quarta-feira, 9 de junho de 2021

Fernando Exman - Contagem regressiva para indicação ao STF

- Valor Econômico

Decisão coloca Bolsonaro entre dois grupos da base aliada

Corre em contagem regressiva o relógio até a indicação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Até ontem, dava-se como certo, tanto no Legislativo quanto no Judiciário, que o presidente Jair Bolsonaro não esperaria a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, já agendada para o dia 5 de julho, e anteciparia o anúncio do nome que será submetido ao escrutínio do Senado para substitui-lo. Foi preciso o presidente da Corte, Luiz Fux, pedir a gentileza de que o fim do mandato do colega de toga não seja eclipsado, como ocorreu com o ex-ministro Celso de Mello. Será preciso observar, dia após dia, se o apelo sensibilizará o presidente Jair Bolsonaro.

O governo não pretendia deixar sua indicação exposta ao sol, à chuva e ao sereno durante o recesso parlamentar - até porque o presidente precisará optar por manter sua promessa de apontar um nome evangélico ou atender ao desejo de sua base no Congresso. Senadores aliados ainda procuram convencer o presidente a alçar à Suprema Corte o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Bolsonaro age com método. Tem pressa. E até agora não havia demonstrado receio com a possibilidade de um gesto seu ser visto como nova manifestação de desrespeito aos ritos e tradições.

Vive-se um tempo em que muitas das relações pessoais e institucionais não têm sido marcadas pela cordialidade. Como o próprio ministro Marco Aurélio Mello costuma dizer, o Brasil enfrenta uma “quadra” estranha já há alguns anos.

No microcosmo das interações entre os Poderes, o momento também já foi melhor. Em um dia, o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, diz em entrevista ao jornal “O Globo” que algumas decisões do Supremo geram desconforto. Na sequência, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), critica o que considera o avanço do Judiciário nas prerrogativas do Executivo e do Legislativo, e alerta que vai chegar a hora em que decisões não serão mais cumpridas. Declaração em linha com o pensamento de Bolsonaro, ressalte-se.

Deputados bolsonaristas insistem em tentar aprovar projetos que tolham a atuação do STF. Um deles, o PL 4754/16, por pouco não prosperou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ): pretendia-se estabelecer a possibilidade de impeachment de ministros do Supremo que “usurpem” competência do Congresso Nacional, mas a ideia acabou rejeitada por 33 votos a 32.

Mais recentemente, entrou em debate uma iniciativa que visa criar regras para decisões monocráticas. É preciso ponderar que frequentemente o STF avança sobre pautas políticas depois de ser provocado pelos próprios partidos, deputados ou senadores. Isso ocorre até mesmo com a base do governo, quando lhe convém. A mais recente ação nesse sentido, que não deixou de ser objeto de ironia por parte de integrantes da CPI da Covid, foi a tentativa de derrubar o senador Renan Calheiros (MDB-AL) da função de relator.

Esse foi o menor dos problemas do governo no STF recentemente. Existe por lá um conjunto de apurações capaz de constranger o presidente, sua família e aliados, entre o material do inquérito das “fake news” e da ação que investiga a organização e a promoção de atos antidemocráticos. O ministro Alexandre de Moraes já não era querido entre os bolsonaristas, mas vem colecionando a cada dia recordes de impopularidade entre os apoiadores do presidente. Os inquéritos sob sua condução podem, por exemplo, mostrar quem financia e como atua o grupo que ficou conhecido como “gabinete do ódio”, estrutura ligada ao governo supostamente responsável pela disseminação de notícias falsas na internet. Integrantes da cúpula da CPI da Covid querem, inclusive, ter acesso a esses dados.

O mesmo se vê em relação a outros ministros que têm contrariado as bandeiras hasteadas no terceiro andar do Palácio do Planalto em direção ao eleitorado conservador. Por esse motivo há tamanha pressa para influenciar a composição do Supremo Tribunal Federal.

Integrantes da ala ideológica sustentam que uma das principais batalhas contra a esquerda não se dá mais nas urnas, mas sim entre as pilhas de processos e livros que ornamentam as mesas dos 11 ministros da Suprema Corte.

Segundo essa visão, o projeto de poder da direita deve passar necessariamente pela construção de uma maioria conservadora no STF, onde ministros considerados progressistas ainda têm espaço de ação para vencer as discussões sobre aborto, acesso a armas e munições e regulamentação do uso de drogas. Esses apoiadores do presidente argumentam, também, que uma ala do STF continua determinada a agir seguindo seus próprios princípios éticos e morais, a despeito do que diz a letra da lei.

Esse já era o contexto da nomeação do ministro Kassio Nunes Marques para o lugar de Celso de Mello, uma indicação que surpreendeu a muitos nos meios jurídico e político, e que agora tende a ganhar peso.

Em uma “live” recente, Bolsonaro tangenciou o assunto e, em clima de campanha, afirmou que as eleições do ano que vem não se restringem à escolha do próximo presidente da República, pois em 2023 o chefe do Executivo poderá indicar mais dois integrantes do Supremo. Ele reafirmou o compromisso de apontar um evangélico para a vaga a ser criada em breve e demonstrou confiança de que o escolhido, “uma pessoa realmente que seja equilibrada”, será aprovado pelo Senado.

Faz tempo que o advogado-geral da União, André Mendonça, é lembrado como potencial indicação do presidente. E o ministro já começou a fazer contatos com senadores, no intuito de facilitar a aprovação de seu nome. No entanto, hoje seu desafio é tentar neutralizar a preferência no Parlamento pela indicação do procurador-geral da República, cuja atuação e perfil garantista são bastante elogiados por dirigentes partidários e integrantes da base governista.

Dificilmente André Mendonça será barrado pelos senadores. A seu favor, está o cálculo de que, se Bolsonaro optar por Aras para agradar a base no Congresso em detrimento dos aliados evangélicos, o presidente terá ainda que conseguir um aliado à altura na PGR. Um dos dois acabará ficando para o menu de 2023, caso Bolsonaro consiga se reeleger.

 

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