O Estado de S. Paulo
O único beneficiário de uma crise artificial entre Senado e Forças Armadas é Bolsonaro
A quem interessa criar uma crise, neste
momento já tão confuso, entre as Forças Armadas e o Congresso Nacional? O único
beneficiário de uma crise assim é, ou seria, o presidente Jair Messias Bolsonaro, que atraiu
chuvas, trovoadas, mortes e CPI contra ele e, como sempre, tenta usar os
militares para demonstrar uma força que já não tem e compensar a queda de
popularidade e de credibilidade.
É evidente que não é bom para a imagem das Forças Armadas ter uma dezena de oficiais citados em histórias muito mal contadas, tanto na CPI e na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde, quanto até nos áudios da ex-cunhada de Bolsonaro, Andrea Valle, que incluiu o “tio Hudson”, um coronel da reserva do Exército, no esquema de rachadinhas dos gabinetes parlamentares da agora família presidencial.
Em vez de defender a instituição, separar o joio do trigo e declarar que quem cometeu erros que assuma suas responsabilidades, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica tomaram a pior decisão: jogaram as suspeitas e os suspeitos para debaixo do tapete e atacaram o senador Omar Aziz, presidente da CPI que traz os nomes desses oficiais à tona.
O que irritou a nova cúpula militar foi
Aziz dizer que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados” e
que “fazia muito tempo que o Brasil não via membros do lado podre das Forças
Armadas envolvidos em falcatrua”. Não há “lado podre”, e sim indivíduos
suspeitos, mas ninguém deveria estar mais interessado em distinguir os “bons”
dos “podres” do que as próprias forças, que são a instituição mais admirada
pelos brasileiros nas pesquisas.
Em nota, porém, o ministro e os três
comandantes condenam “a forma vil e leviana” e Aziz, um dos políticos mais
respeitosos com os militares. Atacar Aziz é atacar a CPI, o que é atacar o
Senado, o que é atacar o Congresso e abrir uma crise entre Poderes. É consenso
que foi uma intimidação contra o Congresso e que Braga Netto não faria isso sem
combinar com Bolsonaro.
E a nota não foi nada inteligente. Após
a ordem de prisão de Roberto Dias, o
ex-diretor de Logística da Saúde, que tem um dossiê explosivo contra o governo
e militares, ninguém lembrava da frase de Aziz. A nota lançou luzes e
amplificou a expressão “lado podre”.
Feito o estrago, Braga Netto e o comandante
do Exército, general Paulo Sérgio Oliveira, telefonaram nesta quinta-feira,
8, para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para
dissipar o mal-estar e dizer que a reação foi direcionada a Aziz, não ao
Senado. Para Pacheco, que fora criticado por Aziz por não assumir a defesa do
Parlamento, o episódio “está superado”. Tomara, mas é preciso combinar com a
realidade e os adversários.
Na realidade, a CPI aprofunda as
investigações sobre a guerra entre o “grupo político” e a “turma militar” desde
o general da ativa Eduardo Pazuello na Saúde. Nenhum
dos dois lados é santo. Alguns militares foram tragados por esquemas no que o
Ministério Público classifica de gestão “gravemente ineficiente e dolosamente
desleal”.
E o principal adversário à bandeira branca
entre FA e Senado é o próprio Bolsonaro, que vive, respira e governa criando
atritos, crises e ameaças. A última delas é bem explícita: “Ou fazemos eleições
limpas, ou não temos eleições”. “Eleições limpas” são as que só ele possa
ganhar? Então, está ficando difícil mesmo...
A última coisa que a sociedade brasileira pode imaginar, ou muito menos querer, é que as Forças Armadas sejam parte desse tipo de ameaça à democracia, ou golpe. Aliás, como nunca quis que os militares mergulhassem tão fundo na política e se embolassem com o Centrão. O “lado podre” adora. A marca Forças Armadas paga o preço.
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