terça-feira, 22 de junho de 2021

Pedro Cafardo - As lições da Europa sobre fiscalismo radical

Valor Econômico

Situação fiscal da União Europeia está muito longe de cumprir os objetivos do Tratado de Maastrich

Pouco destaque teve por aqui uma notícia importante sobre a União Europeia. Na quarta-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leven, foi a Madri e Lisboa para anunciar a aprovação dos planos de recuperação econômica de Espanha e Portugal, que receberão, respectivamente € 70 bilhões e € 16 bilhões. Na quinta-feira e na sexta-feira, Ursula visitou Dinamarca, Luxemburgo e Grécia com o mesmo objetivo.

A notícia não é importante apenas pelos valores bilionários a ser liberados para investimentos pós-pandemia em países membros - o plano, chamado “Next Generation EU”, distribuirá € 750 bilhões (R$ 4,5 trilhões), a maior parte sob a forma de subvenções, ou seja, transferências a fundo perdido. É importante também porque a iniciativa pode indicar o início de uma mudança histórica. Em crises anteriores, sob o comando da ortodoxia alemã, a UE agiu com mão de ferro e fiscalismo radical contra membros mais pobres. Exigiu austeridade e impôs uma política macroeconômica que agravou problemas sociais desses países e travou seu crescimento econômico.

Um primoroso trabalho acadêmico feito por dois economistas espanhóis, catedráticos da Universidade do País Basco, Jesús Ferreiro e Carmen Gómez, mostra o impacto negativo dessa ortodoxia econômica em toda a zona do euro. Ferreiro apresentou o trabalho no dia 12 durante o SDMRG International Workshop.

O “paper” é amplo e técnico, denominado “Fiscal policy and long-term economic growth: lessons from the Euro Area”. Chama a atenção um gráfico que compara os crescimentos econômicos na zona do euro com os dos demais blocos de países avançados ou emergentes.

Os números principais estão no gráfico ao lado. Em 28 anos, de 1991 a 2019, a expansão acumulada do Produto Interno Bruto (PIB) dos países da zona do euro foi de apenas 53,5%, muito abaixo da média alcançada pelas demais economias avançadas, de 167,8%, e a uma distância infinita em relação aos 667% dos emergentes asiáticos.

O vexame europeu é observado também nos 20 anos desde a criação da moeda única, o euro. De 1999 a 2019, o crescimento acumulado do PIB foi de 30,7%, enquanto as demais economias avançadas cresciam 89,1%, e emergentes asiáticos, 330%.

Em bom português, quer dizer que as nações da zona do euro, em seu conjunto, empobreceram em relação aos demais países. Só foram melhores que o já suficientemente rico Japão, cujo PIB cresceu apenas 26% de 1991 a 2919 e 15% de 1999 a 2019.

Para mostrar os efeitos da política macroeconômica ortodoxa, Ferreiro lembra a lógica subjacente no processo de integração europeia e da construção da união monetária. Assinada em 1986, Ata Única Europeia definiu a plena integração econômica e a formação de um mercado único até 1992. Entendia-se que o mercado único, com estabilidade cambial e austeridade fiscal, promoveria a aceleração do crescimento em todo o bloco. Haveria maiores fluxos comerciais, mais competitividade e isso resolveria o problema crônico europeu, já chamado naquela época de “neuroesclerose”.

A União Europeia foi oficialmente criada em 1992, pelo Tratado de Maastricht. Adotou-se política monetária única, por meio do Banco Central Europeu (BCE), que fixou a meta de inflação em 2% ao ano. Não se estabeleceu uma política fiscal única, mas foram criadas regras fiscais rígidas, como déficits públicos de até 3% do PIB e dívidas públicas não superiores a 60% do PIB, com punições para países que não as cumprissem. Além disso, Maastricht proibiu o financiamento monetário de desequilíbrios fiscais e o resgate de um país por outros Estados ou por instituições comunitárias. Para eliminar a instabilidade cambial, estabeleceu-se a moeda única. O euro passou substituir as moedas nacionais a partir de 1999 - hoje engloba 19 países.

O Pacto de Estabilidade e Crescimento, de 1997, tornou as normas fiscais ainda mais restritivas. Essa política foi amainada na crise financeira, de 2007 a 2009, mas retomada a partir de 2010, o que levou a economia europeia à recessão.

Ferreiro e Gómez mostram que não tem havido coordenação das políticas monetária e fiscal na zona do euro. Em certos momentos, quando a política fiscal passou a ser expansiva, o BCE adotou políticas monetárias restritivas. A estratégia regional macroeconômica está definida, desde 2011, por uma política monetária expansiva e uma política fiscal restritiva.

Com a continuidade da secular estagnação europeia, permaneceram depois da criação da UE os principais desequilíbrios macroeconômicos da região. O desemprego não foi reduzido em três décadas, exceto na Alemanha. A combinação de políticas de austeridade fiscal com reformas trabalhistas produziu forte aumento de desigualdade e pobreza. Em 2019, 20,6% das populações da zona do euro estavam em risco de pobreza e exclusão social. Ao contrário do que previa a política restritiva, os desequilíbrios fiscais não foram corrigidos, e a dívida pública do bloco aumentou para 85% do PIB. A situação fiscal da região está muito longe de cumprir os objetivos do Tratado de Maastricht.

Voltando ao início da coluna, cabe a pergunta: será que, de fato, a aprovação dos planos de recuperação econômica pós-pandemia, com injeção de € 750 bilhões, representa uma mudança histórica no bloco? Ferreiro é cético: “Embora a reforma das regras fiscais seja necessária, não está clara a vontade política para mudar radicalmente essas normas. Podemos considerar essa situação transitória e excepcional”.

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