sábado, 17 de julho de 2021

Hélio Schwartsman - Vocabulário presidencial

Folha de S. Paulo

O rico vocabulário presidencial enseja reflexões

 “Caguei para a CPI, não vou responder nada”. O rico vocabulário presidencial enseja reflexões. O mais óbvio aqui seria tentar mostrar como o mandatário máximo se vale dos palavrões para provocar conflito, uma das múltiplas funções dos “maledicta”. Mas, como já fiz algo parecido não muito tempo atrás, ao comentar a exuberância discursiva de Olavo de Carvalho, hoje proponho que discutamos o papel da polidez.

A polidez ou cortesia é a resposta, não necessariamente brilhante, que nossa espécie encontrou para certas contradições da vida social. Como ensina Pinker, se eu desejo algo de alguém que não é meu subordinado, preciso, antes de tudo, conquistar sua boa vontade. Fazer um pedido que soe como uma ordem é péssima ideia. Não só reduz a chance de eu obter o que quero como ainda traz o risco de eu ser mal interpretado, dando início a uma briga da qual posso sair ferido ou morto.

Para evitar tanta desgraça, desenvolveram-se em quase todos os idiomas humanos fórmulas de cortesia que promovem verdadeiros circunlóquios linguísticos para driblar o tom impositivo e oferecer possibilidades menos custosas de negar ou ignorar os pedidos.

Em vez de soltar um imperativo brutal como “passe-me o sal”, digo “você seria capaz de alcançar o sal?” ou “esqueceram de colocar saleiros deste lado da mesa”.

Num primeiro nível de análise, é meio tolo, já que todas as partes estão cientes de que lidam com convenções superficiais. Um pedido, não importam os enfeites linguísticos, é um pedido, e um não, mesmo que floreado, é um não. Num segundo nível, porém, os participantes, ao aderir ao tom cortês, estão informando a todos os que possam observá-los de suas intenções pró-sociais e não belicosas. É grave que o presidente da República, a quem em tese cabe promover a paz e a concórdia entre cidadãos e instituições, se mostre tão desprovido do mais básico dos lubrificantes sociais.

 

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