EDITORIAIS
Congresso precisa aprovar logo a ‘PEC do
Pazuello’
O Globo
A reforma política estapafúrdia apresentada
na terça-feira na Câmara — num momento em que reforma política é tudo aquilo de
que o Brasil menos precisa — não deve obscurecer uma notícia alvissareira. A
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC)
que impede militares da ativa de assumir cargos civis no governo, medida
crucial para o Brasil e benéfica para as Forças Armadas, ultrapassou o número
mínimo de assinaturas e começará a tramitar. “A tramitação da matéria, em frutífero
diálogo entre o Parlamento e as Forças Armadas, fortalecerá a democracia”,
afirma nota conjunta de cinco ex-ministros da Defesa.
É preciso que deputados e senadores deem celeridade a essa mudança simples no texto constitucional, que estabelece, para que ocupem cargos civis, os mesmos critérios já adotados para militares que queiram concorrer em eleições: afastar-se, se tiverem menos de dez anos de carreira, ou reformar-se, se tiverem mais. É o bastante para evitar a intromissão inconstitucional e perigosa da caserna na política.
Quando se testemunham fatos no calor do
momento, muitas vezes é difícil discernir os graves dos inofensivos. Foi grave,
porém, a falta de punição ao ex-ministro Eduardo Pazuello, militar da ativa que
participou de ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Rio. Com
episódios como esse, perde o Brasil, perdem as Forças Armadas.
Logo que assumiu, Bolsonaro defendia a
presença militar em cargos civis sob o argumento de que não se podia jogar fora
a capacidade técnica dos fardados. Não era exatamente novidade. Durante os
governos do PT, o Exército construiu estradas e aeroportos. A inovação de
Bolsonaro foi levar integrantes das Forças Armadas para dentro da política e de
várias áreas do governo.
Os defensores do presidente fazem
comparações entre militares e servidores do Ministério das Relações Exteriores,
há muito presentes em ministérios. É uma falácia. Para quem ainda precisava de
uma prova de que a ideia era péssima, ela veio quando o ministro da Defesa e os
comandantes das três Forças emitiram nota tentando impor limites à atuação da
CPI da Covid. Alguém já imaginou o Itamaraty tendo a ousadia de intimidar um
Poder da Federação dessa forma?
Com mais de 6 mil militares em funções
civis, pode ser questão de tempo até que novos indícios de escândalos surjam,
como os recentes envolvendo a compra de vacinas. Com militares da ativa no
governo, não serão as queixas do ministro ou dos três comandantes que impedirão
a divulgação e a investigação de eventuais malfeitos que maculem a imagem das
Forças Armadas.
Uma característica dos países na América
Latina é a falta de grandes ameaças externas. Para os militares, seria um dado
positivo, mas acaba por orientá-los às questões internas. É um erro. O dever
deles está estabelecido com clareza na Constituição. Para cumpri-lo, precisam
manter-se afastados da política, exatamente como sempre fizeram desde a
redemocratização. É evidente que não há nem interesse nem competência no
Alto-Comando para governar ou se meter em política. A PEC da deputada Perpétua
Almeida traça com simplicidade, clareza e precisão a fronteira de atuação dos
militares. Merece toda a atenção e precisa ser aprovada com urgência.
Mudança na divulgação de queimadas revela
tentativa de controlar dados
O Globo
O governo anunciou, na terça-feira, que a
divulgação de dados sobre alertas de queimadas, feita durante mais de três
décadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), passará a ser
concentrada no Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), órgão do Ministério da
Agricultura. Quanto mais explicações o Planalto dá para justificar a mudança,
mais inexplicável ela fica diante dos sucessivos recordes de focos de incêndio
na Amazônia — e não se pode dizer que a culpa seja do Inpe.
O diretor do Instituto Nacional de
Meteorologia (Inmet), Miguel Ivan Lacerda, diz que as informações serão
divulgadas pelo Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio, do SNM. “É um
problema que o Brasil enfrentava havia décadas, na verdade havia mais de 40
anos, e nunca foi tratado. A pulverização ou a dissonância da divulgação de
dados sobre incêndio.”
Ora, desde quando “pulverização de dados” e
“dissonância” entre eles constituem problema? Trata-se de total inversão achar
que o obstáculo está na divulgação de mais informação, mesmo que haja eventual
divergência, e não nas queimadas que consomem os biomas — em junho, o número de
focos de calor na Amazônia foi o maior para o mês em 14 anos. A reunião para
tratar da mudança, coordenada pela Casa Civil, envolveu os ministérios da Ciência,
Tecnologia e Inovações, da Defesa e da Agricultura. Não se vê empenho
semelhante para atacar a raiz do problema.
Na verdade, o governo continua a agir em
sentido contrário. É flagrante o desmantelamento dos órgãos ambientais. Como
mostrou reportagem do GLOBO, o Ibama tem apenas 27% dos analistas necessários
para fiscalização. Em maio, a Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas da
autarquia defendeu promover concurso para contratar 2.348 servidores, 1.264
deles analistas ambientais. Em ofício ao Ministério da Economia, o Ibama
solicitou o preenchimento de apenas 655 cargos. Fiscalizar para que, se, antes
mesmo de assumir, Jair Bolsonaro já prometia acabar com a “festa” de multas
ambientais?
Não surpreende que o Planalto prefira
esconder o sintoma, e não combater a doença. Em 2019, quando o Inpe, que
trabalha com dados científicos, apontou aumento no desmatamento da Amazônia, o
governo mandou exonerar o presidente do instituto, Ricardo Galvão. No ano
passado, o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse, sem provas, que alguém no
Inpe fazia oposição ao governo e priorizava a divulgação de dados negativos
sobre queimadas. Mudaram os técnicos, mas os números continuaram desfavoráveis.
Agora a estratégia é outra. O governo decidiu acabar com o protagonismo do Inpe, cuja competência no setor é inquestionável. É mais uma tentativa de aumentar o controle sobre a divulgação de números que incomodam — e muito — o Planalto. Pouco mudará. A floresta continuará queimando, a imagem do país no exterior permanecerá calcinada, as dificuldades para o agronegócio num mundo cada vez mais atento às questões ambientais não cessarão. E o governo não conseguirá esconder o problema.
As relações civis-militares
O Estado de S. Paulo
Vem em boa hora a PEC para proibir a
presença de militares da ativa em cargos da administração pública no País
A passagem de Eduardo Pazuello pelo
Ministério da Saúde trouxe enormes problemas para o País. Muitos deles ainda
estão sendo descobertos pela CPI da Covid. De toda forma, dois fatos já são de
conhecimento público. A sua submissão ao presidente Jair Bolsonaro provocou
atraso na vacinação contra a covid e, durante o período em que chefiou a pasta,
vacinas negociadas por intermediários tiveram prioridade em relação às
ofertadas pelas próprias empresas fabricantes.
A agravar o quadro, Eduardo Pazuello ocupou
o cargo de ministro da Saúde sendo militar da ativa. Não é papel de militar
exercer cargo civil. Entre outros problemas, sua atuação na Saúde provocou
desgaste na imagem das Forças Armadas perante a opinião pública. Se já não era
positivo que os militares fossem associados a uma gestão ineficiente, agora
integrantes das Forças Armadas veem-se enredados em nebulosas compras de
vacinas.
Segundo narrou o presidente Jair Bolsonaro,
Eduardo Pazuello foi informado sobre as suspeitas envolvendo a compra da vacina
Covaxin, mas o intendente não viu nada de errado no contrato. Nos termos
assinados pelo Ministério da Saúde, o preço por dose de Covaxin foi 11 vezes
mais caro do que a oferta da própria fabricante, feita seis meses antes.
Tudo isso, que é extremamente embaraçoso
para Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello, mostrou a necessidade de um
aprimoramento do marco jurídico da administração pública. São muitos os perigos
que envolvem a administração pública e o presidente da República quando se usa,
sem grandes critérios, a possibilidade de atribuir a militares, principalmente
aqueles no exercício ativo de suas funções castrenses, cargos civis.
Vem em boa hora, portanto, a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC), de autoria da deputada federal Perpétua Almeida
(PCdoB-AC), para proibir a presença de militares da ativa em cargos da
administração pública. Tendo ganhado a alcunha de PEC Pazuello, a proposta já
ultrapassou o mínimo necessário de assinaturas para sua apresentação.
A PEC Pazuello acrescenta um inciso ao
artigo 37 da Constituição. “O militar da ativa somente poderá exercer cargos de
natureza civil na administração pública, nos três níveis da Federação, desde
que atendidos os seguintes requisitos: (a) se contar menos de dez anos de
serviço, deverá afastar-se da atividade; (b) se contar mais de dez anos de
serviço passará automaticamente, no ato da posse, para a inatividade”, diz a
proposta.
Na exposição de motivos, a deputada
Perpétua Almeida explica que a PEC busca “resguardar as Forças Armadas dos
conflitos normais e inerentes à política, e fortalecer o caráter da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica como instituições permanentes do Estado, e não de
governos”.
Num Estado Democrático de Direito, o poder
governamental é exercido por civis. Essa separação de funções, que já estava
prevista na Constituição de 1988, tornou-se ainda mais explícita em 1999 com a
criação do Ministério da Defesa.
Foi um importante e significativo marco.
Substituindo os anteriores Ministérios do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica, a criação do Ministério da Defesa mostrou que até mesmo a condução
política dos assuntos militares e da defesa deveria ser feita por um civil e de
forma integrada à administração geral do Estado. Até 2018, todos os ministros
da Defesa foram civis.
Com o governo Bolsonaro, essa importante
faceta do poder civil ficou esfumaçada em razão das muitas nomeações de
militares da ativa para a administração pública. Por um tempo, até a chefia da
Casa Civil foi ocupada por um general da ativa. Depois, o general Luiz Eduardo
Ramos passou à reserva, ao contrário de Eduardo Pazuello, que está no exercício
ativo até hoje.
É preciso preservar e respeitar os âmbitos
de atuação civil e militar. Além de reforçar no cidadão a saudável
tranquilidade de que os militares estão cumprindo suas tarefas – e não outras
–, essa separação de funções contribui para despertar a responsabilidade da
população para as questões políticas. São os civis, e não os militares, que
devem dar solução aos problemas políticos.
O imperturbável procurador-geral
O Estado de S. Paulo
A passividade do procurador-geral da
República, Augusto Aras, não tem incomodado apenas cidadãos que pouco sabem a
respeito dos deveres constitucionais do chefe do Ministério Público Federal
(MPF).
Esta atitude imperturbável de Aras diante
de declarações, ações e omissões potencialmente criminosas do presidente Jair
Bolsonaro, que em alguns momentos chega a flertar com a subserviência, também
tem motivado reações de seus colegas de parquet e
até mesmo da alta cúpula do Poder Judiciário.
Ainda está fresca na memória a admoestação
pública feita pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF),
diante da inação de Aras ao ser confrontado com os indícios de prevaricação de
Bolsonaro no caso da compra da vacina indiana Covaxin. A ministra relembrou ao
procurador-geral que “no desenho das atribuições do Ministério Público não se
vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.
Mais recentemente, cinco membros do
Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) enviaram uma
representação a Aras em que exortam o procurador-geral a avaliar se o
presidente da República cometeu crime de abuso de poder ao disseminar dúvidas
em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro. “(O discurso do presidente) tem
traços evidenciadores de grave e concreta ameaça ao principal instrumento de
concretização de uma democracia”, diz trecho do documento, subscrito pelos
subprocuradores Nicolao Dino, José Adonis Callou, Mário Bonsaglia, Luiza
Frischeisen e José Elaeres Teixeira.
Bolsonaro tem chantageado a Nação, dizendo
claramente que, se o Congresso não aprovar a volta do voto impresso – como tudo
indica que não aprovará –, o País corre o risco de “não ter eleição no ano que
vem”, e, caso tenha, ele não só não aceitará o resultado das urnas, como
mobilizará seus camisas pardas para contestar a higidez do pleito.
As reiteradas ameaças de Bolsonaro,
indignas do cargo que ele ocupa, podem configurar mais do que crime de
responsabilidade – o que já seria razão bastante para apeá-lo da Presidência.
Podem ser crimes comuns, como indica a representação assinada pelos
subprocuradores-gerais. Augusto Aras não pode simplesmente ser um “espectador”
das maiores agressões que o Estado Democrático de Direito tem sofrido.
Há poucos dias, nada menos do que oito
ex-procuradores-gerais da República defenderam a segurança do sistema
eletrônico de votação no País – um modelo para o mundo – e afirmaram que
“insinuações contra o sistema devem ser prontamente repelidas”. Em nota
conjunta, intitulada Em
defesa da verdade e do sistema eleitoral brasileiro, os
ex-procuradores-gerais Raquel Dodge, Roberto Gurgel, Cláudio Fonteles,
Sepúlveda Pertence, Rodrigo Janot, Antônio Fernando de Souza, Aristides
Junqueira e Inocêncio Coelho afirmaram que “jamais houve o mais mínimo indício
comprovado de fraudes nas urnas”. Tivesse havido, prosseguem, “o Ministério
Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral teriam atuado prontamente, coerentes
com a sua história de enfrentamento de qualquer ameaça à lisura dos pleitos”.
A representação subscrita pelos membros do
CSMPF tem o mérito de ressaltar o caráter preventivo da legislação eleitoral,
para evitar a perpetração de condutas que ponham em perigo a segurança e,
sobretudo, a regularidade das eleições. A Constituição é de uma clareza solar
ao determinar que incumbe ao Ministério Público, entre outras atribuições, a
defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Ora, são precisamente estes
os alvos de Jair Messias Bolsonaro quando o presidente da República ameaça a
realização das eleições de 2022 no Brasil.
Muito tem sido especulado sobre as razões
de fundo que têm levado Augusto Aras a adotar uma atitude passiva no que
concerne aos atos do governo federal, em especial de Bolsonaro. Pouco importam
suas motivações. Fato é que, se o procurador-geral deixar de agir diante das
flagrantes ilegalidades cometidas pelo presidente da República, ferirá de morte
a letra da Constituição e, assim, aviltará o cargo que ocupa.
Picadinho tributário
O Estado de S. Paulo
Muito limitada, a proposta fica longe de uma verdadeira reforma tributária
Arremedo de reforma, o picadinho tributário
em tramitação no Congresso poderá produzir, entre outros efeitos, uma perda de
receita de R$ 30 bilhões em 2023 – um resultado incompatível, à primeira vista,
com os gastos adicionais já previstos, como a ampliação da assistência aos
pobres. O novo Bolsa Família, reformulado e possivelmente rebatizado como Renda
Cidadã, deverá consumir R$ 51,5 bilhões em 2022, segundo estimativa divulgada
há cerca de um mês. “Não há espaço fiscal para uma redução tão elevada”, disse
ao Estado o
ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid. O corte de arrecadação foi
indicado em parecer apresentado pelo relator do projeto de alteração do Imposto
de Renda (IR), deputado Celso Sabino (PSDB-PA).
A redução da carga atende às pressões
contrárias à taxação de lucros e dividendos distribuídos a acionistas.
Empresários e investidores do setor financeiro podem ficar satisfeitos com a
alteração do projeto, apoiada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Ao
concordar com o relator, o ministro parece renunciar a um dos objetivos
iniciais da proposta – uma distribuição mais equitativa dos encargos fiscais. O
corte foi anunciado sem apresentação de medidas compensatórias.
O relatório pode ter aperfeiçoado o projeto
em alguns pontos, admitem especialistas, mas o defeito original permaneceu, até
por ser insanável pelo trabalho de um relator. As alterações tributárias até
agora desenhadas no Ministério da Economia têm ficado muito longe de uma
verdadeira reforma.
A equipe econômica apresentou até agora
duas propostas. A primeira cuidou da unificação do PIS/Pasep e da Cofins. A
segunda trata da mudança na tributação de lucros e dividendos. Mas o sistema
brasileiro é muito mais complexo e inclui tributos estaduais e municipais.
De janeiro a maio deste ano, o governo
central arrecadou R$ 759,5 bilhões. Nesse período, os governos estaduais
coletaram com seu principal tributo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS), R$ 249,8 bilhões, cerca de um terço da receita do poder
central. Além de volumoso, o principal imposto dos Estados atinge os cidadãos
de modo mais sensível e de forma frequentemente injusta. Além disso, amplia os
custos, complica a gestão empresarial e afeta as decisões de investimento, quando
é usado como arma de guerra fiscal. Não há como promover uma efetiva reforma
sem levar em conta o ICMS.
Ao cuidar de mudanças na tributação, o
governo deveria ter seguido o caminho apontado pela PEC 45, já em tramitação na
Câmara, um projeto amplo e com potencial de tornar o sistema bem mais
equitativo, mais simples e mais funcional, até pela redução das diferenças das
condições tributárias dos Estados. O peso dos impostos é apenas um dos entraves
à competitividade gerados pelo sistema em vigor. O tempo e o esforço gastos
apenas para cuidar da complexidade tributária têm sido citados, com destaque,
em estudos sobre a capacidade competitiva das empresas brasileiras.
Na reforma tributária, assim como em outras
questões, a equipe econômica exibe uma escassa percepção do dia a dia da vida
empresarial e de outros aspectos da economia brasileira. Esse dia a dia inclui
enormes complicações, frequentemente injustificáveis, enfrentadas por quem
precisa planejar os negócios e administrar uma companhia, mesmo pequena. Quando
se tem uma noção mais clara desse dia a dia – e do ambiente onde se realizam os
negócios –, torna-se mais evidente a importância de cuidar de todo o sistema
tributário, quando se pretende reformá-lo.
O ideal seria apresentar um projeto completo, observou o professor Nelson Marconi, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Quando se apresenta a reforma em pedaços, “que por sua vez podem ser votados de forma retalhada, ninguém consegue prever qual será o resultado líquido, seja em termos de arrecadação, seja em termos de eficiência e oneração”, acrescentou. É uma questão de bom senso, uma condição ignorada pelo governo em seu projeto de reforma tributária.
Vacinas em alta
Folha de S. Paulo
Adesão a imunizantes é recorde, mostra
Datafolha; avanço não dispensa precauções
Toda a má vontade do governo federal não
impediu que a adesão dos brasileiros à vacinação contra a Covid-19 se tornasse
um sucesso. Conforme
pesquisa do Datafolha, 56% da população acima de 16 anos já recebeu algum
imunizante e 38% pretendem fazê-lo.
A soma, de 94%, é a mais alta desde que
tais perguntas começaram a ser feitas pelo instituto, em agosto do ano passado.
Apesar de problemas pontuais que merecem a atenção das autoridades, os dados do
programa nacional de vacinação se mostram mais alentadores.
O número de mortes e de casos graves
diminui de modo notável há cerca de três semanas, embora permaneça em patamares
elevados. Considere-se o caso de São Paulo: em meados de abril, a pandemia
matava mais de 800 pessoas por dia no estado, média que baixou a 350 neste
julho.
Deve-se notar que, nos piores momentos de
2020, entre junho e julho, o morticínio diário era de cerca de 270 pessoas;
que, em novembro, chegou a ser de menos de 90. O risco de infecção e morte,
pois, ainda é maior que em 2020.
Tal situação deve mudar em breve. Cerca de
63% dos adultos tomaram ao menos uma injeção de vacina em São Paulo (acima,
portanto, da média brasileira).
É realista a perspectiva de que todas as
pessoas de 18 anos ou mais tenham recebido uma dose até 20 de agosto, como
promete o governo paulista. A proteção geral aumenta, com mais imunizados por
vacina ou por infecção natural.
Governadores e prefeitos planejam atingir
pessoas de 12 a 17 anos já a partir do próximo mês, numa estratégia que pode
ser razoável, a depender do estoque disponível.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, há
cerca de 850 mil jovens nessa faixa etária, e falta ainda a segunda dose para
mais de 1,9 milhão de pessoas com 50 anos ou mais —era nesse grupo de idade que
morriam 90% das pessoas por Covid-19 antes de haver vacina.
Deve-se considerar, ademais, o risco de que
o avanço da imunização induza a algum relaxamento precipitado por parte da
população ou dos governantes, enquanto a taxa de transmissão do vírus ainda é
alta e há a ameaça da contagiosa variante delta.
De todo modo, está consolidado o
entendimento de que a vacinação é a única saída virtuosa para a superação da
calamidade e a retomada plena das atividades econômicas e sociais, agora mais
próxima.
Mais adiante, haverá que considerar
campanhas de reforço para lidar com um vírus que, mesmo após o fim da epidemia,
ainda circulará entre nós por algum tempo.
Política sem panaceia
Folha de S. Paulo
Melhor aperfeiçoar sistema que apostar em
reviravoltas como semipresidencialismo
Sempre que as instituições passam por algum
estresse, surgem propostas de mudanças profundas do sistema político. No
Brasil, por muito tempo, era o parlamentarismo que fazia as vezes de panaceia.
Mais recentemente, começou-se a falar em semipresidencialismo.
Trata-se de um regime em que convivem um
presidente com poderes, normalmente eleito pelo voto direto, e um
primeiro-ministro, encarregado do dia a dia da administração, que responde ao
Parlamento. Como em todos os arranjos do gênero, há prós e contras.
No contexto brasileiro, a vantagem seria
conciliar o pendor nacional por eleições diretas para presidente —evidenciado
nos plebiscitos de 1963 e 1993, quando a sociedade optou pelo presidencialismo—
com virtudes do parlamentarismo, notadamente a maior responsabilização do
Congresso e a agilidade na solução de crises.
Pelo lado negativo, o semipresidencialismo
tende a promover uma certa confusão entre as responsabilidades do presidente e
do premiê. Outro ponto fraco potencial é a coabitação (quando os dois líderes
máximos pertencem a grupos políticos rivais), que pode levar a períodos
difíceis, marcados por imobilismo e obstruções.
Se o Brasil tivesse sido descoberto ontem e
estivéssemos debatendo qual sistema político adotar, o semipresidencialismo
seria uma alternativa. Entretanto o país já conta com um sistema político que,
a despeito de seus problemas peculiares, está longe de ser inviável.
Um erro comum quando se está em busca do
ideal é menosprezar os custos de mudanças, em especial se elas forem muito
profundas. Um novo regime demandaria um novo período de aprendizado por parte
de eleitores e políticos, durante o qual o desempenho dos atores tende a ser
subótimo.
Foi por considerações como essa que
esta Folha deixou
a defesa do parlamentarismo e decidiu adotar uma posição mais realista, com o
apoio a aperfeiçoamentos sucessivos do sistema atual que tragam ganhos
incrementais.
Alguns deles, como a cláusula de barreira e
o fim das coligações em eleições proporcionais, estão tecnicamente em vigor. Se
essas regras forem mantidas, deverão resultar na diminuição do número de partidos
políticos, o que em tese favorecerá a formação de coalizões mais estáveis e com
menor custo de administração.
O risco que corremos é que parlamentares
por demais adaptados ao modelo ameaçam promover uma reforma política capaz de
reverter, no todo ou em parte, as medidas salutares já contratadas.
A retomada do setor de serviços e o mercado
de trabalho
Valor Econômico
O conjunto dos dados denota os enormes
desafios para recuperar o mercado de trabalho no país
A retomada gradual do setor de serviços,
confirmada esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), demonstra que ainda há um longo caminho para a recuperação do mercado
de trabalho. O setor de serviços é quem mais emprega no Brasil, representando
70% da População Ocupada. A queda da taxa de desemprego, que atingiu o recorde
de 14,7% no trimestre móvel encerrado em abril, depende, portanto, em boa
medida, da retomada mais vigorosa dos serviços.
A Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do
IBGE, mostrou que o setor cresceu 1,2% em maio ante abril, feito o ajuste sazonal,
quase em linha com a mediana de 16 analistas ouvidos pelo Valor Data, que
previam aumento de 1,3%. A expectativa é que os serviços ajudem a puxar o
crescimento da economia no segundo semestre, à medida que avançar a vacinação
contra a covid-19. Enquanto o setor de serviços não se recuperar de forma mais
vigorosa, não haverá retomada substancial do emprego.
Essa é uma das principais razões que
explicam o fato de que, apesar das previsões de retomada da economia, a
desocupação continua elevada. As estimativas sugerem crescimento de mais de 5%
do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano. E mesmo assim a taxa de
desocupação tende a ficar em dois dígitos por mais tempo mesmo que o indicador
ceda um pouco até o fim do ano em relação aos níveis atuais, ajudado pela
recuperação dos serviços.
Mas há outras razões que também justificam
a dicotomia entre retomada econômica e taxa de desemprego. Uma delas é que o
mercado de trabalho costuma ser um dos últimos a reagir no processo de
recuperação da economia. A criação e o fechamento de vagas seguem os passos da
atividade, mas com algum atraso. Essa é uma realidade verificada em situações
normais. Na pandemia, a retomada do mercado de trabalho, que atingiu mais os
trabalhadores informais do que os formais, também será mais lenta. É
importante, nesse contexto, avançar em soluções para reduzir o custo de se
produzir e investir no Brasil, medidas necessárias para acelerar a retomada e,
por consequência, a geração de emprego e renda.
Como mostrou o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego ficou em 14,7% no
trimestre encerrado em abril de 2021, de acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Continua (Pnad Contínua).
Projeções de bancos e de especialistas
apontam que esse percentual deve cair, situando-se, em dezembro deste ano, em
13,7%, como prevê, por exemplo, a consultoria IDados. Há bancos que estimam
recuo ainda maior do desemprego no fim do ano.
Mesmo assim o mercado - entre contratações
e desligamentos - vai continuar pressionado pelo grande número de pessoas que
deve retornar à força de trabalho. Importante lembrar que o conceito de
desocupação considera as pessoas sem trabalho que, no período da pesquisa do
IBGE, tomaram alguma providência para consegui-lo. Não entram na conta do
desemprego, portanto, as pessoas que não estão procurando ocupação.
Dados do IBGE mostram que o Brasil tem
177,1 milhões de pessoas em idade de trabalhar. São indivíduos com 14 anos ou
mais. Entre aqueles que estão dentro da força de trabalho, 85,9 milhões
correspondiam, em abril, a pessoas ocupadas (empregados, empregadores e
funcionários públicos), número estável em relação ao trimestre móvel anterior.
E havia ainda 14,8 milhões de desocupados, alta de 3,4% em relação ao trimestre
anterior (489 mil pessoas a mais).
Existe a expectativa de que o avanço da
vacinação contra a covid-19 faça com que pessoas que deixaram de buscar emprego
por medo da pandemia voltem a fazê-lo. Mas há outros problemas. Um deles é o
grande número de pessoas que têm ocupação, mas enfrentam jornada de trabalho
reduzida, que o IBGE considera como subocupados. É o desperdício da mão de
obra.
A taxa de subutilização da força de
trabalho, no trimestre encerrado em abril, era de 29,7%. De fevereiro a abril,
havia 33,3 milhões de pessoas subutilizadas, segundo o IBGE. Esse contingente
inclui desempregados, pessoas que trabalham menos horas do que precisariam e os
trabalhadores que não buscam emprego, mas gostariam de trabalhar. O indicador é
um bom termômetro do mercado de trabalho, por englobar a subocupação e a
desistência da procura por trabalho. O conjunto dos dados denota os enormes
desafios para recuperar o mercado de trabalho no país.
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