Folha de S. Paulo
Osmar Terra pode responder questões sobre
gabinete paralelo e cloroquina
Questiona-se se é uma boa ideia colocar
o deputado
Osmar Terra para depor na CPI. Afinal, o deputado, ao longo de 2020,
defendeu o uso de cloroquina e, com mais insistência, a imunidade de rebanho.
Na
previsão do deputado, o Brasil teria menos de 800 mortos no total (previsão
repetida pelo presidente em live). E estávamos sempre às vésperas do
fim da pandemia: maio, junho, setembro, dezembro; a imunidade de rebanho estava
sempre ali do lado, já ia chegar. No mundo real, as mortes se acumulavam e não
paravam de subir. Até hoje não se desculpou. Não duvido que já esteja prevendo
imunidade de rebanho para julho.
O receio de quem critica sua ida à CPI é que, com isso, dar-se-á palco ao charlatanismo que ele vem defendendo. Esse receio faria sentido algumas décadas atrás. No passado, manter alguém fora dos meios institucionais da comunicação —as colunas de jornais, entrevista na TV, cadeiras universitárias ou mesmo um depoimento público numa CPI— era de fato limá-la do debate público. Suas visões jamais chegariam ao grande público.
No caso da cloroquina, ela já está literalmente
na boca do povo. É tarde para impedir isso. Ela teve, é claro, um importante
impulsionamento institucional: o próprio presidente a promoveu em seus canais
de comunicação (nas redes sociais).
Nesses meios, Osmar Terra é celebridade.
Tê-lo na CPI não alterará o alcance da propaganda cloroquinesca. Pelo
contrário: confrontá-lo na CPI é uma chance de apresentar à população que
acompanha o deputado algum tipo de refutação ou discurso alternativo, que
mostre o estado real da ciência.
Considero um erro transformar a CPI em
palco de um debate científico, porque não é esse seu objetivo. A presença de
cientistas sem ligação direta com o governo pouco adiciona às investigações.
Osmar Terra é um caso diferente. Ele foi
diretamente relevante na condução da política do governo federal. Bolsonaro
citava os números de Terra em suas lives e aderiu à sua crença na imunidade de
rebanho natural. Ele
era um dos possíveis integrantes do gabinete da Saúde paralelo formado pelo
empresário Carlos Wizard.
Segundo o próprio Wizard disse em uma live,
a missão do gabinete —promover o uso da cloroquina— lhe fora dada pelo ministro
Pazuello.
Sim, a política de saúde pública brasileira
durante a pandemia foi terceirizada a um gabinete
paralelo integrado por charlatães vendedores de um remédio ineficaz,
sem nenhum tipo de transparência ou possibilidade de prestação de contas. A CPI
tenta sanar isso.
Muitas questões permanecem: com base no quê
o presidente decidiu se tornar garoto-propaganda deste remédio? Quem o
aconselhou, e se não era gente do Ministério da Saúde, de onde era? Houve
tentativa de beneficiar empresas aliadas ao presidente? Quanto dinheiro público
foi gasto para produzir, comprar e distribuir cloroquina e para fazer e lançar
o aplicativo TrateCov? Quem ganhou esse dinheiro?
E, por fim: a promoção do remédio, aliada
ao simultâneo combate
ao isolamento social e à vacinação, tinha como finalidade acelerar a
imunidade de rebanho entre a população? Manaus foi palco de teste dessa
hipótese? Osmar Terra, caso seja obrigado a falar a verdade, pode nos ajudar a
responder essas perguntas.
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