- O Globo
Não há melhora na qualidade do regime
fiscal. O caminho para a campanha de 2022 eleva o risco de deterioração das
contas públicas
O comportamento recente dos indicadores
fiscais tem surpreendido positivamente, para além do efeito do desmonte de
políticas de socorro na pandemia (responsável por 57% da melhora do balanço da
União até abril) e da aprovação tardia do orçamento represando despesas não
obrigatórias (9,5%).
É inegável a dupla contribuição do aumento
(nominal e real) do PIB: eleva a receita tributária e reduz o déficit e a
dívida pública, ambos medidos como proporção do PIB. Alguns fatores poderão ser
mais duradouros, uns tantos são transitórios, enquanto outros serão perversos.
A pandemia tem gerado uma “seleção natural”
no setor produtivo, com fusões e aquisições, crescimento dos grandes grupos e
fechamento de empresas menos eficientes, via de regra, com maior grau de
informalidade. Apesar de o quadro preocupar do ponto de vista social, pois a
informalidade é alternativa para muitos, a consolidação do setor produtivo traz
ganhos de escala e de produtividade ao longo do tempo, enquanto o aumento da
formalização na economia alimenta a arrecadação e o crescimento do PIB.
Esse efeito é mais duradouro - o bom.
A inflação também tem beneficiado os
indicadores fiscais – o feio. Não é uma inflação qualquer, pois embute uma
mudança significativa nos chamados preços relativos. Com a valorização das
commodities e do dólar, os preços de produtos industrializados no atacado
acumularam alta de 48% anual em maio, enquanto os preços ao consumidor subiram
8%.
Com isso, a inflação da economia como um
todo (denominada deflator do PIB, subiu 10% aa no 1º trimestre) corre bem acima
da inflação ao consumidor (alta média de 5,3% no mesmo período), inflando o PIB
em termos nominais. Há também impacto na arrecadação, pois o faturamento
nominal da indústria cresce em ritmo forte.
Vale citar que o aumento da arrecadação foi
potencializado pela volta mais rápida da indústria, que tem maior carga
tributária por conta da cumulatividade de impostos no Brasil. Esse efeito é
também transitório frente à acomodação em curso da produção industrial.
O descompasso atual entre as taxas de inflação
do PIB e do consumidor é bastante atípico; sua magnitude não tem precedente
desde o Plano Real. O padrão histórico sugere que o descasamento tende a
atenuar em breve. Isso significa que o ganho de arrecadação por esse canal
deverá perder força, bem como sua ajuda para inflar o PIB nominal.
Há dois caminhos possíveis de redução desse
descompasso, podendo ocorrer uma combinação de ambos. No primeiro, a inflação
de produtos industrializados se reduz com a descompressão do dólar e a possível
acomodação de preços de commodities. O segundo cenário é perverso - o mau -,
com o repasse das pressões do atacado ao consumidor, o que vem lentamente
ocorrendo com a retomada da economia.
Nesse segundo caso, os juros do Banco
Central subiriam provavelmente mais do que o esperado (o mercado projeta 6,5%
em 2022), elevando o custo da dívida pública e, pior, machucando o crescimento.
O impacto fiscal seria pior.
Aqui entra a importância de contas públicas
estruturalmente saudáveis para minimizar o risco do cenário perverso - o que
não está acontecendo agora, pois a melhora dos indicadores é em grande medida
conjuntural. Não há escapatória: a grande âncora da inflação é o regime fiscal
que provê confiança aos agentes econômicos na dívida do governo.
E aqui mora o perigo, pois não há melhora
de fato na qualidade do regime fiscal, pelo contrário. É verdade que a regra do
teto detém o crescimento das despesas obrigatórias. Porém, as despesas
extra-teto, por conta da covid-19, devem ultrapassar sensivelmente os já
elevados R$ 101,5 bilhões orçados, pois algumas políticas estão sendo
estendidas – como o Pronampe e o auxílio emergencial - sem medidas
compensatórias adequadas.
Congelar salário do funcionalismo em 2021 é
algo muito tímido e, com as eleições, a pressão das corporações por
recomposição devem crescer. Ainda que meritório e legal, o mecanismo extra-teto
amplia o risco fiscal.
A julgar pelo comportamento do câmbio, que
se valorizou mais do que o sugerido pelo quadro externo, o risco fiscal
percebido por investidores diminuiu recentemente com os números divulgados.
Correta ou não a percepção, o fôlego será curto se não houver melhora
estrutural das contas públicas, sendo que o caminho para campanha de 2022 eleva
o risco de sua deterioração.
O mau cenário está à espreita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário