sexta-feira, 9 de julho de 2021

Luiz Alexandre Souza da Costa* - Limites aos militares

O Globo

Ao contrário do que possa parecer, o objetivo da nota assinada pelo ministro da Defesa e pelos comandantes das Forças Armadas não foi atingir o senador Omar Aziz. Ela serviu como mais um movimento orquestrado para marcar o posicionamento dos generais em relação à democracia brasileira.

Esse movimento vem desde 2008, quando da declaração do então comandante da Amazônia, Augusto Heleno, no Clube Militar, criticando a política indigenista do governo Lula. Cabe lembrar que o estatuto e regulamento do Exército são claros ao proibir críticas a autoridades civis. Heleno, deliberadamente, passou por cima das normas para medir força com o então presidente. A ação fez parte da clara busca dos generais pelo retorno ao cenário político.

Dois momentos foram cruciais para a consolidação dessa reconquista do poder político-militar nos últimos anos. O primeiro, em 2017, quando o atual vice-presidente da República, Hamilton Mourão, num clube maçônico, ostentando a farda de general, respondeu positivamente sobre a possibilidade de as Forças Armadas estarem se articulando para uma possível “intervenção militar”, caso o Poder Judiciário não resolvesse a situação política existente naquele momento. O segundo foi em 2018, com o tuíte do então comandante do Exército, general Villas Bôas, ameaçando veladamente o Supremo Tribunal Federal caso concedesse um habeas corpus ao ex-presidente Lula.

A partir dessas fendas, permitidas por uma apatia covarde das instituições democráticas nacionais, os militares se reposicionaram no cenário político e conseguiram catapultar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência. O capitão, ao assumir, foi fiel e manteve sua relação de troca com a caserna. Enquanto nomeava militares para todos os escalões, beneficiando-os com aumentos salariais e na reforma da Previdência, os usava, em sua retórica golpista, como uma arma para ameaçar a democracia.

Somente este ano, além das inúmeras ameaças de Bolsonaro, tivemos diversas manifestações temerárias ao estado democrático brasileiro oriundas de militares da ativa e da reserva, sem que houvesse qualquer ação contundente das autoridades civis para conter tais atentados.

Entre os mais execráveis estão: a nota do Exército exigindo que a revista Época fizesse uma “imediata e explícita retratação, de modo a que afaste qualquer desconfiança de cumplicidade com a conduta repugnante do autor [...]”, sobre artigo de Luiz Fernando Vianna; a entrevista do presidente do Superior Tribunal Militar, acusando a oposição ao governo de “esticar muito a corda”; e a recente nota do Ministério da Defesa e dos comandantes militares atacando o Senado Federal e associando, verborragicamente, as citações de supostos casos de corrupção feitas por Aziz a alguns militares específicos, como se fosse um ataque às próprias Forças Armadas.

Aliás, essa tentativa de conexão entre acusações a algum militar individualmente e sua vinculação às organizações, procurando unir os fardados contra o poder civil, não é algo recente. Essa metodologia vem desde o Império, com a denominada Questão Militar, em que a punição de dois oficiais foi arrastada ao cenário político nacional como um atendado à honra militar, gerando grave crise institucional à época.

Já passou da hora de as autoridades civis darem um basta nessa tensão permanente com as Forças Armadas, que ultrapassa um século. Militares e suas instituições não são o alecrim dourado da República, os quais não se podem criticar ou aplicar, se necessário, uma descompostura. São agentes públicos tão triviais como quaisquer outros e que, ao contrário da nota expedida, têm em sua história o descumprimento reiterado dos princípios democráticos, das leis e da proteção dos cidadãos.

Se querem disputar o espaço político nacional, devem se sujeitar ao crivo democrático das eleições, e não ameaçar com o uso das armas que o próprio povo brasileiro lhes confiou.

*Professor de direito militar e membro do Laboratório de Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública do IESP-Uerj

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