quarta-feira, 9 de junho de 2021

Bernardo Mello Franco - O médico que engole sapos

- O Globo

Marcelo Queiroga já enrolava os senadores havia quatro horas quando resolveu fazer um agradecimento público. “A maior oportunidade da minha vida quem me deu foi o presidente Bolsonaro”, derramou-se. A frase ajuda a explicar a passividade com que o médico se deixa esvaziar pelo capitão.

Nomeado em março, Queiroga já parece um ex-ministro em atividade. Suas recomendações são solenemente ignoradas pelo chefe, que insiste em provocar aglomerações, desfilar sem máscara e atacar o distanciamento social.

O cardiologista não tem autonomia nem para escalar sua equipe. Não conseguiu nomear a infectologista Luana Araújo e não consegue se livrar da pediatra Mayra Pinheiro, a Capitã Cloroquina.

Queiroga é um ministro com medo. Engole qualquer sapo para não desagradar o presidente. Apesar de se dizer favorável à ciência, ele evita varrer os negacionistas da pasta. Prefere recebê-los para ouvir conselhos.

No segundo depoimento à CPI, o médico confirmou que “teve contato” com ao menos quatro integrantes do chamado gabinete paralelo: Carlos Bolsonaro, Nise Yamaguchi, Carlos Wizard e Osmar Terra. No entanto foi incapaz de nomear um único infectologista para auxiliá-lo.

Para não melindrar os terraplanistas, Queiroga foge até de tomar medidas simbólicas. Ontem se recusou a retirar do ar uma nota que indica o uso de remédios sem eficácia contra a Covid-19. O documento seria útil a um Museu do Negacionismo. No site do Ministério da Saúde, só contribui para a desinformação.

O ministro também se esquivou ao ser questionado sobre a realização da Copa América em plena pandemia. Além de alegar que não teve influência sobre a decisão do governo, deu informações falsas sobre o tamanho do torneio e o número de contaminados no Campeonato Brasileiro.

Em outro ponto baixo do depoimento, Queiroga forneceu munição à campanha dos bolsonaristas contra a CoronaVac. Sem apresentar nenhum estudo, citou “questionamentos” sobre a eficácia da vacina do Butantan. A atitude deve atrapalhar o plano de imunização, mas pode esticar sua permanência na cadeira.

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