Folha de S. Paulo
O rico vocabulário presidencial enseja
reflexões
“Caguei para a CPI, não vou responder nada”. O
rico vocabulário presidencial enseja reflexões. O mais óbvio aqui seria tentar
mostrar como o mandatário máximo se vale dos palavrões para provocar conflito,
uma das múltiplas funções dos “maledicta”. Mas, como já fiz algo parecido não
muito tempo atrás, ao comentar a exuberância discursiva de Olavo de Carvalho,
hoje proponho que discutamos o papel da polidez.
A polidez ou cortesia é a resposta, não necessariamente brilhante, que nossa espécie encontrou para certas contradições da vida social. Como ensina Pinker, se eu desejo algo de alguém que não é meu subordinado, preciso, antes de tudo, conquistar sua boa vontade. Fazer um pedido que soe como uma ordem é péssima ideia. Não só reduz a chance de eu obter o que quero como ainda traz o risco de eu ser mal interpretado, dando início a uma briga da qual posso sair ferido ou morto.
Para evitar tanta desgraça,
desenvolveram-se em quase todos os idiomas humanos fórmulas de cortesia que
promovem verdadeiros circunlóquios linguísticos para driblar o tom impositivo e
oferecer possibilidades menos custosas de negar ou ignorar os pedidos.
Em vez de soltar um imperativo brutal como
“passe-me o sal”, digo “você seria capaz de alcançar o sal?” ou “esqueceram de
colocar saleiros deste lado da mesa”.
Num primeiro nível de análise, é meio tolo,
já que todas as partes estão cientes de que lidam com convenções superficiais.
Um pedido, não importam os enfeites linguísticos, é um pedido, e um não, mesmo
que floreado, é um não. Num segundo nível, porém, os participantes, ao aderir
ao tom cortês, estão informando a todos os que possam observá-los de suas
intenções pró-sociais e não belicosas. É grave que o presidente da República, a
quem em tese cabe promover a paz e a concórdia entre cidadãos e instituições,
se mostre tão desprovido do mais básico dos lubrificantes sociais.
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