O Estado de S. Paulo
O ímpeto gastador vem do governo, que já
discute dar reajustes ao funcionalismo
A economia brasileira não está melhorando
de verdade. A alta dos preços das commodities caiu do céu como um amargo maná:
esconde a precariedade do mercado de trabalho e da renda das famílias. Pior, dá
vazão à sanha por aumentos de gastos não relacionados ao essencial, isto é,
guarnecer as famílias que perderam emprego e renda na pandemia e pavimentar a
reconstrução do País.
Os governos têm o condão de definir
políticas públicas de saúde, educação, meio ambiente, infraestrutura, combate à
pobreza, etc. Mas desta vez o vento de cauda oriundo das commodities encontrou
uma nau sem rumo. Acabamos de assistir à confusão no Orçamento de 2021. No ano
que vem, a ajuda camarada da inflação vai abrir uma folga no teto de gastos em
pleno ano eleitoral.
A Instituição Fiscal Independente (IFI)
estima que o produto interno bruto (PIB) crescerá a 4,2% em 2021, podendo
alcançar 5,4% no cenário otimista. Esse crescimento ocorrerá em cima da
recessão de 4,1% em 2020. No biênio, mesmo com a taxa otimista, cresceremos a
0,5% ao ano, abaixo da média de 1,5% entre 2017 e 2019. O Brasil está
semiestagnado. Sem um plano nacional coeso, permanecerá assim.
De fato, a alta dos chamados termos de
troca – razão entre os preços das exportações e das importações – reflete a
dinâmica positiva dos produtos primários. Mais de dois terços das exportações
do País são commodities. Na comparação entre março deste ano e o mesmo mês de
2020, os termos de troca aumentaram 20%.
Essa ajuda externa estimula o agronegócio, que cresceu a 5,7% no primeiro trimestre de 2021 em relação ao último de 2020, enquanto a indústria subiu apenas 0,7%. Contudo os preços das commodities já atingiram o pico de 2011 e a duração do ciclo é incerta. Como naquele samba, “nada dura eternamente, tudo na vida é ilusão”.
No meu artigo anterior nesta página mostrei
que o PIB em trilhões de reais tem sido ajudado pela inflação. Quase 70% do
aumento nas projeções para o PIB nominal de 2021 se explicam pela inflação
maior. Matematicamente (pelo denominador mais alto), a relação dívida/PIB
deverá diminuir, mas seguirá 30 pontos porcentuais superior à média dos países
em desenvolvimento. O dólar caro está por trás.
Recentemente, o dólar começou a baratear, o
que poderá retirar pressão da inflação. Depois de atingir quase R$ 5,90, no
início de março, a taxa de câmbio está em torno de R$ 5,10. Mas há incertezas
até o fim do ano. Se o Federal Reserve – o banco central dos EUA – sinalizar aumento
de juros para antes do previsto, os dólares que circulam no mundo voarão para
lá. Nesse caso, o Banco Central do Brasil terá de aumentar ainda mais os juros
para conter a desvalorização do real.
Vamo-nos entender: quando o dólar fica mais
caro, os preços dos produtos importados em reais aumentam. Então, elevam-se os
juros para manter a atratividade ao capital estrangeiro e segurar a taxa de
câmbio. Busca-se evitar o espalhamento desse efeito na economia. Mas o juro
mais alto é água no chope da recuperação do PIB, além de encarecer a dívida.
Os riscos macroeconômicos somam-se ao
avanço da covid-19 e ao desemprego, que deve encerrar o ano em 14,2%. Em 2021 a
ocupação crescerá a 2%, depois de ter caído quase 8% em 2020. A renda é
corroída pela inflação. A saber, os preços da alimentação no domicílio subiram
15,4% no acumulado de 12 meses até maio.
Nesse contexto, irrompe a sanha para gastar
a folga prevista no teto de gastos em 2022, como eu previ à jornalista Adriana
Fernandes no Estado de 19 de abril. A inflação mais alta até junho de 2021 –
índice a corrigir o teto do ano que vem – fará o limite crescer acima das
despesas obrigatórias em 2022. Mas essa folga não está garantida. Ao contrário,
dependerá da inflação até dezembro de 2021.
O ímpeto gastador vem do próprio governo,
que já discute dar reajustes ao funcionalismo. Sou a favor de elevar o Bolsa
Família ou de discutir a sério um programa de renda básica nos moldes propostos
há anos por Eduardo Suplicy. Para isso seriam necessários planejamento e debate
técnico.
Usar o espaço fiscal gerado pela inflação
descompensada para dar reajuste salarial em ano eleitoral é o fim da picada. O
sinal é péssimo e alimenta as expectativas de inflação, turbinando os juros.
Enquanto isso, comemora-se a “redução” da dívida e o PIB inflacionado. O andor
cambaleia e o santo é de barro.
FHC, 90 anos – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso completou 90 anos no dia 18 de junho. FHC implantou o Bolsa Escola, propôs e aprovou a reforma gerencial do Estado, controlou a inflação com o Plano Real, reorganizou as contas públicas por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal, universalizou o acesso à educação básica, ampliou e reforçou o Sistema Único de Saúde (SUS) e desenhou uma política externa estratégica, que reposicionou o País no mundo. O “improvável presidente”, como no título de um de seus livros, inspira as novas gerações. Seu farol alto estimula a reflexão sobre a reconstrução do País pós-Bolsonaro. Parabéns e obrigado, FHC!
*Diretor executivo e responsável pela implantação da IFI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário