quinta-feira, 8 de julho de 2021

Eliane Cantanhêde - Enfim, uma prisão, mas logo de um peixe miúdo

O Estado de S. Paulo

Estava escrito nas estrelas que, mais dia, menos dia, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), iria mandar prender um depoente mentiroso. O que não se sabia, nem se esperava, era que ele fosse passar a mão na cabeça dos peixes graúdos e dar voz de prisão para um miúdo, Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde.

Motivos não faltaram, já que Dias insistiu horas a fio num conto da carochinha, dizendo que o jantar num shopping de Brasília com um militar, um empresário e um atravessador que oferecia 400 milhões de doses de vacinas, teria sido por “pura coincidência”. Nesse jantar, ele, Dias, teria falado em propina de US$ 1 por dose. Só um ou outro senador governista acreditou, ou fingiu acreditar, na versão da “coincidência”. Mas que ele é peixe miúdo, diante de tantos outros, lá isso é.

Deixando de lado o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, o ex-ministro e general da ativa Eduardo Pazuello e o ex-secretário executivo do ministério coronel da reserva Élcio Franco – que, na opinião da cúpula da CPI, mentiram descaradamente – foram poupados por Aziz e ainda ganharam cargos lustrosos no Palácio do Planalto, a metros do gabinete presidencial. Pazuello até sonha em enveredar por uma carreira política.

Já o civil Roberto Dias, ligado ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-pr), foi punido duplamente, pelo Legislativo, via CPI, que mandou prendê-lo, e pelo Executivo, que determinou sua demissão do cargo na Saúde. A prisão e a demissão, porém, deixam sérias dúvidas: Dias é o corrupto-mor do ministério? Agia sozinho ou participava de um esquemão? Foi perseguido ou não por uma disputa interna entre o grupo militar e o grupo político da Saúde?

Ninguém é santo e ninguém está contando toda a verdade nessa história toda de desprezo das boas vacinas (Pfizer, Coronavac e as do consórcio internacional Covax Facility) e principalmente de interesse voraz por ofertas, empresas, atravessadores e vacinas para lá de suspeitas. E a CPI conta com a possibilidade de, em algum momento, sob intensa pressão, um deles finalmente abrir a boca. A expectativa é de que esse um seja Roberto Dias.

Como detalhe mais do que só curioso: os senadores governistas, como o líder Fernando Bezerra (MDB-PE) e o senador Marco Rogério (DEM-RO), não deixaram claro se estavam se esforçando para defender o governo ou Roberto Dias, o funcionário que quase foi demitido em outubro de 2020 e acabou defenestrado pelo próprio governo. E sob suspeita de corrupção.

 

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