Folha de S. Paulo
Os militares não deveriam privar com certos
paisanos -para não serem confundidos com eles
Todos os dias, políticos, governantes e
empresários são flagrados em alguma sujeira e tachados de irresponsáveis,
corruptos, venais ou coisa pior. Um ou outro, isoladamente, pode chamar seu
acusador a se explicar, mas nenhuma dessas categorias tem audácia ou esprit de
corps suficiente para reagir em bloco contra a imprecação. Quando, digamos,
Jair Bolsonaro e seus filhos são chamados de assaltantes dos cofres públicos
pela prática da rachadinha, os políticos não se juntam para emitir uma nota
ameaçando a democracia. Aliás, nem os próprios aliados deles os defendem —não
são suicidas.
Mas, se um general de escrivaninha é declarado suspeito de algum malfeito e isso é confirmado por uma série de testemunhas, o azedume corre os quartéis. Se essas suspeitas atingem também alguns coronéis e tenentes-coronéis de suas relações, os militares espumam, falam em desrespeito às instituições e insinuam que vão mandar lubrificar o canhão. E por que, ao contrário das outras categorias, fazem isso? Porque eles têm o lubrificante —e o canhão.
Os militares se julgam diferentes de nós,
os paisanos. E são mesmo. A farda lhes dá imunidades e privilégios com que nem
sonhamos. Eles têm, por exemplo, seus próprios e generosos planos de carreira,
saúde e previdência e até a capacidade de se administrar leniente Justiça. Sua
autossuficiência só não é total porque dependem de nós, os paisanos, para
sustentá-los com nossos impostos.
Por se verem tão acima de si mesmos, os
militares não deveriam rebaixar-se a privar com determinados políticos,
negociantes, contrabandistas, atravessadores, reverendos, cabos da polícia e
outros espécimes típicos do governo Bolsonaro, muito menos em negócios
envolvendo milhões de dólares e vidas.
Se privam, deixam de ser diferentes e arriscam-se a serem tratados por nós com a mesma sem-cerimônia com que nos referimos aos nossos velhacos.
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