EDITORIAIS
Forças Armadas devem deixar a CPI trabalhar
O Globo
É inegável que a CPI da Covid, que começou
sufocada por fortes resistências do Planalto, assumiu em pouco tempo um
protagonismo na cena política que aumentou a pressão sobre o presidente Jair
Bolsonaro. Natural, portanto, que tudo o que ali se passa ganhe repercussão, às
vezes até exagerada. Na sessão de quarta-feira, que culminou com a prisão de
Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da
Saúde, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), fez críticas ao
envolvimento de militares em escândalos no Ministério da Saúde. Houve reação
imediata das Forças Armadas.
Aziz saiu da linha ao fazer um comentário
pouco cuidadoso sobre fatos ainda sob investigação. O senador disse que fazia
muito tempo “que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas
envolvidos com falcatruas dentro do governo”. Até o momento, contudo, não há
nenhuma denúncia comprovada contra quem quer que seja, civil ou militar. O
próprio Aziz parece ter reconhecido que se excedera, ao dizer depois que as
declarações eram “pontuais e não generalizadas”.
Na própria quarta-feira, o Ministério da Defesa divulgou nota afirmando que a declaração “atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e sobretudo irresponsável”. É sintomático que a nota tenha sido publicada primeiro pelo presidente Jair Bolsonaro numa rede social, antes de ser divulgada oficialmente. Seja como for, as Forças Armadas deveriam deixar a CPI fazer seu trabalho em paz, dentro das prerrogativas da Constituição. Imagina-se que estejam interessadas, como qualquer brasileiro, em esclarecer as suspeitas sobre negociações nebulosas no Ministério da Saúde, onde trabalharam, e ainda trabalham, muitos militares do Exército.
A CPI, de seu lado, precisa abrir mão de
atitudes midiáticas e conclusões precipitadas para se concentrar nas
investigações. A prisão de Dias, que ganhou as manchetes dos jornais ao fim de
um depoimento inócuo, foi um exagero. Se o argumento para prendê-lo é que
mentiu à comissão, ele não foi o único. O ex-secretário de Comunicação Fabio
Wajngarten, o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-ministro Eduardo Pazuello
testaram ao máximo a tolerância dos senadores. Se a intenção era pressionar
Dias a apresentar um dossiê sobre falcatruas nos altos escalões do ministério,
a decisão é ainda mais patética. Ele fora acusado pelo PM Luiz Paulo
Dominguetti de cobrar propina numa negociação para compra de 400 milhões de
doses da AstraZeneca. Seu depoimento teve efeito praticamente nulo, e a prisão
não mudou em nada o que sabemos.
A CPI da Covid, importantíssima para que se
esclareçam erros e omissões do governo que contribuíram para a morte de mais de
530 mil brasileiros, precisa corrigir seu rumo. Depoimentos são relevantes, mas
não constituem o único caminho de investigação. A comissão tem poder para
requisitar documentos, contratos e pedir quebra de sigilo, como vem fazendo de
forma meio aleatória. Há indícios de que negociações subterrâneas se
desenrolavam no Ministério da Saúde enquanto brasileiros morriam. É improvável,
a não ser em delações premiadas, que os mercadores da morte revelem suas
tratativas espúrias. Mas é plenamente possível investigá-las para chegar aos
autores. A Operação Lava-Jato é a maior prova disso.
Discussão sobre imposto global mistura
esperança e ceticismo
O Globo
Ministros da economia e presidentes de
bancos centrais do G20, grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo,
debatem hoje e amanhã em Veneza (ou remotamente) temas como revolução digital,
produtividade e ajuda aos países mais pobres em tempos de pandemia. Um dos
assuntos mais relevantes é o acordo que prevê a criação de um imposto mínimo
global para empresas multinacionais. Entre os principais alvos estão as
gigantes do setor de tecnologia, como Apple, Google e Facebook.
O objetivo dessa espécie de reforma
tributária global, proposta pelos americanos, é bloquear o caminho usado por
multinacionais para tentar pagar menos impostos, a proverbial “engenharia
tributária”. Com isso, espera-se que as grandes empresas mantenham menos
operações fora de seus países de origem e tragam de volta os empregos que foram
embora com a globalização. Outro benefício seria coibir o uso dos paraísos
fiscais e dar mais transparência aos investimentos globais. Essa é a teoria.
Na prática, a iniciativa partiu dos países
mais ricos, o G7. Aquilo que parecia impensável poucos anos atrás aconteceu em
junho: eles selaram um acordo sobre o local de tributação de lucros. Deixaria
de ser onde as empresas têm sede — muitas vezes paraísos fiscais ou países com
alíquotas baixas — e passaria para o local de venda. Na eventualidade de uma
multinacional continuar desviando parte dos lucros para pagar menos impostos,
seu país de origem poderá cobrar a diferença até alcançar um patamar mínimo de
15% (seria um piso global para os impostos sobre o lucro, hoje de 34% no
Brasil). No início do mês, 130 países — entre eles, Brasil, China, Índia e
Rússia — assinaram um acordo preliminar similar.
A expectativa é que as negociações sejam
finalizadas até o final do ano e que as regras sejam aplicadas a partir de
2023. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Pascal Saint-Amans, diretor do
Centro para Política Fiscal e Administração da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse que o Brasil poderá arrecadar entre US$
2 bilhões e US$ 3 bilhões a mais por ano.
Mas será que um acordo tributário global
dessa natureza tem mesmo chance de prosperar? Uma sondagem da Universidade de
Chicago ouviu 75 dos maiores economistas do mundo sobre a medida, entre eles o
Nobel Angus Deaton, da Universidade de Princeton, Daron Acemoglu e David Autor,
do MIT, Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, o brasileiro José
Scheinkman, de Columbia, e Olivier Blanchard, ex-FMI atualmente no Peterson
Institute. Para 94%, a criação de um piso global para o imposto seria eficaz
para limitar os benefícios de buscar países com alíquotas menores. A maioria
também diz que a medida é factível.
Porém 25% dos europeus e 45% dos americanos têm dúvidas ou acham que não dará certo. Kenneth Judd, da Universidade Stanford, resume a preocupação central sobre o imposto global: “Espero que possa ser alcançado, mas é sempre preciso manter o ceticismo sobre a capacidade de os processos políticos resultarem em decisões racionais”.
Não é só negacionismo
O Estado de S. Paulo
É equívoco pensar que a questão das vacinas
envolve apenas funcionários de terceiro escalão. Jair Bolsonaro sempre se
mostrou próximo e atento à questão.
Odepoimento de Roberto Ferreira Dias,
ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, à CPI da Covid
teve uma série de incongruências, que levaram o presidente da comissão, senador
Omar Aziz (PSD-AM), a decretar a sua prisão sob a acusação de crime de
perjúrio. Horas depois, mediante pagamento de fiança, Roberto Ferreira Dias foi
solto.
A sessão de quarta-feira passada foi
marcada por informações contraditórias e inverossímeis. A história que Roberto
Ferreira Dias contou a respeito do encontro, num shopping de Brasília, com o
policial militar Luiz Paulo Dominghetti – que o acusou de pedir propina de US$
1 por dose de vacina – fere a lógica e o bom senso. O exercício de cargo
público deve envolver um mínimo de seriedade na prestação de contas à
sociedade.
Mas, apesar de atribulada, a sessão do dia
7 foi muito proveitosa, trazendo informações valiosas sobre o objeto central de
investigação da comissão. Trata-se de entender como o Executivo federal foi
capaz de dar uma resposta tão equivocada, atrasada e omissa a tema tão grave e
urgente, que afetou e continua a afetar a vida de todos os brasileiros.
Na sessão da CPI de quarta-feira passada,
dois temas adquiriram especial materialidade. Em primeiro lugar, a cada
revelação sobre o modus operandi do governo Bolsonaro, tem-se a impressão de
que existe, na pasta da Saúde, uma espécie de briga entre quadrilhas. Há ainda
muito a ser investigado, mas o que veio a público até agora em nada se
assemelha ao que deve ser o funcionamento da administração pública,
especialmente no meio de uma pandemia, com recursos escassos e urgentes
necessidades.
Esse modus operandi, envolvendo acusações
mútuas e até relatos de dossiês secretos, é especialmente escandaloso diante da
constante afirmação de Jair Bolsonaro de que a corrupção na esfera federal
seria coisa do passado. Com o que a CPI da Covid tem revelado, a jura de
probidade ganha ares não apenas de engodo, mas de tática para intimidar os
órgãos de controle.
O segundo tema sobre o qual a sessão da
comissão de quarta-feira passada jogou luzes envolve diretamente o item mais
decisivo para a saúde dos brasileiros e para a economia do País neste momento:
as vacinas contra covid.
Antes da CPI, já era evidente que o governo
Bolsonaro retardou a compra de vacinas. Mas, até então, os motivos desse atraso
não eram muito conhecidos. Atribuía-se tanto ao negacionismo bolsonarista, que
chamava de gripezinha a doença que matou mais de meio milhão de brasileiros,
como à rivalidade política do Palácio do Planalto com o governador de São
Paulo. Jair Bolsonaro parecia preferir privar os brasileiros da vacina
produzida pelo Instituto Butantan a reconhecer os méritos de João Doria no
combate à pandemia.
Agora, esses dois motivos não perderam
validade, mas ganharam uma dimensão um tanto secundária. Não é que o governo
Bolsonaro não quisesse simplesmente comprar vacina. A CPI da Covid tem mostrado
intensas negociações de vacinas.
A questão é, portanto, de outra ordem. Os
elementos trazidos até agora revelam que o governo Bolsonaro nutriu especial
preferência por algumas vacinas não em razão de sua eficácia – basta ver o
tratamento dado aos e-mails da Pfizer –, mas pelo modo como elas eram
negociadas. Aqui também há ainda muito a ser investigado, mas os indícios
mostram especial presteza em negócios sobre vacinas com potencial de propina.
Os intermediários do governo Bolsonaro demoraram para responder à farmacêutica
americana, mas não tiveram empecilhos para conversar sobre compra de vacinas
com terceiros num shopping de Brasília, fora do horário de expediente.
É um equívoco pensar que a sessão da CPI de
quarta-feira passada envolve apenas funcionários de terceiro escalão. Jair
Bolsonaro sempre se mostrou próximo e atento à questão das vacinas, dando-se ao
trabalho, por exemplo, de explicar em suas redes sociais quais vacinas o
governo federal nunca compraria. A CPI da Covid tem ainda muito a elucidar. O
trabalho está apenas começando.
Inflação ainda assombra
O Estado de S. Paulo
Preços subiram menos em junho, mas ainda assustam as famílias e desafiam o Copom
Apesar do recuo, a inflação continuou
acelerada em junho, atormentando as famílias e mantendo um duro desafio para o
Banco Central (BC), principal defensor do poder de compra do dinheiro. Com alta
de 0,53% no mês passado, o IPCA, o mais importante sinalizador da evolução dos
preços, acumulou aumento de 3,77% no ano e de 8,35% em 12 meses, superando com
folga a onda inflacionária mundial. Em maio a subida havia sido bem maior
(0,83%), mas seria muito otimismo falar em trégua. Os dados são do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), produzido pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Diante dos preços em disparada, os
dirigentes do BC terão, de novo, um duro problema para resolver na próxima
reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em agosto. Deverão decidir,
mais uma vez, se apertam mais fortemente a política anti-inflacionária ou se
continuam ajustando suavemente os juros básicos. Se a moderação prevalecer,
haverá mais um aumento de 0,75 ponto porcentual e a taxa subirá para 5%. Se
decidirem dar um tranco para conter a alta de preços, a taxa básica poderá
aumentar 1 ponto.
Se a solução mais branda for novamente
escolhida, a inflação passará bem acima da meta de 3,75%, neste ano, e poderá
superar o limite de tolerância, de 5,25%. No mercado, as projeções apontam nova
ultrapassagem do centro da meta (3,5%) em 2022. Na última pesquisa Focus,
divulgada na segunda-feira, dia 5, o número estimado para o próximo ano ficou
em 3,77%.
Se o Copom eleger a política mais dura, a
alta de preços poderá ser freada, embora com alguma defasagem. Mas juros mais
altos poderão prejudicar a reativação dos negócios e, além disso, encarecer o
financiamento do Tesouro, afetando a gestão das contas do governo e inflando a
dívida pública. Se houver risco maior para as finanças oficiais, o mercado
poderá reagir com rapidez, tornando ainda mais difícil a captação de recursos
pelo governo.
O receituário mais suave poderá evitar
maiores problemas fiscais e ser mais favorável à sustentação dos negócios. Mas
será preciso muito mais que isso para alimentar a atividade econômica no
próximo ano. Em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) poderá crescer entre 5% e
5,5%, segundo as projeções correntes no mercado. Para 2022, no entanto, o
crescimento estimado caiu em quatro semanas de 2,31% para 2,1%.
O entusiasmo exibido pelos economistas fora
do governo tem, portanto, limites estreitos: aponta uma razoável retomada neste
ano, mas fica nisso. O País poderá compensar com pequena folga o tombo de 4,1%
sofrido em 2020, mas em seguida voltará ao padrão medíocre dos últimos anos –
ou abaixo de medíocre, quando comparado com o desempenho normal de outros
emergentes.
A inflação, o desemprego acima dos padrões
globais e o baixo potencial de crescimento predominam entre as desvantagens
brasileiras. Mas a esses fatores é preciso juntar outros dados negativos. A
política antiambiental implantada em 2019 prejudica a imagem do agronegócio,
embora a produção relevante ocorra quase toda em áreas bem preservadas. Essa
avaliação é injusta, mas alimentada pelo comportamento desastroso do presidente
da República, figura criticada publicamente até no Festival de Cannes.
A questão dos juros é só um detalhe num quadro muito complicado, mas um detalhe especialmente importante. Não há solução simples e sem perigo. Em qualquer hipótese, a evolução dos preços continuará refletindo problemas fora do controle governamental, como a escassez de chuvas e a cotação internacional do petróleo. A inflação também poderá ser intensificada pelas tensões políticas e pelas incertezas derivadas da gestão fiscal e das palavras e ações do presidente Jair Bolsonaro, acuado por investigações e suspeitas e empenhado, até mais do que antes, em cuidar da reeleição. Mas o Copom tem sido, regularmente, o núcleo mais competente e confiável da administração federal nos últimos dois anos e meio. A sensatez – pelo menos isso se pode esperar – deverá continuar presente em sua próxima deliberação.
O marco legal das startups
O Estado de S. Paulo
Nova lei entra em vigor justamente num período de forte expansão dessas empresas
Enquanto o governo Bolsonaro continua
mandando para o Congresso projetos mal formulados, muitos deles tratando de
questões menores e com forte viés ideológico, na Câmara dos Deputados um grupo
de parlamentares de diferentes partidos políticos e correntes ideológicas
decidiu fazer justamente o contrário, apresentando projetos consistentes e
oportunos.
Um deles é o Projeto de Lei Complementar
n.º 146, que foi apresentado em 2019 e acaba de ser convertido na Lei
Complementar n.º 182. A iniciativa desses deputados teve por objetivo melhorar
o ambiente de negócios no País. A nova lei estabelece o marco legal para as
empresas de base tecnológica e também cria mecanismos que facilitam seu
desenvolvimento e sua consolidação. Também chamada de marco legal das startups
e do empreendedorismo inovador, a Lei Complementar n.º 182/21 entra em vigor
justamente num período de forte expansão dessas empresas.
Atualmente, há mais de 13 mil startups
funcionando no País – cerca de 20 vezes mais do que há dez anos, quando começou
a discussão sobre formas de regulamentação das pequenas empresas com atuação
voltada para o desenvolvimento de inovações aplicadas a produtos, serviços ou
modelos de negócios. A ideia é que a Lei Complementar 182/21 favoreça os
negócios que estão sendo criados nos mais variados setores da economia,
permitindo-lhes receber recursos de pequenos e de grandes investidores. A nova
legislação também prevê que universidades e organizações sem fins lucrativos
nas áreas de ciência e tecnologia gerenciem as startups em algumas dessas
etapas. Isso é fundamental para que elas possam transpor o estágio entre o
desenvolvimento de suas inovações e sua consolidação comercial.
Entre outras inovações, o marco legal das
startups concede a essas empresas prioridade na análise de registro de marcas e
pedidos de depósito de patentes pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial. Também permite que as grandes empresas obrigadas a investir em
pesquisa e desenvolvimento, como as do setor de petróleo e de gás, invistam em
startups por meio de fundos patrimoniais ou de fundos de investimento voltados
para a aquisição de participações no processo de inovação tecnológica.
Além disso, a Lei n.º 182/21 regulamenta o
papel dos investidores que aplicam recursos em pequenas empresas nascentes,
confiando em seu potencial de crescimento. Ainda que esses investidores possam
receber uma remuneração periódica, eles não têm o status legal de sócios nem
direito a ingerência ou voto na gestão do negócio. Por isso, em caso de
falência não responderão por qualquer obrigação da empresa, o que lhes dá a
segurança de que necessitam para investir.
Outra inovação é a criação de um regime
especial de contratação de soluções inovadoras pela administração pública, por
meio de licitações. No processo seletivo, as propostas terão de ser submetidas
a uma comissão formada, entre outros, por um servidor público da área para a
qual o serviço está sendo contratado e por um professor de instituição pública
de ensino superior ou técnico. Essa é uma estratégia já adotada em países com
sistemas de inovação já consolidados, como os Estados Unidos. Ela se baseia na
premissa de que é mais eficiente o poder público realizar encomendas
específicas às startups do que oferecer subsídios esperando que elas tenham
sucesso em seus projetos de inovação.
Nos centros de pesquisa, nas universidades e nos meios empresariais, pesquisadores, professores e executivos afirmam que o marco legal das startups poderia ter sido mais ousado em alguns pontos, principalmente em matéria de regime fiscal e estrutura societária. Mas elogiam a determinação dos autores do projeto, que souberam superar antagonismos ideológicos, ouviram todos os setores interessados e conseguiram apresentá-lo e aprová-lo num período de apenas dois anos. E também são unânimes ao reconhecer que esses deputados agiram com sensatez e determinação ao criar um padrão de segurança jurídica que é fundamental para o funcionamento da economia brasileira.
O reprovado
Folha de S. Paulo
Pobres, menos escolarizados, nordestinos e
mulheres minam aprovação a Bolsonaro
A avaliação de Jair Bolsonaro chegou ao
nível mais baixo de uma série que raramente lhe foi favorável. Segundo o
Datafolha, 51%
dos entrevistados consideram seu governo ruim ou péssimo, ante 24% dos que
o têm como ótimo ou bom. Trata-se da maior diferença entre menções favoráveis e
desfavoráveis ao desempenho do presidente.
Seu prestígio está no vermelho em todas as
regiões e categorias de renda, instrução, sexo, idade e cor. Desde maio, quando
a reprovação era de 45% e aprovação era a mesma de hoje, o desgaste maior
ocorreu entre os que ganham até dois salários mínimos, que estudaram até o
ensino fundamental, no Nordeste e entre as mulheres.
A avaliação é menos negativa por parte dos
residentes das regiões Centro-Oeste e Norte e dos brasileiros de renda
média-alta —de 5 a 10 salários mínimos.
A piora na avaliação do governo se espelha
na degradação
da imagem presidencial. Para 58% dos entrevistados, Bolsonaro é
incompetente; para 62%, despreparado. É autoritário para 66%, desonesto para
52% (honesto para 40%).
Parte da impopularidade pode ser atribuída
às condições materiais de vida dos mais pobres em uma economia que se recupera
da recessão em ritmo muito desigual e prejudicada pela inflação.
O número de pessoas ocupadas é o menor
desde que se tem registro comparável, em 2012. O setor de serviços, em que se
empregam os menos abonados, ainda está deprimido devido ao impacto da Covid.
A carestia dos alimentos afeta obviamente e
em particular os mais pobres. A redução do alcance e do valor do auxílio
emergencial deve ter feito estragos adicionais.
Observe-se que a taxa de aprovação de
Bolsonaro apenas não foi menor que a de reprovação no trimestre inicial de seu
mandato e entre agosto e dezembro do ano passado, quando era grande o efeito do
auxílio e a inflação da comida ainda não havia explodido.
Bolsonaro mandou arquivar projetos de renda
mínima em agosto do ano passado e retardou por um trimestre um novo programa de
renda emergencial neste 2021. Agora promete uma reformulação do Bolsa Família e
iniciativas de estímulo ao emprego de jovens.
A recuperação econômica deve permitir algum
aumento da população ocupada, em especial se se confirmar o progresso na
vacinação. A situação econômica, porém, não determina sozinha a opinião do
eleitorado —que terá na memória anos de agrura material, os lutos da epidemia e
os escândalos na administração federal.
Ainda faltam, recorde-se, 15 meses até a
eleição —e Bolsonaro, em vez de governar, dedica-se a lançar mais ameaças
veladas e suspeitas farsescas sobre a lisura do pleito.
Haiti em transe
Folha de S. Paulo
Assassinato do presidente expõe persistente
miséria econômica e institucional
O
assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, morto a tiros em sua
residência na quarta-feira (7), mergulhou ainda mais a miserável nação
caribenha no pântano de violência e tumulto político do qual parece nunca ter
saído.
No cargo desde 2017, Moïse liderou um
governo marcado por sucessivas crises e conflitos, a começar por sua conturbada
ascensão.
A vitória no primeiro turno do pleito de
2015 foi questionada por opositores, para os quais o processo havia sido
fraudado. A eleição terminou cancelada, um governo interino assumiu o país e
uma nova votação foi convocada.
No pleito do ano seguinte, Moïse venceu
novamente, mas o comparecimento às urnas não passou de ínfimos 18% do
eleitorado.
Sua frágil e contestada liderança logo
desembocou em crise generalizada. Protestos violentos prorromperam em 2018 após
um aumento do preço dos combustíveis.
Meses depois, um escândalo de corrupção se
somou às crescentes dificuldades econômicas do país mais pobre do hemisfério
ocidental, e milhares foram às ruas exigir a saída do presidente.
Com o país convulsionado, a eleição
legislativa de 2019 foi suspensa. Quando o mandato da maior parte dos
legisladores terminou, no ano seguinte, Moïse simplesmente dissolveu o
Parlamento e passou a governar por decreto.
Sem um Legislativo funcional e com o
sucessor de direito tendo morrido recentemente por Covid-19, o país enfrenta agora
um perigoso vácuo de poder.
A crise política dos últimos anos veio
acompanhada de um ressurgimento das milícias armadas, cuja ação esteve no cerne
da violência política que, em 2004, resultou numa missão de paz da ONU,
comandada pelo Brasil por 13 anos.
Hoje, como há duas décadas, o Estado já não
controla partes do território, incluindo áreas de Porto Príncipe. Estima-se
que, apenas em junho, cerca de 8.500 pessoas foram obrigadas a abandonar suas
casas na capital devido a disputas entre grupos armados.
A repetição do ciclo de violência e
instabilidade política mostra que inexiste saída fácil para as tribulações que
consomem o Haiti.
Se neste momento a ajuda internacional
parece necessária para evitar que a situação se deteriore ainda mais, o frágil
saldo da missão da ONU deixa claro que, sem enfrentar o subdesenvolvimento
extremo que campeia no país, nenhum resultado será duradouro.
Crise hídrica deixa em alerta desempenho do
agronegócio
Valor Econômico
Crise é também uma oportunidade para a
agropecuária rever seus processos
Após quatro anos como locomotiva da
economia, contribuindo para tirar o país da recessão que marcou 2015 e 2016, e
para amenizar a debacle com a pandemia em 2020, o agronegócio deve perder o
protagonismo neste ano. Não haverá um recuo. Outros setores vão crescer mais,
até porque vêm de anos de baixa. As previsões são que o agronegócio vai crescer
pouco mais de 2,5% neste ano. Mas os resultados seriam melhores não fosse o agravamento
da escassez de água.
A situação só não está pior porque a crise
hídrica estourou após o fim da colheita da soja, responsável por mais da metade
da safra recorde de grãos prevista para o ciclo de 2020/21. Ainda ontem o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Companhia Nacional
de Abastecimentos (Conab) divulgaram os números da safra atual com crescimento.
Para o IBGE, a safra brasileira de grãos deve chegar a 258,5 milhões de
toneladas neste ano, 1,7% maior que a do ano passado, ou o equivalente a 4,4
milhões de toneladas, mas houve recuo em relação à estimativa feita no mês
passado. Enquanto a produção de soja deve crescer 9,7% para novo recorde de
133,3 milhões de toneladas, e a de arroz 1,5% para 11,2 milhões de toneladas, o
milho deve recuar 8% para 95 milhões de toneladas. A cultura de cana também
está ameaçada de quebras. Frutas e hortifrutigranjeiros.
IBGE e Conab estão pessimistas com a
safrinha do milho, segundo grão mais cultivado no país, cujo plantio foi
atrasado e sofreu o impacto dos problemas hídricos. Em consequência, a produção
deve cair, apesar do aumento da área plantada e colhida, e da ampliação dos
investimentos feitos. Outros produtos afetados pela seca são laranja, que terá
sua pior quebra da história na área compreendida por São Paulo e Minas Gerais,
e café, com estimativa de produção 21% inferior à de 2020. O feijão sentiu o
impacto da estiagem nas suas duas primeiras safras, e talvez na terceira, que
responde por 20% do total e é majoritariamente irrigada durante todo o ciclo
produtivo. Outro produto afetado é o arroz, que já sofreu redução da área
plantada no Sul em consequência do baixo nível dos reservatórios, região que
recorre muito à irrigação. Mais dependentes ainda são as lavouras de ciclo
curto, como os hortifrútis, que abastecem as cidades a partir dos cinturões
verdes.
A agricultura é uma das atividades que mais
consome água porque utiliza principalmente a irrigação por aspersão, que gasta
mais do que a tecnologia de gotejamento. Segundo a Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a agropecuária é responsável por
70% de toda a água consumida no mundo.
De imediato, o setor receia a falta de água
para irrigação. O custo mais alto da energia necessária para captar e
distribuir a água também vai influenciar a rentabilidade. Tudo isso vai
repercutir negativamente na inflação. Os preços elevados nos mercados externo e
interno compensam as perdas na produção e o aumento do custo de fertilizantes.
A agropecuária representa quase um quarto das exportações brasileiras.
Outra preocupação é a interrupção do uso da
hidrovia Tietê-Paraná para transporte de produtos agrícolas de modo a que a
água seja direcionada apenas para a geração de energia. Na crise de 2013 a
paralisação da hidrovia afetou o transporte de 6,5 milhões de toneladas e
provocou prejuízos superiores a R$ 1 bilhão. Atualmente, transitam por ela 12
milhões de toneladas, segundo a Confederação Nacional da Agricultura, a CNA (Valor 29/6).
A agropecuária não é das atividades que
mais empregam mão de obra. Do estoque total de empregos formais de 39,4 milhões
no fim de 2020, o setor detinha 1,6 milhão de vagas. Mas, ao longo do ano, foi
o terceiro maior criador de vagas, depois da construção civil e da indústria,
mostrando sua importância em um momento em que os demais setores estão
deprimidos.
Em momento de crise hídrica como a atual, a
agropecuária também será atingida e não pode deixar de ser ouvida. Mas a crise
é também uma oportunidade para a agropecuária rever seus processos e buscar
maior eficiência no consumo de água.
Somente a safra recorde de soja garante crescimento ao redor de 2,6% projetam o Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Tendência Consultoria. Para o Banco Central (BC), o PIB agrícola vai crescer de 2% a 2,5% neste ano. Mas, os especialistas acompanham o desenvolvimento do quadro e podem rever as projeções.
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