- Folha de S. Paulo
A pergunta cabe já que temos 700 mil
mortos, pois a subnotificação é quase universal, e 70 milhões de jovens contra
o presidente
O fim de semana foi agitado, mas as duas
grandes notícias do feriado, os 500
mil mortos e as manifestações contra Bolsonaro, não me comovem muito. Calma,
eu explico. Cada uma das mortes é uma tragédia e ver as pessoas se mobilizando
para depor o pior presidente da história é positivo. Receio, porém, que a forma
como essas notícias se colocam obscurece a gravidade da situação.
Meu pendor racionalista faz com que eu não
veja diferença de escala ou essência entre 500.000 e, digamos, 502.324, mas,
mesmo que aquiesçamos ao fetiche humano por números redondos, a marca do meio
milhão já foi ultrapassada um bom tempo atrás.
O fenômeno da subnotificação é quase universal. Até há países como a Bélgica em que o cômputo dos óbitos pelo Sars-CoV-2 é praticamente o mesmo que o do excesso de mortes em relação a anos não pandêmicos, só que isso é uma raridade. Na maioria das nações, a contagem oficial fica sistematicamente abaixo da de óbitos não esperados. Em casos extremos, como o de alguns estados indianos, o número real de vítimas pode ser até dez vezes maior que o oficial.
Para o Brasil, estudos como o da
infectologista Ana Luiza Bierrenbach estimam uma subnotificação da ordem de
30%. Isso significa que ultrapassamos os 500 mil lá pelo meio de abril e já nos
aproximamos dos 700 mil.
Algo
parecido ocorre com as manifestações. Como prefiro medidas objetivas a
impressionismos, dou mais relevo a pesquisas que a fotos. E o Datafolha nos diz
que 49% dos brasileiros com mais de 16 anos defendem o impeachment. Estamos
falando de um universo de descontentes da ordem de 75 milhões de pessoas, o que
empalidece até as mais fantasiosas estimativas dos organizadores sobre o número
de manifestantes no sábado.
A moral que extraio dessas considerações é que estamos atrasados. Com quase 700 mil mortos e maioria relativa a favor do afastamento, como Bolsonaro continua no poder?
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