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O Globo
Com
a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, derrotando Trump,
criou-se no Brasil entre os eleitores de centro a ânsia de encontrar um Biden
entre nossos políticos que possa derrotar Bolsonaro em 2022, evitando que a
polarização com Lula e o PT se repita como na eleição de 2018.
A perfomance de Bolsonaro, passados dois anos de mandato, faz com que ele se
apresente como candidato bem menos vistoso do que na eleição anterior, quando
uma suposta pauta liberal na economia, e um presumido apoio ao combate à
corrupção, encobriram um passado político marcado pela intolerância, pela falta
de empatia, pelo caráter nefasto, pelo extremismo político.
Esses vícios de comportamento foram mostrados à farta nessa primeira metade de
seu mandato, e Bolsonaro hoje só representa uma parte reduzida dos que votaram
nele para conter a volta do PT ao governo. Lula pode vir a ser para Bolsonaro
em 2022 o mesmo que Bolsonaro representou para ele, uma alternativa diante da
possibilidade de que se repita a catástrofe que é seu governo. Isso se
não aparecer um Biden brasileiro, que faça com que os dois extremos pareçam uma
polarização antiga que não se justifica.
Esse espaço ao centro extremo, que rejeite a polarização, está aberto no
Brasil, assim como Biden derrotou a esquerda dentro do partido Democrata para
poder enfrentar um Trump fora de sua zona de conforto. Bolsonaro gostaria de
enfrentar um fantasma que vem alimentando há muito tempo, especialmente dentro
das Forças Armadas, o perigo comunista.
Estudos de psicologia social destacados em artigo recente do New York
Times sugerem que a polarização política se expressa a partir de conexões
afetivas e identitárias. O valor de pertencer a um grupo aumenta à medida que
os conflitos intergrupais se tornam mais salientes, podendo levar membros do
grupo a traírem suas próprias preferências políticas diante da possibilidade de
fortalecimento eleitoral do seu grupo e de fragilização do grupo rival.
O cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas do Rio, percebe
que, assim como nos EUA, a polarização que vem se estabelecendo no Brasil não é
apenas política ou ideológica, mas fundamentalmente afetiva e identitária. “As
pessoas amam ou odeiam Lula ou Bolsonaro, independentemente do que eles
defendem”. No último survey experimental que aplicou em novembro de 2020, esse
aspecto ficou claríssimo.
“Os eleitores que se auto definem de “esquerda’, que a princípio seriam
favoráveis a políticas de transferência de renda, passam a rejeitá-la quando
percebem que Bolsonaro pode auferir benefícios eleitorais. Por outro lado,
eleitores que se auto definem de “direita”, que a princípio seriam contra
políticas de transferência de renda, passam fervorosamente a apoiá-la diante
dos potenciais benefícios eleitorais de Bolsonaro”.
Para Carlos Pereira, a polarização afetiva em um ambiente multipartidário como
o Brasil pode desenvolver vários polos de desafeto, ao contrário dos Estados
Unidos, onde essa polarização se dá dentro dos próprios partidos hegemônicos.
“Nesse contexto, movimentos tanto de Lula como de Bolsonaro em direção ao
centro tendem a não ser críveis para esses eleitores que afetivamente odeiam os
dois candidatos”, abrindo uma janela para que um candidato que seja ao mesmo
tempo anti-Lula e anti-Bolsonaro se fortaleça e ganhe competitividade.
Como Democratas e Republicanos nos EUA, anti Bolsonaro (pró-Lula) e
pró-Bolsonaro (anti-Lula) cada vez mais não gostam uns dos outros e chegam
mesmo a se odiar. Carlos Pereira ressalta que “é importante perceber que em um
mundo identitariamente polarizado, o “centro” não deve ser entendido como uma
plataforma política autônoma, mas sim como uma forma de se posicionar em
relação às outras plataformas políticas extremas”. Portanto, um candidato de
“Centro” que queira ser competitivo não necessariamente teria que definir suas
próprias políticas. Em vez disso, se distinguiria por “jogar contra” os dois
polos extremos.
Ao fazer isso, estaria revelando ao eleitor sua própria visão.
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