- O Globo / Folha de S. Paulo
A História rima, mas não se reproduz
A Venezuela
continua longe, mas ficou mais perto. Os desastres históricos
acontecem aos poucos. Alguns grão-duques russos achavam que podiam viver com os
bolcheviques. Afinal, aquela maluquice não haveria de durar.
A plutocracia venezuelana levou algum tempo
para perceber que o coronel
Hugo Chávez e sua turma seriam capazes de tudo para ficar no poder.
As instituições democráticas brasileiras
vêm sendo obrigadas a conviver com um novo leão a cada dia. O general
Eduardo Pazuello disse que não participou de manifestação política porque Jair
Bolsonaro não tem filiação partidária e o comandante do Exército
acreditou.
Em seguida, o
procurador-geral da República pediu o arquivamento do inquérito que investigava
ações de cidadãos protegidos por foro privilegiado que incitaram atos contra o
regime. Demorou cinco meses, pediu novas diligências para outros
envolvidos, sem ter pedido providência alguma enquanto ficou com o caso.
Ao fazer isso, o doutor Augusto Aras bateu
de frente com o ministro Alexandre de Moraes, um ex-secretário de Segurança que
já teve a casa esculachada pela milícia. Má ideia. O ministro respondeu pedindo
ao procurador que explique melhor sua posição. Se coisas desse tipo fossem
pouco, o
ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella foi indicado para a embaixada do Brasil na
África do Sul.
Caracas continua longe, a 3.600 km de Brasília. A sociedade brasileira tem uma complexidade e um dinamismo que faltavam à Venezuela. O andar de cima de Pindorama produz, enquanto o venezuelano vivia nas tetas das rendas do petróleo.
Ademais, o caminho para Caracas exigirá uma
sucessão de crises até a eleição do ano que vem. Bolsonaro tem sido pródigo na
criação de encrencas e na distribuição de provocações, uma por semana. Mesmo
assim, precisa de um objetivo. Afora a obsessão pela permanência, nada
oferece. As
reformas liberais de Paulo Guedes estão no estaleiro, sabendo-se que a
instabilidade política debilita seu projeto.
Com
a conta da pandemia aproximando-se das 500 mil mortos, o Brasil firma-se
como um pária bagunçado e incapaz. Se algum caminho venezuelano existe, ele não
pode começar pelo desfecho, a ruína de Nicolás Maduro.
Bolsonaro pode achar que Ricardo Salles é
um excelente ministro. Falta combinar com um mercado internacional cada dia
mais desconfortável com a presença de agrotrogloditas e piromaníacos na
Amazônia. É improvável que o doutor resista até novembro, quando ocorrerá a reunião
do meio ambiente de Glasgow e ele parece sinalizar que pretende cair atirando.
Isso ficou claro quando Salles jogou o ministro Luiz Eduardo Ramos e o Planalto
na frigideira de suas conversas com madeireiros. A sorte faltou-lhe quando seu
inquérito tramita no gabinete de Alexandre de Moraes.
Com suas crises e sem agenda, Bolsonaro colocou o Brasil numa crise desnecessária. Afinal, nem todo mundo pode seguir o caminho do virologista Paolo Zanotto. Em abril do ano passado ele defendia a cloroquina e a formação de um gabinete paralelo para orientar o governo durante a pandemia. O doutor acaba de pedir uma licença de dois anos para pesquisar no Canadá, “sem prejuízo de vencimento”.
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