quinta-feira, 8 de julho de 2021

Cristiano Romero - O “pacotaço” do IR e a eleição de 2022

Valor Econômico

Mudanças do IR podem ajudar a fortalecer JB em 2022

No sábado passado, durante almoço com empresários em São Paulo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma confissão. "Eu pedi uma coisa e fui enganado", disse Guedes, referindo-se ao pacote de mudanças das regras do Imposto de Renda, tanto das empresas (IRPJ) quanto dos cidadãos (IRPF), formulado por técnicos da Receita Federal e encaminhado ao Congresso Nacional há menos de duas semanas.

O desabafo foi uma tentativa de resposta às queixas generalizadas dos participantes do convescote, preocupados com a sanha arrecadadora do Fisco numa economia que não sabe o que é crescimento há sete anos e que, no ano corrente, esboça uma reação. Guedes contou que pediu à Receita propostas para tributar os dividendos percebidos por acionistas de empresas, atualmente isentos do pagamento de Imposto de Renda, e também para aumentar a taxação dos chamados "rentistas", pessoas que vivem de rendimento de aplicações financeiras e de cobrança de aluguel de imóvel, por exemplo.

Aos empresários, o ministro da Economia justificou as mudanças pretendidas na legislação do IR para levantar recursos a serem destinados à ampliação do programa Bolsa Família. Críticos veem na ideia um viés político claro, uma vez que, em 2022, o presidente Jair Bolsonaro disputará a reeleição.

Com sua popularidade caindo a cada pesquisa de opinião, Bolsonaro precisará de boas notícias nos próximos meses.

A esquerda, como é de costume na Ilha de Vera Cruz, trava neste momento luta fratricida para ver quem consegue chegar vivo ao pleito do ano que vem; paralelamente a isso, sociais-democratas enxergam o que ninguém vê adiante, isto é, o lançamento de um candidato competitivo da chamada "Terceira Via", uma alternativa a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a Bolsonaro, que, segundo as pesquisas deste momento, disputarão o 2º turno da eleição em 2022.

A questão é saber de onde virão os votos para o candidato da "Terceira Via". Bolsonaro tem cerca de 20% de eleitores cativos. São brasileiros identificados não necessariamente com o ideário tradicional da direita. Eles se veem mesmo é na figura do presidente, em seus arroubos autoritários contra a imprensa, os direitos das minorias e outros pilares de um país regido, pelo menos no papel, por um Estado democrático de direito.

Assim como seu líder, esses eleitores não acreditam no liberalismo econômico tanto quanto os próceres da esquerda mais acrônica, defensora de privilégios das corporações do funcionalismo e de estatais cuja a existência só se justifica por três razões: servir aos interesses de grupos específicos do setor privado, assegurar privilégios insondáveis a uma casta de trabalhadores _ em detrimento da maioria que trabalha no setor privado _ e funcionar como cabide de emprego para os partidos políticos que estão no poder.

Se um dia Bolsonaro e Dilma Rousseff entrassem num chat da internet com pseudônimos, não tenham dúvida, a prosa renderia até uma amizade porque a convergência de ideias nesses temas pulula.

Lula tem, possivelmente, mais de 20% de eleitores que, faça sol ou faça chuva, votarão nele para presidente no próximo ano. Ninguém chegou à Presidência da República, desde o retorno da eleição direta, em 1989, com os votos apenas de seus eleitores cativos. Isto significa dizer que, para chegar ao Palácio do Planalto, qualquer candidato tem que, primeiro, contar com o entusiasmo de seus eleitores cativos e, além disso, convencer uma parcela significativa de eleitores de que, naquele momento, ele é o sujeito certo para melhorar sua vida.

Portanto, os eleitores “móveis”, a parcela significativa mencionada anteriormente, elegeu Fernando Collor de Mello em 1989, Lula em 2002 e 2006, Dilma em 2010 e 2014 e Bolsonaro, em 2018. O caso de Fernando Henrique Cardoso é um pouco diferente porque ele venceu o pleito, em 1994 e 1998, no 1º turno. Pai do Plano Real, que finalmente pôs fim a três décadas de inflação crônica no país, FHC não deu chance a seu principal oponente nas duas eleições, Lula, de ameaçar sua vitória. Mas, decompondo-se os eleitores, chega-se à mesma conclusão - eleitores cativos (que votam na social-democracia e contra o PT) e votos “móveis” (de quem está satisfeito com o candidato, no caso, por causa do fim da inflação), formando maioria contra os eleitores cativos de Lula e da esquerda.

Diante desse quadro, indague-se: de onde virão os votos de um candidato das “Terceira Via” se os que estão aí não possuem eleitores cativos nem um força-motriz como o Plano Real? Os eleitores “móveis”, lembremo-nos, são pragmáticos como o peixe-rêmora, aquele que, preso ao ventre de grandes tubarões por meio de ventosas, se alimenta dos restos de refeição desses predadores, sem incomodá-los e também sem serem incomodados - eles votaram em Dilma porque Lula, bem avaliado pela maioria da população, assim pediu; na eleição seguinte, enfurecida com o fato de Dilma ter mudado a política econômica de Lula que a elegeu, parte desses eleitores correu para tentar eleger o principal oponente da então presidente; no segundo mandato, ela repetiu os erros do primeiro e foi deposta por ex-aliados antes de completar um ano e meio de gestão; em 2018, os eleitores móveis, pragmáticos, disseram não ao PT e ao PSDB (por não fazer oposição ao PT) e fizeram o indizível: eleger Jair Bolsonaro, o primeiro radical de direita chegar ao poder.

No discurso, esquerda e sociais-democratas asseveram o interesse em combater o "mal maior" _ impedir a reeleição do atual presidente. Em entrevista recente ao Valo r, o ex-presidente FHC mandou um recado às elites e a seus pares de social-democracia: não há candidato de “Terceira Via” com condições de apear Bolsonaro do poder.

Se Paulo Guedes passar as mudanças do IR no Congresso, Bolsonaro distribuirá uma dinheirama no Nordeste, onde estão os principais beneficiários do Bolsa Família. Some-se a isso à seguinte lista de prováveis boas notícias que podem ajudar o presidente a crescer nas pesquisas: até outubro de 2022, todos os brasileiros estarão vacinados, a economia estará rodando a 6% neste ano e a mais de 3% no ano que vem, o desemprego cederá etc. Subestimar Bolsonaro tem sido um erro recorrente dos políticos tradicionais do país.

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