O Estado de S. Paulo
A difícil situação político-eleitoral de
Bolsonaro aumenta seu desequilíbrio
Vamos considerar que o presidente da
República viva acometido de assombrações, que o levam ao Twitter publicar
suposições. Uma delas é a de que brasileiros a serviço do comunismo cubano
dispõem de material comprometedor contra ministros do STF. Registros de surubas
com crianças e traficantes, usados para chantagear integrantes da Suprema
Corte.
É o que explica, segundo as suposições do presidente, que ministros do STF tenham tornado Lula elegível, atacado a família do presidente, apoiado medidas “socialistas” que cerceiam a liberdade de ir e vir, quebrado sigilo de gente honesta acossada por vagabundos na CPI no Senado, protegido governadores que fomentam desemprego para derrubar o governo e se articulado para garantir que urnas eletrônicas fraudáveis permaneçam em uso.
Ao publicar em redes sociais assombrações que o consomem, o presidente reforçou em integrantes do Supremo a convicção de que está perigosamente desequilibrado. O que torna cálculos e previsões políticas muito difíceis, pois estão à mercê de um possível desatino: e se as assombrações o fizerem correr não para o Twitter, mas para alguma ação destrambelhada?
“Nós tratamos de erguer mais alto ainda a cerca elétrica em volta dele”, disse um dos integrantes do STF. O “nós” é o grupo de ministros que levou adiante uma elaborada articulação para bloquear a tramitação de matéria legislativa que permita a introdução do voto impresso. De acordo com as assombrações com as quais opera suas decisões políticas, Bolsonaro já pode declarar as próximas eleições como fraudadas. O voto impresso dificilmente vai passar e, portanto – nas assombrações bolsonaristas – as eleições não serão limpas.
Diante desse “fato”, Bolsonaro pretende
agir de que maneira? O STF é seu alvo preferencial e aí está desenhada
claramente a possibilidade de uma ruptura institucional. Há dois motivos que
fazem o presidente se sentir seguro em relação aos ataques que faz ao
Judiciário como poder e a alguns dos ministros do Supremo. O primeiro é que o
Supremo vem aumentando e não diminuindo o ativismo judicial – há uma forte
discussão sobre o que veio primeiro, o fracasso da política ou o ativismo dos
togados, mas o resultado final é o mesmo. Nada anda sem o STF, tudo passa por
lá.
O segundo motivo é o fato de que as
decisões dos juízes impactam sobre todos os aspectos da vida nacional, não só
as eleições, e algumas delas atentam contra o senso comum – especialmente
quando se trata de combate à corrupção. Mudar o STF por dentro com a indicação
de dois ministros (e talvez três, dependendo da aposentadoria precoce de mais
um deles) é o tipo de “marcha através” das instituições que demanda paciência,
cálculo e muita costura. São características que não combinam com Bolsonaro.
Bolsonaro não tem um plano de governo, vive
de impulsos e tudo subordinado à reeleição, mas seus adversários no Supremo
também não, além de bloquear o que pareça perigo concreto imediato (como o voto
impresso). Estão convencidos de que o capitão reformado nunca vai mudar, e que
seu evidente desequilíbrio só vai se acentuar. Mas acham que só Bolsonaro
derruba Bolsonaro no momento: o Centrão capturou o centro do poder (via
alocação de recursos), e uma denúncia por parte do PGR é uma possibilidade mas
não – no momento – uma forte probabilidade.
Um processo de impeachment está no aguardo
do “tipping point”, quando uma balança se inclina fortemente para um lado, mas
não parece imediato. Esse tenso equilíbrio de espera talvez só seja rompido
pelo “monstro”, o humor de vastas camadas da população, o sentimento e as
emoções que crises profundas moldam, de maneira às vezes imperceptível, até um
súbito desfecho. O presente derretimento eleitoral de Bolsonaro e sua forma de
governar parecem indicar exatamente isso: uma situação dificílima de ser
revertida (do ponto de vista do presidente), mesmo com dinheiro para gastar em
auxílios emergenciais e programas sociais.
É o que provavelmente provoca e alimenta as
assombrações.
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