O
que avançamos como República, nos últimos 200 anos, nos diversos países do
continente depois da libertação colonial?
Quais
os desafios históricos e atuais dos países latino-americanos frente à pandemia
e aos cenários possíveis pós pandemia?
Foram
estas as questões discutidas e avaliadas nessas mesas redondas acima
mencionadas e que estão disponíveis em WW.facebook.com/apuraperu/videos.
O texto a seguir apresentado na última mesa redonda do dia 10 de julho passado destaca a realidade brasileira em perspectiva, considerando os desafios a serem enfrentados pelo Brasil no caminho da sustentabilidade política, econômica, social e ambiental.
Os
desafios da sustentabilidade
A
ampliação da consciência ambiental aos níveis global, continental e nacional é
uma necessidade para a construção de uma nova perspectiva de sociedade que se
quer sustentável. Os problemas econômicos, sociais e ambientais globais,
continentais e nacionais continuam como desafios políticos a serem superados
para a construção de uma perspectiva sustentável para a América Latina e o
Brasil.
A
busca de alternativas para superar esta realidade coloca a necessidade de
construção de uma nova agenda para as questões de sustentabilidade mundial,
continental e nacional, há muito discutida nos fóruns globais (AGENDA 21, ONU,
ECO 92).
A
construção política, econômica, social e ambiental de uma sociedade futura
sustentável é um desafio permanente de toda a sociedade latino-americana.
Alguns valores devem sustentar esta nova construção societária, entre outros a
compreensão da democracia como um valor permanentecriador das condições de
governança global, continental e nacional; a necessidade da paz mundial e do
diálogo entre os povos, particularmente latino-americanos, como o caminho de
superação desta sociedade histórica, construída desde a colonização e
atualmente insustentável.
Nessa perspectiva, a equidade na distribuição das riquezas produzidas por quem trabalha preservando os valores ambientais, culturais e espirituais das sociedades latino-americanas é o caminho a ser perseguido com a participação ativa da cidadania, dos governos nacionais, das organizações, a exemplo da ONU, OEA e outras multilaterais que funcionariam como alicerces dessas políticas públicas que se desejam e podem ser discutidas e construídas a nível nacional, latino-americano e global.
A
realidade brasileira
A
carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, de 1º de maio de 1500, quando
aqui chegaram os colonizadores portugueses, é o primeiro manifesto das
potencialidades e riquezas naturais brasileiras:
“Nela,
até agora, não podemos saber o que faz ouro nem prata, nem nenhuma coisa de
metal, nem de ferro; nem como vimos. Mas, uma terra em si é muito boa de ares,
fria e temperada, como você. Águas são muitas e infindas. De tal forma e
graciosa que, querendo aproveitar, dê-lhe uma mensagem para o bem das Águas que
ela temia”.
Tal
processo de colonização e a realidade brasileira atual impõem a necessidade de
novas relações entre a sociedade e a natureza no Brasil.
Portanto,
o Brasil, com seus conflitos e contradições, é parte do processo de
desenvolvimento do capitalismo na América Latina e no mundo inteiro, fruto das
relações dos diversos atores que determinam o funcionamento da sociedade
brasileira atual, assim como a construção de novas relações a serem
estabelecidas com a América Latina e a nível mundial.
Desde
as expedições colonizadoras (a primeira chegou ao Brasil em 1530, comandada por
Martim Afonso de Souza), a economia brasileira continua sendo exportadora de
recursos naturais para atender ao mercado mundial.
Os
desafios históricos continuam atuais na perspectiva de construção da
sustentabilidade brasileira: a preservação do território, das riquezas
naturais, em particular da biodiversidade, elemento estratégico para o futuro
do país e da América Latina, principalmente em relação à floresta amazônica,
mata atlântica, cerrados, caatinga, água, riqueza mineral e o aproveitamento do
potencial de energia solar e eólica.
A
questão da sustentabilidade no Brasil é parte integrante de nosso processo
histórico, cultural, econômico e social. Sua síntese está refletida na própria
Constituição brasileira, aprovada em 1988, que possui um capítulo (o VI) dedicado
ao Meio Ambiente que, em seu artigo 225, dispõe:
“Toda
pessoa tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem comum das
pessoas e essencial para uma boa qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à
comunidade o dever da sua defesa e preservação para as gerações presentes e
futuras”.
Esta
visão de totalidade, de compreender a construção das políticas públicas como
relação entre o Estado e a Sociedade em geral está incorporada no Capítulo VI
da atual Carta Magna, no que se refere à política ambiental, superando
dialeticamente as visões anteriores de tratamento da questão ambiental no
Brasil.
As
políticas fundamentais para a construção da sustentabilidade no Brasil devem
ser integradas e pactuadas entre os diferentes atores políticos, econômicos e
sociais, no âmbito do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil brasileiros.
O
desafio da sustentabilidade no Brasil é a necessidade de construção de uma
sociedade com mais democracia, ampliando os espaços de participação e de
decisão da cidadania, com uma economia preocupada com a inclusão social e a
preservação da biodiversidade, realizando reformas políticas e econômicas
necessárias e ainda não realizadas pela sociedade brasileira.
No
Brasil, parte considerável da população não tem seus direitos constitucionais
atendidos como educação, saúde, moradia, segurança pública e trabalho,
fundamentais para a vida. A perspectiva sustentável deve ser trabalhada com
base na biodiversidade, território, riquezas minerais, água, energia solar e
eólica disponíveis no território brasileiro.
Os
limites impostos à economia baseada no carbono colocam o Brasil em situação de
destaque em relação à sua matriz energética, com vantagens comparativas na
perspectiva de uma nova economia, de baixo carbono, sustentável.
Nos
últimos 25 anos de redemocratização da sociedade, o Brasil se desenvolveu em
termos de inclusão social e redução das desigualdades. Mas, ainda somos uma das
sociedades mais desiguais do mundo, infelizmente, uma das primeiras em
concentração de riqueza em todo o planeta. A parcela da população, inserida no
mercado nos últimos anos, não foi incorporada à cidadania efetiva, não
alcançando os direitos expressos na Constituição brasileira, a saber: trabalho,
moradia, saúde, educação e mobilidade.
A
construção da sustentabilidade no Brasil implica em uma mudança radical na nossa
matriz de transportes. A transição para uma nova matriz de transporte, com
prioridade para a ferrovia e a hidrovia substituindo o rodoviário, para o coletivo
substituindo o individual, são desafios que continuam atuais em nossa
sociedade.
Em
relação à questão urbana, os problemas sociais se acumulam nessas áreas de
grande concentração populacional. As cidades concentram população e
desigualdades. A reforma urbana se coloca como uma das questões estratégicas dessa perspectiva que se pretende
sustentável para o Brasil.
A
propriedade da terra, a reorganização do espaço urbano, o sistema de
transportes, segurança, habitação, saúde, educação e a reestruturação dos
serviços públicos são questões fundamentais a serem consideradas. O
fortalecimento das políticas municipais e regionais, por meio do incentivo à
participação do cidadão na formulação das políticas públicas e na gestão, será
decisivo neste caminho rumo à sustentabilidade em nosso país.
Neste
cenário, a centralidade de uma política pública de educação, ciência,
tecnologia e inovação se coloca no caminho de uma maior integração com a indústria,
agricultura e pecuária para aumentar a produtividade e enfrentar as
desigualdades sociais e os desafios econômicos e ambientais da sociedade
brasileira.
É
importante ainda avaliar como a questão da sustentabilidade está sendo
formulada e incorporada nas políticas públicas no Brasil pelos diferentes
atores políticos e sociais, seus respectivos instrumentos e condições de
implementação, nível de transversalidade e participação efetiva da sociedade.
Bem como a continuidade e aprofundamento das políticas de combate às
desigualdades de gênero e etnia, como estruturantes nesta perspectiva
sustentável a ser construída no Brasil.
Uma
reforma política continua na ordem do dia para a ampliação e consolidação da
democracia brasileira. Condicionar a reforma política à necessidade de maior
participação da sociedade civil e da cidadania como instrumentos de superação
da difícil realidade política, econômica e social vivida hoje no Brasil
superando o Governo Bolsonaro que demonstrou e demonstra a sua incapacidade de
governar o País. Aumentam as crises econômica, social e ambiental brasileiras,
em plena pandemia.
Por
fim, compreender e trabalhar as questões da sustentabilidade como parte da
história da humanidade em suas relações com a natureza, permitindo transcender
os problemas da sociedade atual, no Brasil e na América Latina, buscando
soluções e, sobretudo, que as diferenças e os reais interesses entre os
diversos atores sociais em questão sejam identificados, criando as bases de
novas relações políticas, econômicas e sociais para a sociedade futura que se
deseja sustentável.
Seremos capazes?
*Professor Doutor da Universidade Federal da Bahia-Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade (geogurgel1@gmail.com)
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