Folha de S. Paulo
Qualquer pessoa mais ou menos informada ia
desconfiar de mutreta na oferta de vacinas; menos a cúpula do Ministério da
Saúde
A República da Bruzundanga moderniza-se.
Sai de cena o zangão —aquele falso despachante que vivia rondando cartórios e usava
bigode e costeleta, camisa florida, sapato branco sem meia e capanga embaixo
das axilas— e entra o facilitador. Este, obrigatoriamente, veste-se e
comporta-se como se tivesse chegado ontem de Miami.
É um tipo limpinho e sorridente. Em sites especializados, a definição do que ele faz é um primor de vigarice e, como convém aos novos tempos, de português mal traduzido do inglês: "Alguém que ajuda um grupo de pessoas a compreender os seus objetivos comuns, auxiliando-os a planejar como alcançar estes objetivos".
O empresário Herman Cardenas é um
facilitador. Se a CPI da Covid fosse um filme, ele seria interpretado por
Sylvester Stallone. Dono da Davati Medical Supply, sediada no Texas, Cardenas
reconhece que não tinha nenhuma das 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca
cuja compra ofereceu ao governo. Mas percebeu que ali havia um bom negócio, uma
comissão gorda, e jogou a isca. O cardume de piranhas se alvoroçou.
O trabalho dos zangões era feito em dupla
com os chamados perdigueiros, que se faziam passar por escreventes e escolhiam
as vítimas das fraudes. Para a função, Cardenas tinha no Brasil um
representante, o vendedor Cristiano
Carvalho, que lhe foi indicado por um coronel, dono da Guerra
International Consultants, em Maryland --um dos muitos coronéis metidos no
rolo. Carvalho, por sua vez, ampliou a rede trazendo para a pesca um cabo da PM
de Minas Gerais e um reverendo que se apresenta como "presidente mundial
da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários".
Qualquer pessoa mais ou menos informada
iria desconfiar da mutreta. A não ser que estivesse mais interessada nela do
que os próprios mutreteiros. À CPI Cristiano Carvalho relatou que suas ofertas
foram levadas a três membros da cúpula do Ministério da Saúde.
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