Blog do Noblat / Metrópoles
O presidente subestima a força do exército
desarmado
A última vez que a sombra de um golpe
militar cobriu o país foi no segundo semestre de 1984. O general João
Figueiredo era o presidente da República. A ditadura de 64 agonizava. E seu
substituto seria escolhido pelo Congresso. Havia dois candidatos: pela
situação, Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, e pela oposição, Tancredo
Neves, ex-governador de Minas Gerais.
Tancredo temia que a linha dura do regime
se insurgisse contra a possibilidade de ele ser eleito. E não faltavam sinais
de que isso não era descartável dada à fragilidade da candidatura de Maluf. Em
anos anteriores, militares e grupos paramilitares promoveram atentados
terroristas, inclusive com mortos. E Tancredo era acusado de ter o apoio de
comunistas. Mas não houve golpe.
De lá para cá, o país atravessou sete
trocas de presidente a céu aberto sem que os militares ameaçassem intervir:
José Sarney deu lugar a Fernando Collor, que deu lugar a Itamar Franco, que deu
lugar a Fernando Henrique, que foi reeleito. Lula se elegeu e se reelegeu,
assim como Dilma, que deu lugar a Michel Temer, que deu lugar a Jair Bolsonaro.
Houve dois impeachments.
A sombra do golpe militar, porém, está de
volta. Eleito com o apoio compacto dos seus ex-colegas de farda, o ex-capitão
afastado do Exército por conduta antiética ameaça não deixar o cargo se perder
a eleição do ano que vem. E se depender das Forças Armadas, ele não perderá. E
se perder, continuará no cargo por cima de pau e pedra ou com a ajuda de pau,
pedra e brucutu.
Somente nesta semana, meia dúzia de pesquisas de intenção de voto mostraram que o governo Bolsonaro balança, balança, e que se não se cuidar a tempo poderá cair antes da hora. A pesquisa Datafolha, divulgada ontem à noite, conferiu o tamanho do estrago produzido na imagem do presidente pela associação entre a pandemia, a corrupção e a CPI da Covid-19.
Se em junho do ano passado 44% consideravam
Bolsonaro competente, agora, só 36%. Se 52% o consideravam incompetente, agora,
são 58%. Há um ano, 48% julgavam Bolsonaro honesto; agora, 38%; 40% o avaliavam
como desonesto, agora 52%. Em abril de 2019, 24% disseram que ele respeitava
mais os pobres; agora, 17%. Diziam 57% que Bolsonaro respeitava mais os ricos;
agora, 66%.
No começo do governo, 58% achavam Bolsonaro
muito inteligente; agora, 39%. O índice dos que o consideravam pouco
inteligente era de 39%; agora, 57%. Em 2019, 59% dos brasileiros consideravam o
presidente sincero. Nesta quinta, 39%. Para 35%, ele era falso. Agora, é falso
para 55%. Quando ele assumiu a presidência, 52% o achavam preparado para
exercer o cargo. Agora, só 34%.
Nas últimas 24 horas, Bolsonaro fez o
melhor que sabe – cagou para a CPI que havia lhe enviado uma carta,
atacou os senadores que a comandam, bateu duro em ministros do Supremo Tribunal
Federal e repetiu que sem voto impresso não aceitará os resultados das eleições
do próximo ano. Comportou-se, em resumo, como o engenheiro do caos, maximizando
os conflitos.
Como espera recuperar parte da popularidade
perdida para não ficar de fora do segundo turno das eleições? A essa altura, se
não recuperar, a única coisa que lhe resta é apostar no golpe. Bolsonaro
minimiza a força do exército desarmado – a Justiça, parte do Congresso, a
opinião pública, a mídia e os movimentos sociais. Sem falar de uma conjuntura
internacional avessa a golpes.
Em menos de três meses, Bolsonaro correu
pela segunda vez para aconselhar-se com o ex-presidente José Sarney. Perdeu
tempo. O que Sarney tem a dizer-lhe, Bolsonaro não quer escutar. Ele só ouve a
própria voz.
Aloysio, vice de Aécio Neves em 2014,
desmente que houve fraude
“Perdemos porque tivemos menos votos, foi
por isso e nada a mais”
Em 12 de outubro de 1968, Aloysio Nunes
Ferreira Filho dirigia o carro que conduzia Carlos Marighella, um dos líderes
da luta armada contra o regime militar, quando ouviu pelo rádio a notícia sobre
a prisão de mais de 800 estudantes que participavam de mais um congresso da
União Nacional dos Estudantes (UNE).
Sim, àquela época, embora a ditadura ainda
fosse branda, a UNE fora posta fora da lei. Todas as suas atividades eram
clandestinas. E os estudantes, ingênuos bastante para acreditar que poderiam se
reunir em grande número em um sítio rural sem chamar a atenção da ditadura
supostamente fraca.
Em outubro de 2014, 46 anos depois, Aloysio
era candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Aécio
Neves (PSDB), ex-governador de Minas Gerais. Foi nessa condição que ele se
apresentou para negar, ontem, que houve fraude na eleição vencida por Dilma
Rousseff (PT) com o apoio de Lula.
– Perdemos porque tivemos menos votos, foi
por isso e nada mais.
A declaração de Aloysio contraria o que o
presidente Bolsonaro tem repetido dia sim e outro também, e constrange Aécio
por duas razões. Primeiro, porque Aécio foi o autor do pedido que levantou
suspeição sobre a eleição presidencial daquele ano. Segundo, porque Aécio,
agora, é a favor da volta do voto em cédula.
Depois do que Aloysio disse, Aécio foi
obrigado a concordar com ele: “Eu não acredito que tenha havido fraudes nas
urnas em 2014, tampouco acredito que nós estejamos fadados a viver eternamente
com as urnas eletrônicas de primeira geração”. Concedeu que o voto em cédula
possa ficar para as eleições de 2026.
Derrotado porque Dilma teve cerca de 3,5
milhões de votos a mais do que ele, Aécio telefonou para ela e a cumprimentou
pela vitória. Meses mais tarde, esqueceu o que fizera e bateu às portas da
justiça eleitoral para reaver o que não tinha direito.
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