China se tornou o celeiro de manufatura do mundo. O regime de partido único continuou intacto e, com ele, o controle político da economia, da ciência e da cultura.
O deslocamento de grande parte da indústria para a China significou para muitos americanos e europeus sem ensino superior uma perda de renda e de status social. Esse grupo se tornou cliente de líderes populistas que manipulam seu ressentimento e nostalgia com a promessa da volta aos “velhos e bons tempos” por meio da exclusão de quem supostamente os “roubou”.
Esse
discurso tem um núcleo supremacista, mais ou menos velado numa embalagem
nacionalista, conservadora, religiosa e individualista. O veículo emocional
dessa agenda política é a desconfiança da democracia, da liberdade econômica e
do chamado “globalismo”. Isso gera uma incongruência interna, que confunde os
liberais na economia e na cultura.
Cobri
várias eleições presidenciais nos Estados Unidos, e encontrei um tipo de
eleitor submerso em um dilema: de um lado, ele é moralmente conservador, o que
o atrai para os candidatos republicanos; de outro, sente que precisa da ajuda
do Estado, da regulação dos serviços e de outras preocupações típicas dos
democratas.
Não
existia um candidato para esse eleitor, cujo voto representava uma escolha de
Sofia. Até que Donald Trump conseguiu conciliar
essas duas aspirações contraditórias, com um discurso moralmente conservador,
porém protecionista, com uma forte identificação cultural com as pessoas de
baixo nível de instrução, ao mesmo tempo que atende também às suas crenças
individualistas e sonhos de ascensão social. O mesmo se pode dizer de Marine Le Pen na França e de
tantos outros líderes da extrema direita.
O que
move esse contingente de desiludidos e ressentidos é o “arrivismo” – o desejo
de chegar a um patamar superior de prosperidade e status social e, ao chegar
(“arriver”, em francês), simbolicamente chutar a escada, para impedir que
outros de baixo também ascendam, e com isso anulem seus ganhos comparativos.
A
desconfiança da democracia e das liberdades, combinada com a identificação com
líderes considerados “fortes”, produziu uma admiração por autocratas como o
russo Vladimir Putin. O chinês Xi Jinping poderia preencher esse
papel também, se a China não fosse identificada como a raiz dos problemas dessa
classe social – e se ele fosse caucasiano.
“Temos
de provar que a democracia funciona”, exortou Biden, numa resposta à noção de
que sistemas autoritários como o chinês produzem mais resultados. “No momento
em que um presidente se afasta disso, como fez o último, perdemos nossa legitimidade
ao redor do mundo.”
O futuro da democracia depende da resposta a essa pergunta: a legitimidade do liberalismo econômico está na meritocracia, que pressupõe oportunidades não tão desiguais, ou na exclusão supremacista?
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