O Globo
Falta a alguns perceberem que o
auto-imposto embargo brasileiro tem consequências reais sobre o nosso bem-estar
Os diversos protestos contra a ditadura
cubana que eclodiram pela Ilha trouxeram ao centro do debate o papel do embargo
americano na perene crise de escassez que o país caribenho enfrenta. O que
talvez surpreenda o leitor é saber que, mesmo com o embargo, Cuba comercia
internacionalmente mais que o Brasil.
Segundo dados do Banco Mundial, na média da
década de 2010-19, o país caribenho transacionou internacionalmente 36% de seu
PIB, enquanto o Brasil apenas 26%. Algumas características explicam
parcialmente essas diferenças.
Países de mercado interno grande, como o
Brasil, tendem a comerciar menos com o resto do mundo. Mas o Brasil é um país
fechado mesmo quando consideramos suas características particulares.
Nosso nível de comércio é mais baixo que o
de países com renda similar ou de população similar à nossa.
É fácil entender porque o embargo prejudica Cuba: ao dificultar o acesso do país a produtos mais baratos, mais variados e de melhor qualidade vindos do exterior, a população tem seu bem estar reduzido.
Além disso, perde-se o intercâmbio
internacional que permite a firmas e trabalhadores domésticos terem acesso a
novas técnicas e tecnologias.
Tais ganhos em consumo e produtividade são
chamados, em economia, de ganhos com o comércio. Há evidência de que eles podem
ser grandes. Um influente trabalho de Ralph Ossa mostra que, para a maior parte
dos países, os ganhos estáticos, via acesso a produtos mais baratos, é maior
que 55% do PIB.
Quando incorporados os ganhos dinâmicos,
via difusão de ideias e tecnologias, o efeito é ainda maior. Os economistas
Paco Buera e Ezra Oberfield estimam que esse mecanismo pode explicar entre 40%
a 70% do imenso ganho de renda experimentado por China, Coreia do Sul e Taiwan
entre 1960 e 2000.
O que é mais difícil entender é por que,
dados esses potenciais ganhos com o comércio, o Brasil continua tão fechado.
Uma explicação é que há sempre perdedores e
ganhadores. Mas se empresas que perderiam com a abertura podem colocar
emissários nos corredores em Brasília para evitar mudanças, isso não é verdade
para os milhões de consumidores que se beneficiariam de produtos mais baratos.
Como enfatizam os economistas políticos,
quando os benefícios de uma reforma são difusos na sociedade e as perdas
concentradas em alguns atores, reformar se torna muito difícil.
A estrutura da burocracia comercial
brasileira tampouco ajuda. Alterações estruturais nos impostos de importação
demandam aprovação de todos os países do Mercosul, com os quais o Brasil
compartilha tarifas numa união alfandegária.
Mesmo mudanças pontuais precisam da
chancela de diversos ministérios em conselhos onde privilegia-se o consenso.
Tudo isso trabalha contrariamente a mudanças.
Outra potencial explicação são os efeitos
distributivos regionais. Uma série de trabalhos de autoria de Rafael
Dix-Carneiro, economista brasileiro da Universidade Duke, demonstrou que a
liberalização comercial parcial realizada no Brasil durante os anos 1990 levou
a resultados díspares em regiões distintas do país.
As regiões relativamente mais ricas, que
concentravam os setores nos quais a liberalização foi mais intensa, passaram
por uma perda relativa de emprego formal em relação às regiões menos afetadas.
Isso ocorreu porque os trabalhadores têm
dificuldade de se mover entre regiões e setores após perderem seus empregos, de
modo que o ajuste ao choque econômico é lento.
Isso não indica que os ganhos sobre o
comércio não existem, mas simplesmente que eles não são distribuídos
uniformemente entre regiões e setores. Para ser viável, portanto, uma política
de abertura comercial precisa considerar essa realidade e facilitar a
reinserção de trabalhadores de regiões afetadas no mercado de trabalho por meio
de políticas como seguro-desemprego, subsídios à realocação e cursos de
requalificação.
Por fim, há também uma resistência
ideológica em reconhecer a realidade dos ganhos com o comércio. A despeito da
literatura científica sobre o assunto, muitos políticos e gestores ainda veem
as importações como uma perda e não como veículos de ganhos com o comércio.
O exemplo cubano pode ajudar. Quase todos percebem que o embargo imposto contra Cuba limita o bem-estar e prejudica o desenvolvimento da Ilha. Falta a alguns perceberem que o auto-imposto embargo brasileiro tem consequências reais sobre o nosso bem-estar e desenvolvimento.
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