EDITORIAIS
Câmara erra ao querer restringir pesquisa
eleitoral
O Globo
A célebre pesquisa de intenção de voto é
alvo de atenção da Câmara, onde se discute um novo Código Eleitoral. A deputada
federal Margarete Coelho (PP-PI), relatora do projeto, defende a proibição da
divulgação de pesquisas eleitorais no dia e na véspera dos pleitos. Como
justificativa, argumenta que é preciso evitar que eleitores sejam induzidos por
cenários depois desmentidos quando as urnas são abertas. Margarete sugere ainda
a divulgação de um “percentual de acerto” das empresas de pesquisa nas eleições
anteriores.
Não faz sentido restringir o acesso dos eleitores a informações que podem ajudá-lo a definir seu voto. A democracia não é necessariamente melhor nos países em que existe um período de silêncio adotado para tentar evitar que as pesquisas influenciem a decisão. A mudança de voto de última hora faz parte da dinâmica eleitoral e, mesmo que possa acarretar resultados surpreendentes, é sempre mais legítimo quando o eleitor toma sua decisão mais informado. Ele deve ter o direito de saber o que dizem as pesquisas de opinião até o último momento e até de mudar o voto com base nisso. Informações são essenciais para que possa fazer uma boa escolha.
A preocupação com os erros faz mais sentido.
Dentro e fora do Brasil, o histórico de equívocos de pesquisas eleitorais ganha
novos exemplos a cada eleição. Do Gallup que, em 1948, cravou que Thomas Dewey
derrotaria Harry Truman na corrida presidencial americana à aprovação do Brexit
no Reino Unido, passando pelas vitórias de Romeu Zema no governo de Minas
Gerais ou Wilson Witzel no Rio. No primeiro turno das eleições presidenciais de
2014, Marina Silva aparecia emparelhada com Aécio Neves. Na abertura das urnas,
viu-se que o tucano tinha mais de dez pontos de vantagem.
Erros desse tipo nas pesquisas já deram até
origem a piadas: “Hoje é 15 de outubro e, considerando a margem de erro, Feliz
Natal”. É preciso entender, contudo, as causas dos erros e a natureza das
pesquisas antes de embarcar em soluções exóticas, como o “percentual de acerto”
sugerido por Margarete. Os motivos para a falta de mira vão de amostras
imprecisas da população a eleitores indecisos até o último momento. Em
institutos de má reputação, há suspeitas de fraudes.
A ideia de criar um “percentual de acerto”
não é ruim em si, embora o nome seja infeliz. Não é objetivo de nenhuma
pesquisa “acertar” o resultado das urnas, apenas fornecer um retrato fiel do
eleitorado num dado momento. Há métodos estatísticos confiáveis para avaliar a
qualidade das pesquisas, algo que o próprio mercado poderia se encarregar de
fazer. Se os critérios de avaliação ficarem claros, tudo o que aumentar o nível
de informação dos eleitores deve ser encorajado. O próprio histórico de erros
das pesquisas faz com que não sejam levadas em conta de forma cega. A deputada
Margarete Coelho diz que seu texto busca “trazer segurança ao processo
eleitoral”. Sem critérios coerentes, porém, serão apenas palavras soltas.
O que preocupa na indicação de André
Mendonça ao Supremo
O Globo
A indicação provável do advogado-geral da
União, André Mendonça, à vaga aberta com a aposentadoria do ministro Marco
Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) tem chamado a atenção pelo
motivo errado. Diz-se que, com a indicação, o presidente Jair Bolsonaro tentará
cumprir a promessa de pôr na Corte um nome “terrivelmente evangélico” (Mendonça
é pastor presbiteriano licenciado). Mas essa não é a característica mais
relevante dele, nem deveria despertar crítica.
Bolsonaro tem mandato para indicar quem quiser,
desde que respeite as regras da Constituição: idade entre 35 e 65 anos, notório
saber jurídico e reputação ilibada. Numa população com 30% de evangélicos, é
mesmo estranho não haver nenhum na instância mais alta do Judiciário. Se a
intenção fosse só melhorar a representatividade, não haveria problema. Diversas
posições de fundo religioso — em temas como aborto, drogas, casamento ou
educação —, mesmo que erradas, são dignas de representação nas instituições.
A ressalva a fazer está noutro aspecto. Na
Advocacia-Geral da União (AGU), a subserviência de Mendonça a Bolsonaro enseja
dúvidas legítimas sobre sua visão da democracia e de instituições como o
próprio Supremo.
Mendonça abusou do pedido de inquéritos com
base na Lei de Segurança Nacional (LSN) para cercear a liberdade de
jornalistas, cartunistas ou opositores de Bolsonaro. Em fevereiro, quando era
ministro da Justiça, defendeu, em desafio a tudo o que se sabe de segurança
pública, decretos que ampliavam o acesso às armas e à munição, sob a alegação
de que essa sempre fora a “bandeira política” do presidente.
Foi para a AGU no lugar de José Levi, que
se recusara a assinar uma ação descabida de Bolsonaro contra medidas de
governadores e prefeitos para deter o contágio pelo coronavírus. Mendonça assinou.
Depois defendeu no Supremo a liberação de cultos presenciais em plena pandemia,
sem disfarçar que tinha conhecimento do altíssimo risco de transmissão.
Mendonça tem, é certo, credenciais que o
aproximam do Supremo. É coautor de um livro com Alexandre de Moraes e não seria
o primeiro a usar a AGU como trampolim para o STF (também seguiram essa rota os
ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes). Não há como deixar de lamentar, porém,
sua presença reduzir ainda mais a proporção na Corte daqueles que fizeram carreira
como juízes (com a saída de Marco Aurélio, restariam apenas quatro dos 11: Rosa
Weber, Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux).
Se for mesmo indicado, o Senado deveria submetê-lo a uma sabatina séria, não à “aprovação automática” de praxe, para que ele tenha a oportunidade de esclarecer as dúvidas sobre suas convicções. O que tem a dizer a respeito da liberdade de expressão e da LSN? Qual sua opinião sobre as medidas de restrição na pandemia, acesso às armas ou voto impresso? Como agiria diante de um desafio de bolsonaristas a um resultado indesejável nas urnas? São essas as questões que devem preocupar o país se ele estiver no STF, não sua religião.
Um certo alento
O Estado de S. Paulo
Aqueda consistente do número de casos de
covid-19 no País e a desaceleração da transmissão viral estão diretamente
relacionadas com o avanço da vacinação da população.
Em meio à imensa dor causada pela morte de
mais de 525 mil brasileiros em decorrência da covid-19, dois fatos trazem algum
alívio e projetam um futuro mais auspicioso para a Nação. Nesta semana, o
Brasil registrou queda recorde na média de casos diários de covid-19. Na
terça-feira passada, foi notificada uma média de 48.954 casos da doença, o que
representa uma redução de 37% em relação ao registro feito nos 14 dias
anteriores. A notícia é alentadora, pois, além de se tratar de uma queda
recorde, coroa uma sequência de reduções nos registros que apontam para uma
queda consistente do número de casos da doença no País.
Esta excelente notícia veio acompanhada por
outra, igualmente alvissareira. Um novo relatório do Imperial College de
Londres, referência internacional no acompanhamento da transmissão da covid-19,
aponta que a taxa de transmissão (Rt) do coronavírus no Brasil está em 0,91 na
primeira semana de julho, ou seja, cada grupo de 100 infectados transmite a
doença para outras 91 pessoas. Uma Rt abaixo de 1,00 indica que a transmissão
do vírus está em desaceleração em dada localidade. Para efeito comparativo, na
primeira semana de junho a Rt era de 0,99. Na segunda, 1,07. Na terceira, 1,13.
Por fim, na última semana do mês passado estava em 0,98.
A queda consistente do número de casos e a
desaceleração da transmissão viral estão diretamente relacionadas com o avanço
da vacinação da população. Hoje, cerca de 78,5 milhões de brasileiros (37,06%
da população) já tomaram a primeira dose da vacina. Destes, 27,8 milhões
(13,13%) já estão totalmente imunizados, vale dizer, já tomaram as duas doses ou
a dose única, caso da vacina Janssen.
O Brasil não é um modelo para o mundo no
que concerne à vacinação contra a covid-19, como apregoa, ardilosamente, o
presidente Jair Bolsonaro. De acordo com a organização Our World In Data, o
Brasil está em quarto lugar no número de doses de vacinas aplicadas.
Mas, na avaliação que importa para efeito
de controle sanitário, o total de vacinados em cada grupo de 100 habitantes, o
Brasil está na 68.ª posição no ranking de países que mais vacinam seus
cidadãos. Um fiasco, sobretudo quando se leva em conta a experiência do País em
campanhas de vacinação bem-sucedidas.
Fato é que, aos trancos e barrancos, cada
vez mais brasileiros têm sido chamados para receber sua vacina. Como vimos,
isto tem reflexo direto na redução consistente do número de casos de covid-19
e, o mais importante, do número de mortes. A maioria dos Estados tem registrado
queda ou estabilidade no número de mortos. O problema é que a estabilização se
encontra, ainda, em patamar por demais elevado – cerca de 1,5 mil óbitos por
dia.
Isto só reforça a importância de o governo
federal empreender todos os esforços para garantir a importação de vacinas e de
insumos para produção local de imunizantes. E reforça também a premência de uma
atitude responsável de cada cidadão neste momento dramático.
São muitos os relatos de pessoas que
simplesmente se recusam a receber a vacina porque o fabricante do imunizante à
disposição no momento não é de seu agrado. Tantos são os casos de incivilidade
que há governos, estaduais e municipais, que chegam ao extremo de adotar
sanções, como passar os chamados “sommeliers” de vacina para o fim da fila.
Deixar de tomar a vacina por predileções
quanto ao fabricante é uma estupidez, do ponto de vista individual, e uma
demonstração de total descompromisso com o bem-estar da coletividade. As quatro
vacinas à disposição dos brasileiros são seguras e eficazes contra a covid-19 e
evitam mortes. Não se pode querer mais do que isto.
Quanto mais brasileiros estiverem vacinados, com qualquer uma das quatro vacinas, menos espaço haverá para a circulação do vírus. A questão é elementar. É isto, principalmente, que vai, em dia há muito ansiado por todos, dar fim a esta crise sem precedentes, e que tão caro tem nos custado.
Os horizontes da agropecuária
O Estado de S. Paulo
Na próxima década, algum progresso deve ser realizado em relação aos objetivos da ONU
A agricultura global tem o desafio de, a um
tempo, garantir a segurança alimentar e dietas saudáveis para uma população em
crescimento e reduzir as agressões ao meio ambiente. Na próxima década –
segundo as projeções do Panorama Agrícola 2021-30 da Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) –, algum progresso deve ser
realizado em relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 2030 da ONU.
Mas a pandemia afastou o sistema agrícola das metas e, sem esforços adicionais,
as emissões de gases de efeito estufa por parte da agricultura aumentarão e o
objetivo de Fome Zero não será atingido.
A demanda deve ser reconfigurada por
tendências demográficas, a substituição de carne vermelha por aves nos países
ricos e uma explosão do consumo no sul da Ásia.
Os desafios de erradicar a fome variam
conforme os países. O Panorama projeta para a década um crescimento de 4% na
disponibilidade de alimentos. Mas as dietas nos países de baixa renda –
especialmente na África – devem permanecer em grande parte inalteradas.
A intensidade do carbono na produção
agrícola deve declinar. Ainda assim, as emissões de gases de efeito estufa
devem crescer 4%. Esforços adicionais de produção sustentável, especialmente na
pecuária, serão indispensáveis. Em 2020, a demanda da China e as constrições ao
crescimento da produção levaram à alta das commodities. Mas ao longo dos anos
as melhorias na produtividade e a desaceleração da demanda devem levar a um
declínio nos preços. “Na próxima década, variações climáticas, pestes e doenças
animais e vegetais, mudanças nos preços dos insumos, desenvolvimentos macroeconômicos
e outras incertezas resultarão em variações sobre os preços projetados.”
Isso pode implicar uma pressão sobre a
renda de pequenos proprietários, incapazes de reduzir seus custos por meio do
aumento da produtividade. O Panorama enfatiza o papel crítico dos investimentos
públicos e privados em políticas que garantam o amplo acesso a insumos;
tecnologias que aumentem a produtividade; infraestrutura; e treinamento
agrícola.
O Panorama confirma as tendências de
crescimento para o Brasil. A demanda por alimentos deve crescer na próxima
década em linha com a produção pecuária, na taxa anual de 1,3%. Junto com China
e EUA, o País responderá por mais da metade do crescimento da produção de
milho, sendo o segundo maior exportador. Até 2030, o Brasil deve se tornar o
maior produtor de soja, respondendo por 50% das exportações globais. Boa parte
desses avanços será promovida por melhorias no sistema de plantação rotativa
entre o milho e a soja.
O Brasil deve manter sua posição como o
maior produtor de cana-de-açúcar, sobretudo porque o consumo de etanol
continuará a crescer. Mas a evolução dos setores globais de energia e
transporte pode ser um fator de incerteza que precisa ser monitorado. O foco
crescente em sustentabilidade das reformas em andamento (por exemplo, na União
Europeia), assim como novas políticas de biocombustível, também impactarão a
demanda por cereais.
A produção nacional de algodão é destacada
como um exemplo de boas práticas. A produtividade aumentou por causa da rotação
com grãos como soja e milho e a adoção de novas tecnologias. Cerca de 80% da
produção é certificada por selos de sustentabilidade, levando o Brasil à
liderança na produção sustentável de algodão.
Exemplos como esse são importantes porque, de um modo geral, o Panorama registra que, junto às incertezas fiscais – que podem gerar depreciação da moeda e distúrbios no equilíbrio comercial –, a maior ameaça ao crescimento da agricultura brasileira são as apreensões ambientais. Políticas públicas e iniciativas privadas para fomentar a agricultura intensiva, o uso de terras já desflorestadas e a rastreabilidade dos fornecedores serão cruciais para garantir tração à exportação brasileira. Isso também será crucial para que o País possa fechar acordos em andamento – como o Mercosul-união Europeia – e ampliar o acesso a novos mercados.
Rumo a novos recordes
O Estado de S. Paulo
Exportações, demanda interna e
produtividade impulsionam o agronegócio, mesmo num cenário de pandemia
O dinamismo da agropecuária brasileira, que
vem assegurando recordes sucessivos de produção de grãos, parece surpreender
até autoridades do setor. De acordo com as projeções de mais longo prazo do
agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, já na safra
de 2024/2025 a produção nacional de grãos deverá atingir 300 milhões de
toneladas, o que, de certo modo, antecipa previsões da ministra Tereza
Cristina, segundo as quais esse volume seria alcançado na safra 2027/2028.
Ganhos de produtividade, que se observam
pelo menos desde a década de 1990, continuarão a ser registrados nos próximos
dez anos, como mostra a projeção de crescimento da produção em velocidade maior
do que a da expansão da área cultivada. Talvez os ganhos ocorram em ritmo menos
intenso, mas suficiente para assegurar a presença do Brasil entre os maiores
produtores mundiais dos 30 itens agropecuários mais comercializados no mundo.
Se confirmadas as novas projeções, a safra
de grãos terá acréscimo de 71,6 milhões de toneladas em dez anos. O aumento
será de 27,1% no período, ou uma taxa média anual de crescimento de 2,4%. Isso
quer dizer que, ao longo do período, ainda que haja oscilações entre uma e
outra safra, novos recordes continuarão sendo superados.
A produção de carnes (bovina, suína e aves)
igualmente apresentará uma evolução expressiva no próximo decênio, com
crescimento de 24,1%, o que significa aumento de 6,6 milhões de toneladas. As
carnes de frango e de suínos deverão apresentar a maior expansão, de,
respectivamente, 27,7% e 25,6%. A produção de carne bovina deve crescer 17%. Os
técnicos do Ministério da Agricultura observam, porém, que o crescimento pode
ser maior do que o projetado hoje, pois há aumento na demanda por proteína
animal.
O impacto da pandemia na economia mundial
no ano passado alterou tendências que se observavam até então e ainda se mantém
em 2021, o que traz alguma incerteza para as projeções, como já havia observado
a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em
suas estimativas para a produção mundial (ver ao lado o editorial Os horizontes
da agropecuária).
O agronegócio brasileiro, mesmo nesse
cenário, continuou a apresentar resultados muito animadores, batendo novo
recorde de produção de grãos, e deve manter bom desempenho nos próximos anos.
Entre os fatores que continuarão a impulsionar o setor, o Ministério da
Agricultura cita o desempenho do mercado interno, cuja demanda de alimentos
deve se manter forte, junto com as exportações e os ganhos de produtividade.
Em 2030/2031, um terço da produção de soja
(33,7%) – principal item da pauta de exportações do agronegócio – deverá ser
destinado ao mercado interno, que deverá absorver 71,6% da produção de milho e
43,0% da de café.
Do lado externo, deverá haver forte pressão
do mercado de carne, especialmente bovina e suína. O Brasil deverá continuar
liderando o mercado internacional de frango. Embora o Brasil deva continuar
sendo grande exportador de carnes, o consumo interno terá grande peso no ritmo
de produção.
Nos próximos anos, o crescimento das
exportações de alguns produtos será notável. As de carne de frango deverão
crescer 28,7%; de carne bovina, 30,5%; e de carne suína, 33,8%. As vendas de
soja em grão, já expressivas, deverão aumentar 33,6%. Mas alguns produtos terão
desempenho ainda mais expressivo. As exportações de manga deverão crescer 54,5%
e as de suco de laranja não concentrado, 44,7%. Este último item substituirá as
exportações de suco de laranja concentrado, que, nas estimativas do governo,
deverão diminuir 37,3%.
Das regiões, as que deverão apresentar maior crescimento na produção de grãos são a Região Norte (35,0%) e a Centrooeste (33,3%). Crescimento expressivo deverá ser observado na região denominada Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que deverá produzir 36,0 milhões de toneladas daqui a dez anos, mais de 10% do total nacional. A produção do Sudeste deverá crescer 20,2% e a do Sul, 18,8%.
O trigo e o joio
Folha de S. Paulo
Senado deve votar logo texto que sepulta
Lei de Segurança Nacional, depurando-o
Está nas mãos do Senado Federal votar
celeremente o projeto
que extingue a famigerada Lei de Segurança Nacional (7.170/83). Última
peça importante do entulho autoritário, a LSN, que se imaginava que morreria de
morte morrida após o fim da ditadura, não apenas sobreviveu como está
vicejando.
No biênio 2019-20, a Polícia Federal abriu
77 inquéritos com base na lei, ante apenas 24 no biênio anterior. Boa parte do
excesso de trabalho para a PF advém de tentativas do governo de usar o diploma
para calar seus críticos.
Entretanto o próprio Supremo Tribunal
Federal também o empregou para prender o deputado bolsonarista Daniel Silveira
(PSL-RJ) e organizadores de manifestações antidemocráticas.
Esse estado de coisas só é possível porque a LSN abusa de tipos penais vagos e
carrega nas sanções.
Nem deveria ser necessário dizê-lo, mas uma
legislação que visa a garantir a segurança do Estado deveria limitar-se a punir
atos violentos praticados com o objetivo de abolir o Estado de Direito ou depor
pela força governos legalmente constituídos.
Para ser democrática, deveria ainda
assegurar que críticas a instituições e administrações circulem livremente. Em
teoria, elas podem até ferir de morte um governo, revelando o que se gostaria
de esconder, mas de fato fortalecem o sistema, ao ajudar a depurá-lo de maus
dirigentes e más práticas.
O projeto aprovado na Câmara dos Deputados
e agora submetido ao Senado até faz isso. O texto aposenta a lei autoritária e
abre no Código Penal um capítulo destinado a proteger a soberania e as
instituições nacionais de ações criminosas. É mais econômico e preciso na
definição de condutas ilícitas do que a peça anterior.
Parlamentares, porém, dificilmente resistem
à tentação de multiplicar regras, e a reforma da LSN não foi uma exceção. Os
deputados aproveitaram para introduzir uma seção que trata de crimes contra o
processo eleitoral, a fim de evitar a propagação dolosa de fake news.
Aqui, a inovação se vale de linguagem
genérica que dá ampla margem a interpretações. Num exemplo cristalino de má
técnica legislativa, um dos dispositivos prevê até cinco anos de prisão a quem
usar robôs e outros artifícios para difundir “fatos que sabem inverídicos”,
capazes de “comprometer o processo eleitoral”.
Normas assim vagas podem facilmente ser
usadas para restringir a liberdade de expressão. Como casa revisora, cabe ao
Senado livrar o projeto dessas impropriedades.
Espera-se que o Senado aprove o texto sem
grandes alterações e que o presidente Jair Bolsonaro aponha vetos. O risco,
claro, é que se vete o trigo e se sancione o joio.
Circo amazônico
Folha de S. Paulo
Planalto manieta Ibama e torra milhões com
espetáculo armado ineficaz na selva
Após dois anos de aumento na devastação da
Amazônia, novos recordes saltam das imagens de satélite. Em junho, início da
estação menos úmida, sensores detectaram na região o maior
número mensal de focos de queimada desde 2007.
Alertas de desmatamento também aumentam.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam 3.325 km² de
corte raso da mata no primeiro semestre. Isso equivale ao dobro da área do
município de São Paulo.
O governo de Jair Bolsonaro enfrenta a
questão com uma improdutiva divisão de esforços entre Forças Armadas e o
Ministério do Meio Ambiente. Enquanto o Ibama definha, ações espetaculares e
custosas nada resolvem.
O Planalto incumbiu o vice Hamilton Mourão
de encenar operosidade e destacou o ex-ministro Ricardo Salles para desmontar o
que funcionava. O general anunciou 3.000 militares na Operação Samaúma,
sucessora da Verde Brasil 2, e fixou meta de reduzir em 10% a 12% a devastação.
Mourão dá a entender que o desmate voltou
porque a intervenção amazônica terminou em abril, mas o recuo da derrubada é
normal naqueles meses de chuva. O governo só quer maquiar a imagem do Brasil
antes de nova reunião internacional sobre crise do clima, a COP-26 de Glasgow,
em novembro.
A Verde Brasil 2 custou cerca de meio
bilhão de reais em 2020/21. De janeiro a dezembro do ano passado, apesar dela,
desmataram-se mais de 8.000 km² na Amazônia, maior cifra em uma década.
Nem mesmo a defenestração de Salles e o
afastamento de Eduardo Bim da presidência do Ibama reverteram o desmanche da
agência. Hoje ela conta com menos de 50% dos analistas ambientais previstos,
sem perspectiva de preencher vagas abertas.
Em 2020, ainda sob Salles, o ministério
solicitou a realização de concurso para 970 postos vagos de analista ambiental
—o que nunca aconteceu. Com Joaquim Álvaro Pereira Leite na pasta, a
solicitação encolheu para 104 analistas.
A reivindicação abrange também outros
cargos, como analistas e técnicos administrativos. Somando todos, o pedido do
ano passado implicaria despesa adicional de R$ 136 milhões em 2022; com o
encolhimento, R$ 26 milhões.
Proibir queimadas por 120 dias e encher a selva de helicópteros com soldados sem capacitação mostra bem o que Bolsonaro pretende lograr na Amazônia: nada.
Ambiente desfavorável para concessões de
infraestrutura
Valor Econômico
A elevação da temperatura política e a
antecipação da disputa eleitoral certamente não ajudam
Está marcado para hoje, na B3, o leilão de
concessão de pouco mais de mil quilômetros da BR 163/230, rodovia entre Sinop
(MT) e Miritituba (PA), por onde são transportados grãos produzidos no
Centro-Oeste para portos da região Norte do país, o chamado Arco Norte. A
rodovia ajudou a agilizar e baratear a exportação de commodities agrícolas, que
antes tinham que atravessar meio país até os terminais portuários sempre
congestionados do Sul e do Sudeste. Brasília espera conseguir R$ 1,8 bilhão em
investimentos com a concessão por dez anos.
O leilão marca o início do ambicioso plano
do Ministério da Infraestrutura de realizar uma série de concessões e obras
públicas neste segundo semestre e chegar ao fim do ano com 100 obras entregues
e R$ 100 bilhões em investimentos contratados desde 2019. Entre os projetos
mais significativos estão a primeira desestatização portuária da história, a da
Codesa, que administra o Porto de Vitória, com investimentos previstos de cerca
de R$ 1 bilhão. Se bem-sucedida, a experiência será replicada em outras
companhias docas do país, como a que administra o porto de Santos. Outra
concessão importante programada é do Ferrogrão, ferrovia de pouco mais de 900
km, que também interliga Sinop e Miritituba.
A renovação da concessão da Via Dutra, que
vai inaugurar o sistema de pedágio com cobrança automática em um trecho de 12
quilômetros, e implicará em investimentos de R$ 30 bilhões ao longo do período,
deve ocorrer até o 1º trimestre de 2022. Mais no fim da fila também estão
aeroportos importantes como o de Congonhas (SP).
Até agora, os investimentos em
infraestrutura do governo Bolsonaro estão bem aquém do sinalizado e não se pode
dizer que foi apenas a pandemia que atrapalhou as promessas. Antes da posse, a
equipe econômica de Bolsonaro expôs a meta de mais do que dobrar os
investimentos anuais em infraestrutura, em comparação com o patamar herdado da
gestão de Michel Temer, elevando os investimentos anuais em infraestrutura para
a marca de R$ 250 bilhões em 2022.
Até a metade do mandato de Bolsonaro,
entretanto, os investimentos andaram de lado e ficaram praticamente no mesmo
nível de antes. Balanço do primeiro semestre feito pelo Ministério da
Infraestrutura contabilizou R$ 30 bilhões em investimentos garantidos. O ponto
alto foi em abril, quando ocorreu a Infra Week.
Realizada no auge da segunda onda da
pandemia, a Infra Week chegou a ser desacreditada por membros do próprio
governo, mas acabou tendo um resultado positivo. Foram leiloados 22 aeroportos,
uma ferrovia e cinco terminais portuários, resultando em quase R$ 18 bilhões em
investimentos contratados. No total, até agora, 70 ativos públicos foram
leiloados, com cerca de R$ 80 bilhões captados. No primeiro semestre, foram
entregues obras em rodovias, ferrovias, aeroportos, portos e hidrovias.
Apesar de tudo, o governo está longe da
meta prometida e em posição desvantajosa no ranking mundial. A própria Infra
Week, apesar de bem-sucedida levando-se em conta o momento da sua realização,
teve duas ausências notáveis (Valor 9/4).
De um lado a dos fundos internacionais, desconfiados das posições do governo em
relação a questões sensíveis como ambiente e governança. De outro, a do capital
chinês, já significativo na infraestrutura brasileira, especialmente a
elétrica, mas agora desconfortável com a posição hostil do Palácio do Planalto.
Levantamento da Inter.B Consultoria
calculou que os investimentos públicos e privados na área de infraestrutura
atingiram R$ 115,2 bilhões no ano passado, incluindo os direcionados para
transportes, energia elétrica, telecomunicações e saneamento. O valor é
equivalente a 1,55% do Produto Interno Bruto (PIB) e inferior ao aplicado em
2019 (R$ 118 bilhões) e em 2018 (R$ 117,6 bilhões), quase igualando o de 2017
(R$ 114,7 bilhões). Em relação ao PIB, é o sexto ano seguido de queda. Em 2014,
o investimento em infraestrutura era equivalente a 2,33% do PIB.
Diante da penúria de recursos públicos, é preciso atrair o capital privado. Mas isso não acontece apenas com a oferta de boas oportunidades. É preciso também contar com segurança jurídica, confiança na independência dos órgãos reguladores, marcos legais atualizados, mecanismos de financiamentos azeitados e ambiente político-institucional favorável. O Brasil falha em diversos desses pontos. A elevação da temperatura política e a antecipação da disputa eleitoral certamente não ajudam.
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