O Globo
Ao contrário do que possa parecer, o
objetivo da nota assinada pelo ministro da Defesa e pelos comandantes das
Forças Armadas não foi atingir o senador Omar Aziz. Ela serviu como mais um
movimento orquestrado para marcar o posicionamento dos generais em relação à
democracia brasileira.
Esse movimento vem desde 2008, quando da
declaração do então comandante da Amazônia, Augusto Heleno, no Clube Militar,
criticando a política indigenista do governo Lula. Cabe lembrar que o estatuto
e regulamento do Exército são claros ao proibir críticas a autoridades civis.
Heleno, deliberadamente, passou por cima das normas para medir força com o
então presidente. A ação fez parte da clara busca dos generais pelo retorno ao
cenário político.
Dois momentos foram cruciais para a
consolidação dessa reconquista do poder político-militar nos últimos anos. O
primeiro, em 2017, quando o atual vice-presidente da República, Hamilton
Mourão, num clube maçônico, ostentando a farda de general, respondeu
positivamente sobre a possibilidade de as Forças Armadas estarem se articulando
para uma possível “intervenção militar”, caso o Poder Judiciário não resolvesse
a situação política existente naquele momento. O segundo foi em 2018, com o
tuíte do então comandante do Exército, general Villas Bôas, ameaçando
veladamente o Supremo Tribunal Federal caso concedesse um habeas corpus ao
ex-presidente Lula.
A partir dessas fendas, permitidas por uma apatia covarde das instituições democráticas nacionais, os militares se reposicionaram no cenário político e conseguiram catapultar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência. O capitão, ao assumir, foi fiel e manteve sua relação de troca com a caserna. Enquanto nomeava militares para todos os escalões, beneficiando-os com aumentos salariais e na reforma da Previdência, os usava, em sua retórica golpista, como uma arma para ameaçar a democracia.
Somente este ano, além das inúmeras ameaças
de Bolsonaro, tivemos diversas manifestações temerárias ao estado democrático
brasileiro oriundas de militares da ativa e da reserva, sem que houvesse
qualquer ação contundente das autoridades civis para conter tais atentados.
Entre os mais execráveis estão: a nota do
Exército exigindo que a revista Época fizesse uma “imediata e explícita
retratação, de modo a que afaste qualquer desconfiança de cumplicidade com a
conduta repugnante do autor [...]”, sobre artigo de Luiz Fernando Vianna; a
entrevista do presidente do Superior Tribunal Militar, acusando a oposição ao
governo de “esticar muito a corda”; e a recente nota do Ministério da Defesa e
dos comandantes militares atacando o Senado Federal e associando,
verborragicamente, as citações de supostos casos de corrupção feitas por Aziz a
alguns militares específicos, como se fosse um ataque às próprias Forças
Armadas.
Aliás, essa tentativa de conexão entre
acusações a algum militar individualmente e sua vinculação às organizações,
procurando unir os fardados contra o poder civil, não é algo recente. Essa
metodologia vem desde o Império, com a denominada Questão Militar, em que a
punição de dois oficiais foi arrastada ao cenário político nacional como um
atendado à honra militar, gerando grave crise institucional à época.
Já passou da hora de as autoridades civis
darem um basta nessa tensão permanente com as Forças Armadas, que ultrapassa um
século. Militares e suas instituições não são o alecrim dourado da República,
os quais não se podem criticar ou aplicar, se necessário, uma descompostura.
São agentes públicos tão triviais como quaisquer outros e que, ao contrário da
nota expedida, têm em sua história o descumprimento reiterado dos princípios
democráticos, das leis e da proteção dos cidadãos.
Se querem disputar o espaço político
nacional, devem se sujeitar ao crivo democrático das eleições, e não ameaçar
com o uso das armas que o próprio povo brasileiro lhes confiou.
*Professor de direito militar e membro do Laboratório de Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública do IESP-Uerj
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