- O Estado de S. Paulo
Não há nada mais no horizonte, menos ainda
governo. A meta a alcançar é uma ditadura
A ideia emergente de que o Exército se deixou
subjugar aos caprichos de Jair Bolsonaro por temor à
ascensão de Lula até
pode parecer elegante, mas é falsa. O presidente pretende que seja entendida
como alta política sua retórica de envelhecidos bichos-papões. Nem sequer
adaptou ao século em que vive o repertório com que se elegeu e reelegeu
deputado nos últimos 30 anos. Acena com as ameaças puídas de invasão de
comunistas e maconheiros. Até como insultos, há muito superados pela sociedade.
Os militares vergaram não por esta, mas por outra razão.
Bolsonaro tirou do seu caminho os líderes que tentavam preservar as Forças Armadas como
instituição de Estado e as atraiu para seu domínio pessoal. Abrigo onde já
estavam as polícias militares, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, as
milícias, as agências de inteligência, todos os estamentos de vigilância e
segurança, os produtores e vendedores de armas e munições. Uma associação que
lidera como poderoso chefão de um sindicato armado, cujo logotipo é a sugestiva
mão com os dedos polegar e indicador esticados em ângulo reto e três dedos
dobrados.
O Exército, que se sobressai entre as Forças, perdeu substância profissional e ideológica. Suas lideranças se enfraqueceram, não mais tiveram o êxito anterior em missões civis de desafiante complexidade. Como se viu na ocupação do Ministério da Saúde, onde produziu um desastre.
O Alto Comando se deixou vulnerável ao assédio histórico de Bolsonaro às patentes subalternas e forças auxiliares. O comando se exerce por meio de instrumentos típicos da mobilização trabalhista: salários, ampliação das prerrogativas, equalização das vantagens, proteção em reformas das carreiras, ampliação dos postos de trabalho.
Não há nada mais no horizonte, menos ainda
governo. A meta a alcançar é uma ditadura. Abertamente admitida pelos filhos do
presidente. Tal projeto político pessoal e subversivo tem o fim imediato de
interromper a alternância de poder caso Bolsonaro perca a disputa de 2022. Já está preparando, em público,
a acusação de fraude futura, ao modelo Trump, para anular as eleições.
Ao mesmo tempo que, numa espécie de plano B, turbina o Bolsa Família para
reconquistar a popularidade perdida e ter um desempenho que lhe sirva de
pretexto.
Na sequência, o roteiro inclui desmoralizar
instituições, já tendo obtido a capitulação das que poderiam interromper sua
marcha. Bolsonaro reduziu a Câmara dos Deputados a um balcão, onde compra as
mudanças de legislação de que precisa para enquadrar a realidade à sua
fantasia. Maneja sem esforço a Procuradoria-Geral da República. Fidelizou
setores produtivos, como o ruralista. Com método, vai ocupando plenários
decisivos. Amarra estatais e bancos públicos. Bolsonaro consome seu mandato em
atitude possessiva e onipotente.
Na sequência cadenciada de demolições, ele
aumenta agora o cerco ao Supremo Tribunal Federal. Recorre à
velha teimosia acusatória: o STF o impede de gerir a pandemia como quer, com
seu renitente negacionismo que colocou o Brasil no triste pódio dos campeões de
mortes. Na verdade, o STF o incomoda por outras razões, não confessadas. Como
vetar nomeações impróprias. Ou não se intimidar na instalação de inquéritos
para investigar atos golpistas que tornaram réus seus filhos, auxiliares
próximos e deputados do grupo.
Bolsonaro quer arquivar todas as
investigações, sem julgamento. A resposta do Supremo Tribunal Federal a este
desejo indicará seu grau de resistência.
O presidente insiste, ainda, em tirar dos Estados e municípios a gestão compartilhada da pandemia, para ser ele a única instância de decisões sobre abertura irrestrita do comércio. Alega o artigo 5.º, pelo direito de ir e vir, mas sonega o principal preceito do dispositivo, que o Supremo deverá invocar: o direito à vida.
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