quarta-feira, 9 de junho de 2021

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Joga pedra na Geni!

Chega o tempo das queimadas, da escassez de chuvas, da energia controlada e dos preços absurdos dos gêneros de primeira necessidade, produtos agrícolas colhidos, nas tais “entressafras”. A baixa umidade do ar ressuscitará os problemas respiratórios, de pele e as gripes que virão para se juntar à Covid. “A culpa é do Bolsonaro!” - Joga pedra na Geni!

Na realidade, trata-se da sazonalidade (repetição anual) dos mesmos fenômenos e desafios no mesmo período. Esses problemas são tratados com as mesmas soluções, ineficientes, sem qualquer criatividade, mas financeiramente caudalosas.  

Nunca os brasileiros se preparam para a chegada do inverno. Os políticos passam o ano se acusando e se defendendo. Nada produtivo. Ninguém se apega aos problemas estruturais da sociedade e menos ainda aos males presentes. Nenhum deles parece se interessar pela governabilidade.  Nesse happening, atravessam incólumes os Exercícios. A sustentabilidade alimenta, inclusive, a retórica de  reeleição. E só.

Na sociedade civil, participar e até organizar alguns eventos, na semana do meio ambiente, esgota o esforço militante de alguns. Ganham perenibilidade a poluição do ar, da água, do solo, do subsolo, nos biomas terrestres, nas inadequadas técnicas e ferramentas  usadas para extração, cultivo ou transformação até dos recursos  para subsistência.

O quadro remete à abertura da Conferência (da ONU) em Estocolmo, na Suécia, no dia 15 de dezembro de 1972, cinquenta anos atrás, cujo tema era o Ambiente Humano. O chefe da delegação brasileira, na contramão da História, conclamou os países a virem poluir no Brasil. Era um chamamento para o processo de desenvolvimento em curso por aqui: “Temos recursos naturais abundantes, mão de obra barata e um amplo mercado consumidor” - e emendou - “Falta capital e tecnologia”. Já não se pensava mais em substituição de importações, mas na atração da indústria pesada, de bens de capital, aquela que reproduz o próprio sistema de produção.

Logo os grandes conglomerados e o capital desembarcaram no Brasil. O governo desandou a preparar a infraestrutura:  melhorou portos e aeroportos, abriu e asfaltou estradas, instalou sistema de energia e de informação, financiou e avalizou projetos de apoio a esse processo,  doou áreas para implantação de empresas. Tomou bilhões de dólares e petrodólares em empréstimos.

Em pouco tempo, a balança comercial do Brasil estava lá em cima. Mas, as contas de pagamento não fechavam. Eram déficits altíssimos. Os lucros do capital ou eram remetidos para as matrizes no exterior ou ficavam retidos nos bancos,  para formar reservas  de garantia para as tomadas de recursos novos: O Brasil chegou a ser o maior devedor do mundo.  “Dívida não se paga, rola-se”, dizia o ministro da Fazenda para atenuar as preocupações internas. Raciocinava com um calote eterno, como fez a Argentina.

Os novos investimentos geravam empregos, salários e a ampliação do mercado de consumo interno. Tivemos inflação de demanda. Só não era uma festa, porque tudo isso vinha acompanhado de juros altíssimos e  de uma forte repressão política e policial: era a ordem em nome do progresso, centralizada em um Estado autoritário. Com garantias como essas, o capital estrangeiro fincou esteios no País.

No final desse ciclo, aparentemente virtuoso, iniciado com Getúlio, passando por Juscelino, agora estava nas mãos dos militares. De repente, os brasileiros depararam-se com um quadro extraordinário de predação dos recursos naturais, invasão de territórios indígenas, endividamento  externo,  solo e subsolo devastados, secas prolongadas atingindo áreas produtivas,  riquezas minerais apropriadas por estranhos, perdas de grandes massas florestais,  águas contaminadas por lixos  químicos, fauna e flora em extinção, enquadrado ainda entre os maiores destruidores ambientais do planeta, além de abrigar uma crescente pobreza. De uma taxa de desemprego de  4%  naquele período, chegamos a 14% hoje. A concentração da renda e a sua má distribuição concomitante ao aumento da população, entre 2% a 3% ao ano, se agravou. Milhares de jovens escolarizados tiveram o futuro profissional comprometido.

Sob a pressão do desemprego, os governos populares, populistas e oportunistas que vieram a seguir tentaram intervir à busca de soluções menos concentradoras de renda. A politicagem  desfazia tudo. O crescimento do PIB que, no momento anterior, registrava taxas quase chinesas, sofreu um retrocesso, e colocou o País em recessão.

Projetos ambientais, pequenos e pontuais, originados de reações pulverizadas da sociedade civil tentam recuperar os elos perdidos com a exuberante “terra brasilis”. Difícil. Avança-se um passo, logo a seguir enfrenta-se uma crise: secas prolongadas, queimadas, falta de chuvas, ou algo assim inesperado como uma geada, a Aids, a Covid. O Congresso não ajuda em nada. Impossível fazer projeção de futuro, sem o amparo honesto da ciência e sem levar em consideração as sazonalidades dos fenômenos, que afetam a todos e não apenas aos que equivocada e egoisticamente conduzem o Planeta em direção ao  esgotamento dos recursos naturais.

As projeções climáticas são catastróficas; as soluções são limitadas e os índices de demanda, com diálogos emperrados, configuram este cenário. A impressão que se tem é a de que a sociedade chegou aos limites do próprio planeta. A limites abusivos.  “A culpa é do Bolsonaro!”. A insensatez é tamanha, que assusta. A educação, sem partido,  é a última esperança. Na questão ambiental, ela revela os primeiros resultados com as novas gerações, ainda modestas. Só espero que cheguem a tempo.

*Jornalista e professor

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