Valor Econômico
Senado tira Forças Armadas do foco e mira
em Bolsonaro
Integrante titular da turma do deixa-disso
em sucessivas crises militares, o ex-ministro do Gabinete de Segurança
Institucional, general Sérgio Etchegoyen, aposta que a do momento vai se
acomodar. “Mas fica a trinca”, diz. Nas 24 horas que se passaram do embate
entre a CPI da Covid e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e comandantes
militares, o rescaldo desta crise tem que se definido no plural. São muitas as
trincas.
A primeira vem do Senado, que, a despeito
da nota dos militares, sem nenhuma nuance de apoio às investigações da CPI no
Ministério da Saúde, não recuou. Na mesma manhã em que teve uma conversa com
Braga Netto e, segundo informou por Twitter, “deu o assunto por encerrado”, o
presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSDB-MG), autorizou requerimento do
senador Jean Paul Prates (PT-RN) que estava parado desde março na mesa
diretora. O documento cobra explicações da Defesa sobre a participação do
deputado Eduardo Bolsonaro na parceria da estatal Imbel com a fábrica de
armamentos americana Sig Sauer.
O ex-assessor do deputado, Paulo Guedes (homônimo do ministro), hoje assessor parlamentar da Embratur, apresenta-se no Instagram como “atirador esportivo e empreendedor”. Nesta rede social há pelo menos três postagens com fotos das armas da Sig Sauer em que Guedes aparece com roupa com logotipo da marca e mensagens como “Sig Sauer P365 já comprou a sua?” Guedes é filho do general Carlos Sarmento, chefe da assessoria parlamentar do Ministério da Defesa.
Na mesma manhã, o presidente da CPI da
Covid, Omar Aziz, oficiou o presidente Jair Bolsonaro questionando se são
verdadeiras as afirmações do deputado Luis Miranda (DEM-DF) sobre o alerta que
teria feito, no gabinete presidencial, sobre propina na compra da Covaxin.
Ontem completaram-se 12 dias da declaração do deputado na CPI sem nenhum
esclarecimento da Presidência.
Se o Senado não recuou, o Supremo tampouco
arrefeceu frente à nova acusação do presidente contra o ministro Luís Roberto
Barroso. Ao defender a indicação do advogado-geral da União, André Mendonça,
para o Supremo, Bolsonaro defendeu sua filiação evangélica e disse que Barroso
“não acredita em Deus porque se acha o próprio Deus”. Fux repeliu
“posicionamentos que extrapolam a crítica construtiva e questionam
indevidamente a idoneidade das juízas e dos juízes da Corte”.
Ao mesmo tempo, o senador Renan Calheiros,
relator da CPI, disse que o alvo do colegiado não são as Forças Armadas, mas a
atuação daqueles que passaram pelo Ministério da Saúde e se envolveram em
irregularidades.
Se a estratégia mirasse também às Forças
Armadas, o Congresso teria, por exemplo, derrubado o decreto presidencial que
acaba com a limitação de dois anos para o militar da ativa, cedido ao serviço
público civil, se reincorporar às Forças. Ou, ainda, inteirado as 15
assinaturas que, na manhã de ontem, ainda faltavam para que seja protocolada a
proposta de emenda constitucional da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) que
manda para a reserva os militares que queiram ocupar cargos na administração
pública.
A estratégia de desviar as Forças Armadas
do foco e mirar o presidente da República parte da constatação de que foi
Bolsonaro quem escalou a crise. A declaração de Aziz sobre as Forças Armadas,
na primeira hora do depoimento do ex-diretor de Logística do Ministério da
Saúde Roberto Ferreira Dias não havia chamado a atenção de ninguém.
Bolsonaro só convocou Braga Netto e os
comandantes no fim da tarde depois da prisão de Ferreira Dias. Não chegou nem a
pedir uma nota. Braga Netto já se prontificou a redigi-la. Uma atitude muito
distinta daquela adotada pelo ex-ministro Fernando Azevedo e Silva. Ao longo do
domingo, 28 de março, em que foi publicada a entrevista do general Paulo Sérgio
Oliveira, então responsável pelo setor de recursos humanos do Exército, falando
sobre as medidas preventivas da instituição em relação a uma terceira onda da
pandemia, o ex-ministro recebeu dezenas de mensagens de Bolsonaro cobrando uma
nota de reprimenda. Como esta nota não apareceu, Azevedo e Silva foi convocado
ao Palácio do Planalto na segunda-feira para ser demitido, ao lado dos três
comandantes.
Quando Bolsonaro convocou Braga Netto e os
comandantes a reagir, Câmara e Senado já haviam dado sinais não apenas de que
haviam aparado suas diferenças e disputas internas na Comissão Mista de
Orçamento como também que decidiram enfrentar as resistências do presidente a
seu avanço sobre a máquina pública. Depois de ter retirado o nome de Paulo
Roberto Rebello Filho, indicado para o cargo de diretor-presidente da Agência
Nacional de Saúde Suplementar, o presidente recuou e o Senado aprovou a
indicação. O novo diretor da agência que lida com planos de saúde foi chefe de
gabinete, no Ministério da Saúde, do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros
(PP-PR).
A percepção de que o Congresso ergueu a
barreira da autodefesa em relação à caixa de pandora do Ministério da Saúde foi
ampliada com a desistência da CPI de convocar o dono da Precisa Medicamentos,
Francisco Maximiano, outro que atuou na intermediação da Covaxin. A ministra
Rosa Weber o autorizou a ficar calado na CPI, direito conquistado por outros
depoentes como o general Eduardo Pazuello, mas não o impediu de comparecer. A
CPI teria desistido de convocá-lo porque Maximiano, fornecedor há anos do
Ministério da Saúde e de governos estaduais, teria informações comprometedoras
contra aliados de senadores que atuam na comissão.
Os rumos da acomodação, sobre trincas, da crise
dirão se o Congresso terá condições de impor, a Bolsonaro, uma saída que não
apenas o tire da disputa presidencial, zerando as chances de contestação do
resultado, como também reduza os poderes daquele que vier a ser eleito.
Se disputar a eleição presidencial e
perder, Bolsonaro acumulará tantas acusações com tão fartos indícios de crimes
que ficará ao alcance de prisão por um juiz de primeira instância. Foi assim
que a saída do semipresidencialismo ganhou uma sugestão, ainda em estudos. Que
o Senado, Casa cujas funções teriam que ser reformuladas num novo sistema de
governo, ganhe assentos vitalícios a serem ocupados por ex-presidentes.
A solução serviria tanto como uma “anistia” para Bolsonaro quanto daria, à sua insubordinação, uma segunda vitória sobre as instituições. A primeira foi em 1986, quando sua não punição pelo Exército foi negociada com sua retirada da corporação para dar início à sua carreira política.
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