O Estado de S. Paulo
A participação dos militares no governo é
movimento consciente e organizado, diz coronel
O papel das Forças Armadas e a relação
entre civis e militares são tópicos de grande atualidade. Acontecimentos
recentes mostram a delicadeza do assunto. Nos EUA o poder civil (presidente
Trump) quis envolver os militares na política e na França militares da reserva
pediram abertamente a seus colegas da ativa que derrubassem o presidente
Macron. Na França, a ministra da Defesa tomou medidas para sufocar o início de
rebelião dos militares da reserva. Nos EUA, o chefe do Estado-Maior conjunto
das Forças Armadas fez pronunciamento dizendo que os militares não participam
da política e se dissociou publicamente de Trump.
Em artigo no número atual da revista Interesse
Nacional (www.interessenacional.com.br), o coronel da reserva Marcelo
Pimentel oferece uma nova visão sobre o papel das Forças Armadas no atual
cenário político ao descrever a participação dos militares no governo como um
movimento consciente e organizado. Pimentel indica que existe um Partido
Militar no governo. “A direção é composta por núcleo restrito que controla,
dirige, orienta e gerencia o governo, o presidente e as próprias narrativas,
sempre no sentido da facilitação do objetivo comum a todo partido: a conquista
do poder (já alcançado) e sua manutenção (em processo)”. O Partido Militar não
pode ser confundido com mera “ala militar” em oposição a uma “ala ideológica”
no governo. “Há dois anos e meio, o Brasil possui, de fato, um governo militar
controlado por partido informal que manobra os processos narrativos para
ocultar a operação de seu mais evidente agente – o capitão”. “Embora assuma
papel central-catalisador nos processos de politização/militarização que
integram o fenômeno, o presidente não é figura dirigente e deliberante no
Partido”.
Nem sempre é assim, mas essa interpretação explicaria a crescente participação de militares da ativa e da reserva no governo (mais de 6 mil, segundo o TCU), com interesses concretos que buscariam ser preservados, e a politização das Forças Armadas (14 dos 17 generais de Exército que integravam o Alto Comando do Exército em 2016 ocupam cargos políticos no governo). Todos com “autorização dos comandantes das três forças para ser nomeado ou admitido para cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, inclusive da administração indireta”.
A influência dos militares no governo
justificaria a atitude presidencial de ressaltar que os militares estão
engajados no seu projeto político (“meus generais”, “minhas Forças Armadas”,
“os militares é quem decidem como o povo vai viver”). Explicaria também a
observação de Bolsonaro ao general Villas Bôas “o senhor é um dos responsáveis
por eu estar aqui”, a designação e a saída de um oficial-general da ativa para
o Ministério da Saúde, a não punição desse general, que participou de evento
político, e, até aqui, de sargento que, em encontro virtual, apoiou o governo.
A politização das Polícias Militares, como se viu em diversos incidentes
estaduais, culminando com a violenta repressão de uma manifestação pacífica no
Recife, e a modificação da legislação para permitir armar a população, como foi
dito publicamente, passaram a representar preocupação para o Partido Militar
por fugirem de seu controle imediato.
A politização dos militares e a
militarização da política podem criar uma divisão nas Forças Armadas, pela
erosão da hierarquia e da disciplina, com consequências imprevisíveis, como
assinalaram o ex-ministro Raul Jungmann e, principalmente, o general Santos
Cruz. A substituição do ministro da Defesa e dos três comandantes das Forças
singulares pode ser vista como uma atitude de cautela em relação à eventual
divisão dentro do Partido Militar.
Apesar das informações de que os militares
não admitiriam a volta de Lula e das declarações presidenciais de que não
aceitará o resultado das eleições, que seriam fraudadas sem o voto impresso,
vozes autorizadas garantem que as Forças Armadas, como instituição de Estado,
não apoiarão nenhuma ameaça à ordem democrática e respeitarão a Constituição.
Caso o Partido Militar pretenda manter-se no poder, com ou sem o atual
presidente, como observou Pimentel, coloca-se um grande desafio para a sociedade
civil. Cabe ao Legislativo e ao Judiciário exercerem papel mais ativo nas
questões que dizem respeito à manutenção da ordem constitucional, da democracia
e da estabilidade institucional pelo estreitamento da relação civil-militar com
o lado que publicamente se coloca contra a politização das Forças Armadas.
O Congresso daria relevante contribuição para reafirmar a supremacia do poder civil se decidisse examinar questões que dizem respeito à participação de militares da ativa no Executivo e sobre a designação de ministro da Defesa. A indicação de militares da ativa para cargos no governo deveria seguir norma pela qual qualquer representante das Forças Armadas e da Polícia Militar que aceitar convite para integrar o Executivo, em qualquer nível, deveria passar automaticamente para a reserva. Por outro lado, a chefia do Ministério da Defesa, normalmente civil, poderia ser ocupada por oficial militar se o indicado estiver na reserva por pelo menos sete anos e, caso não preencha esse requisito, com a expressa autorização do Congresso, como ocorre nos EUA.
*Presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional, é membro da Academia Paulista de Letras
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