Revista Veja
Ele é quase uma eleição ao contrário
Nas páginas da Constituição Federal habita
um fantasma que está sempre presente nos acontecimentos políticos da nossa
república desde a redemocratização. Ao menor sinal de aquecimento no braseiro
da política, o fantasma desperta do aperto dos artigos, parágrafos, incisos e
alíneas da nossa Carta Magna.
A obsessão desse fantasma é a constituição
de uma maioria que venha a derrubar o presidente no exercício do poder para
estabelecer uma nova ordem. Tal qual em O
Fantasma da Ópera, romance de Gaston Leroux, nosso personagem vive
paixão intensa que se alimenta dos conflitos políticos recorrentes no Brasil.
Sua existência é fruto de um arranjo político capenga que impede a constituição de maiorias organizadas no Congresso Nacional. O último presidente que contou com uma maioria parlamentar de seu partido, o então PMDB entre 1987 e 1991, foi José Sarney, que terminou abandonado por seus pares. Como em política, “o mundo gira e a Lusitana roda”, Sarney voltou à cena política em lugar vip.
De lá até hoje, os presidentes vivem e
sobrevivem de sua capacidade de construir maiorias no Congresso em uma feira
partidária. Maiorias que servem mais para proteger o mandato do que para
aprovar agendas específicas. Alguns, como Fernando Henrique Cardoso, Lula e
Michel Temer, foram habilidosos o suficiente para construir e manter maiorias
consistentes. Por isso conseguiram avançar em agendas relevantes. Outros, como
Fernando Collor e Dilma Rousseff, sucumbiram às circunstâncias e às suas
limitações políticas.
“No fim das contas, por ora não há
interesse real dos principais opositores do governo”
No fim das contas, o impeachment no Brasil funciona como uma espécie de voto de desconfiança contra o presidente. É um instrumento de mudança, quase uma espécie de eleição ao contrário. Só que por meio do voto parlamentar.
O que leva o presidente para as cordas do
impeachment? Basicamente, a falta de apoio político. Sem apoio no Congresso e,
em especial, na Câmara dos Deputados, um presidente da República não sobrevive
ao inferno político nacional. Desde o início do ano passado, após conflitos no
Congresso com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente Jair
Bolsonaro se dedicou a construir uma maioria de proteção nas duas Casas. A
iniciativa está funcionando e o levou a apoiar a eleição dos dois presidentes do
Poder Legislativo. A polarização política e as repercussões geradas pela
pandemia trouxeram o tema do impeachment novamente para a agenda. Mas existe de
fato essa possibilidade? E quem realmente deseja o impedimento?
Começando de trás para a frente e respondendo,
primeiro, à segunda pergunta: é certo dizer que na oposição poucos desejam o
impeachment de Bolsonaro. Setores relevantes do PT, que tem Lula como líder nas
pesquisas pré-eleitorais, preferem um Bolsonaro fraco à incerteza de ter de
enfrentar uma nova maioria que, eventualmente, possa ser competitiva para 2022.
Isso posto, respondo à primeira pergunta: não, provavelmente não teremos um
impeachment de Bolsonaro, salvo um novo acontecimento de proporções
significativas que viesse causar debandada de seus aliados. No fim das contas e
por ora, não existe maioria para impulsionar o impeachment. Nem tampouco
interesse real dos principais opositores do governo.
Publicado em VEJA de 14 de julho de 2021, edição nº 2746
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