Correio Braziliense
O ministro da Defesa, Braga
Netto, e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica divulgaram nota
com duras críticas à atuação da CPI da Covid
“Ave Caesar, morituri te salutant” (“Salve
Cezar, os que vão morrer te saúdam”), o brado célebre dos gladiadores romanos
ao serem lançados aos leões parece ser a linha de atuação das testemunhas
ligadas ao Ministério da Saúde durante os depoimentos na CPI da Covid do
Senado. Mente-se muito nas oitivas. Ontem, o presidente da comissão de
inquérito, senador Omar Aziz (PSD-AM), resolveu dar um basta à estratégia do
Palácio do Planalto para frustrar os trabalhos do colegiado e erguer um muro de
contenção às investigações, de modo que não cheguem ao ex-ministro da Saúde
Eduardo Pazuello, um general de divisão da ativa, e ao presidente da República.
Na tentativa de intimidar a comissão, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica divulgaram uma nota com duras críticas à atuação da CPI, atribuindo a Aziz ataques às Forças Armadas que não foram feitos. É tentativa de blindagem dos militares da reserva e da ativa que atuaram e ainda atuam no Ministério da Saúde, cujos erros no combate à pandemia e eventuais desvios de conduta estão sendo desnudados pela comissão, inclusive nos casos suspeitos de compra de vacinas superfaturadas, razão das críticas do presidente da CPI.
A nota foi divulgada após Aziz dar voz de
prisão ao ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira
Dias, quando prestava depoimento ao colegiado, porque mentiu aos senadores e
cometeu perjúrio: “Não aceito que a CPI vire chacota. Nós temos 527 mil mortos.
E os caras brincando de negociar vacina. (…) Ele está preso por mentir, por
perjúrio. (…) E todo depoente que estiver aqui que achar que pode brincar, vai
ter o mesmo destino dele”, disse. Essa é uma prerrogativa constitucional da CPI,
mas trata-se de um crime afiançável, pelo qual Dias poderá responder em
liberdade. O ex-diretor de Logística do ministério fora convocado a dar
explicações sobre as acusações de ter pedido propina de US$ 1 por dose, em
negociações para aquisição de vacinas e ter pressionado um servidor do
ministério a agilizar a aquisição irregular da Covaxin, vacina produzida na
Índia. Dias nega as duas acusações.
A estratégia adotada pelo governo na CPI é
a mesma que os militares utilizam em tempos de guerra: contrainformação. Numa
comissão de inquérito, mentir é muito perigoso. “Nenhum mentiroso tem uma
memória suficientemente boa para ser um mentiroso de êxito”, dizia o
ex-presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln. Além disso, a mentira precisa
de cúmplices, o que gera conflitos de informações e contradições entre
depoimentos de testemunhas e investigados. Por isso, o ex-secretário-executivo
do Ministério, Élcio Franco, hoje lotado no Palácio do Planalto, deverá ser
convocado para novo depoimento. Coronel da reserva do Exército, Elcio ocupou o
cargo na gestão de Pazuello, de junho de 2020 a março de 2021, sendo o
responsável pelas negociações com fabricantes para a compra de vacinas contra a
covid-19. Desde quando destratou um garçom de seu gabinete, logo após assumir o
cargo, o militar se destacou pela arrogância. Nas entrevistas, exibia na lapela
um broche com uma faca ensanguentada, símbolo das forças de operações especiais
do Exército.
Gravações
Roberto Dias deixou a impressão de que
mentia na CPI para proteger Élcio, que acabou incriminando, e outros militares
envolvidos na compra de vacinas. Sua prisão ocorreu após a senadora Eliziane
Gama (Cidadania-MA) mencionar os áudios extraídos do celular do cabo da Polícia
Militar mineira Luiz Paulo Dominguetti Pereira, vendedor autônomo da Davati
Medical Supply, que desmentiam o depoimento do ex-diretor de Logística. O teor
das gravações dá a entender que Dominguetti havia conversado com Dias antes do
encontro de ambos, em 25 de fevereiro, no restaurante Vasto, no Brasília
Shopping. A mensagem contradiz a versão do ex- diretor do ministério, de que
havia marcado um chope com um amigo, José Ricardo Santana, e o coronel Marcelo
Blanco teria aparecido espontaneamente, acompanhado de Dominguetti.
O jornal Folha de S.Paulo publicou uma
entrevista na qual Dominguetti, suposto representante da empresa
norte-americana Davati Medical Supply, afirmou que Dias pediu o acréscimo de
US$ 1 por cada dose de vacina da AstraZeneca. O total de doses prometidas pela
Davati alcançaria 400 milhões. Seriam, portanto, US$ 400 milhões em propina
pela autorização do negócio. No mesmo dia, Dias foi demitido do cargo, para o
qual teria sido nomeado por indicação do deputado Ricardo Barros
(Progressistas-PR), líder do governo na Câmara. Ex-ministro da Saúde, ele está
envolvido na tentativa de compra superfaturada da vacina indiana Covaxin,
segundo denúncia do deputado Luiz Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luiz Ricardo
Miranda, funcionário de carreira do ministério.
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