terça-feira, 22 de junho de 2021

Eliane Cantanhêde – O nosso verde e amarelo

O Estado de S. Paulo

Bandeira nacional não é exclusiva dos atos golpistas, nem a do PT é a única nos atos de oposição

As ruas não estão mais dominadas só por atos golpistas, que a pretexto de apoiar o presidente Jair Bolsonaro atacam o Supremo, o Congresso e a mídia e pedem a volta do regime militar. As ruas, agora, voltaram a ter manifestações que, além de serem contra o presidente Jair, defendem a democracia, as vacinas e a vida. E com bons motivos.

Os dois grupos promovem aglomerações, mas um segue o “mito”, com muitos sem máscara, e o outro segue a ciência, como todo mundo de máscara, sim, senhor. Mas há duas grandes novidades: a bandeira verde e amarela do nosso Brasil não é mais exclusividade dos atos golpistas e as bandeiras vermelhas não são mais as únicas nas manifestações de oposição a Bolsonaro.

As imagens das multidões de sábado, em São Paulo, Brasília e por aí afora, são salpicadas de vermelho do ex-presidente Lula, dos sindicatos e movimentos sociais ligados ao PT, mas elas mostram também faixas, cartazes e manifestantes em cores neutras ou ostentando o verde e amarelo, que é de todos, não de bolsonaristas nem de petistas.

Não é correto menosprezar os atos pró-Bolsonaro e antidemocracia, mas também não se pode deixar correr solta a fake news que apontava 1,3 milhão de pessoas na “motociata” em São Paulo. Pela polícia, eram uns 12 mil e, pelo pedágio, pouco mais de 2 mil. Seja quantos forem, o fato é que tinha bastante gente, mas essa gente não é a maioria.

Do outro lado, o desafio é ampliar o leque de adesões, replicando o principal e mais consequente movimento de massas deste País, as “diretas, já”. A esquerda, mais organizada, sai na frente, mas não é dona das manifestações, da oposição, nem da condenação à ação nefasta na pandemia devastadora.

Se as manifestações forem “do PT”, milhares que são contra Bolsonaro, mas não votam em Lula, ficarão em casa. Vão da centro-esquerda até a direita que se recusa a ser confundida com esta direita absurda no poder, anticiência, antiambiente, anticultura, anti-educação, antivacina, antimáscara. E merece espaço para protestar.

Essa maioria silenciosa não engole a provocação do presidente ao atacar uma jornalista e a mídia nacional ontem, dois dias depois da marca dos 500 mil mortos: “Tudo o que eu falei sobre a covid, infelizmente para vocês, deu certo”. É uma loucura. Bolsonaro acorda todo dia ruminando: “como vou irritar o povo brasileiro hoje?” E seu estoque é inesgotável: “gripezinha”, jet ski nos cem mil mortos, “não sou coveiro”, a pandemia “no finalzinho” em novembro, condenar a máscara, processar governadores por isolamento social, negar o número de mortos...

Tudo isso é chocante, patológico, mas nada é mais irresponsável do que o desleixo, a ignorância e a péssima gestão das vacinas, que poderiam ter começado a chegar em dezembro, mas só engrenaram, mesmo assim aos solavancos, depois de o governador João Doria e o Butantan deixarem o governo federal comendo poeira.

Os vídeos de Bolsonaro combatendo a vacina, em vez de combater a pandemia, são incontestáveis. Ele atacou a “vacina chinesa do Doria” e desprezou a Pfizer, mas comprou, rapidinho, e bem mais caro, a Covaxin. É esquisito, como a implicância. Tanto que o general Luiz Eduardo Ramos tomou a vacina escondido do chefe: “Eu quero viver, pô. Se a ciência e a medicina ‘tão’ dizendo que é a vacina, quem sou eu para me contrapor?”. E quem é Jair Bolsonaro para se contrapor?

Ao dizer que tudo o que falou “deu certo”, o presidente mobiliza a grande massa indignada para mais e mais protestos. Como “deu certo”? Os 500 mil mortos são a prova macabra de que ele falou tudo errado, fez tudo errado e colhe o que plantou. E, como a cloroquina não colou, a nova obsessão é o voto impresso. Assim como ameaça a vida, ameaça a democracia.

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