quinta-feira, 15 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões/Editoriais

EDITORIAIS

Congresso precisa aprovar logo a ‘PEC do Pazuello’

O Globo

A reforma política estapafúrdia apresentada na terça-feira na Câmara — num momento em que reforma política é tudo aquilo de que o Brasil menos precisa — não deve obscurecer uma notícia alvissareira. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) que impede militares da ativa de assumir cargos civis no governo, medida crucial para o Brasil e benéfica para as Forças Armadas, ultrapassou o número mínimo de assinaturas e começará a tramitar. “A tramitação da matéria, em frutífero diálogo entre o Parlamento e as Forças Armadas, fortalecerá a democracia”, afirma nota conjunta de cinco ex-ministros da Defesa.

É preciso que deputados e senadores deem celeridade a essa mudança simples no texto constitucional, que estabelece, para que ocupem cargos civis, os mesmos critérios já adotados para militares que queiram concorrer em eleições: afastar-se, se tiverem menos de dez anos de carreira, ou reformar-se, se tiverem mais. É o bastante para evitar a intromissão inconstitucional e perigosa da caserna na política.

Quando se testemunham fatos no calor do momento, muitas vezes é difícil discernir os graves dos inofensivos. Foi grave, porém, a falta de punição ao ex-ministro Eduardo Pazuello, militar da ativa que participou de ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Rio. Com episódios como esse, perde o Brasil, perdem as Forças Armadas.

Logo que assumiu, Bolsonaro defendia a presença militar em cargos civis sob o argumento de que não se podia jogar fora a capacidade técnica dos fardados. Não era exatamente novidade. Durante os governos do PT, o Exército construiu estradas e aeroportos. A inovação de Bolsonaro foi levar integrantes das Forças Armadas para dentro da política e de várias áreas do governo.

Os defensores do presidente fazem comparações entre militares e servidores do Ministério das Relações Exteriores, há muito presentes em ministérios. É uma falácia. Para quem ainda precisava de uma prova de que a ideia era péssima, ela veio quando o ministro da Defesa e os comandantes das três Forças emitiram nota tentando impor limites à atuação da CPI da Covid. Alguém já imaginou o Itamaraty tendo a ousadia de intimidar um Poder da Federação dessa forma?

Com mais de 6 mil militares em funções civis, pode ser questão de tempo até que novos indícios de escândalos surjam, como os recentes envolvendo a compra de vacinas. Com militares da ativa no governo, não serão as queixas do ministro ou dos três comandantes que impedirão a divulgação e a investigação de eventuais malfeitos que maculem a imagem das Forças Armadas.

Uma característica dos países na América Latina é a falta de grandes ameaças externas. Para os militares, seria um dado positivo, mas acaba por orientá-los às questões internas. É um erro. O dever deles está estabelecido com clareza na Constituição. Para cumpri-lo, precisam manter-se afastados da política, exatamente como sempre fizeram desde a redemocratização. É evidente que não há nem interesse nem competência no Alto-Comando para governar ou se meter em política. A PEC da deputada Perpétua Almeida traça com simplicidade, clareza e precisão a fronteira de atuação dos militares. Merece toda a atenção e precisa ser aprovada com urgência.

Mudança na divulgação de queimadas revela tentativa de controlar dados

O Globo

O governo anunciou, na terça-feira, que a divulgação de dados sobre alertas de queimadas, feita durante mais de três décadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), passará a ser concentrada no Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), órgão do Ministério da Agricultura. Quanto mais explicações o Planalto dá para justificar a mudança, mais inexplicável ela fica diante dos sucessivos recordes de focos de incêndio na Amazônia — e não se pode dizer que a culpa seja do Inpe.

O diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Miguel Ivan Lacerda, diz que as informações serão divulgadas pelo Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio, do SNM. “É um problema que o Brasil enfrentava havia décadas, na verdade havia mais de 40 anos, e nunca foi tratado. A pulverização ou a dissonância da divulgação de dados sobre incêndio.”

Ora, desde quando “pulverização de dados” e “dissonância” entre eles constituem problema? Trata-se de total inversão achar que o obstáculo está na divulgação de mais informação, mesmo que haja eventual divergência, e não nas queimadas que consomem os biomas — em junho, o número de focos de calor na Amazônia foi o maior para o mês em 14 anos. A reunião para tratar da mudança, coordenada pela Casa Civil, envolveu os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações, da Defesa e da Agricultura. Não se vê empenho semelhante para atacar a raiz do problema.

Na verdade, o governo continua a agir em sentido contrário. É flagrante o desmantelamento dos órgãos ambientais. Como mostrou reportagem do GLOBO, o Ibama tem apenas 27% dos analistas necessários para fiscalização. Em maio, a Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas da autarquia defendeu promover concurso para contratar 2.348 servidores, 1.264 deles analistas ambientais. Em ofício ao Ministério da Economia, o Ibama solicitou o preenchimento de apenas 655 cargos. Fiscalizar para que, se, antes mesmo de assumir, Jair Bolsonaro já prometia acabar com a “festa” de multas ambientais?

Não surpreende que o Planalto prefira esconder o sintoma, e não combater a doença. Em 2019, quando o Inpe, que trabalha com dados científicos, apontou aumento no desmatamento da Amazônia, o governo mandou exonerar o presidente do instituto, Ricardo Galvão. No ano passado, o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse, sem provas, que alguém no Inpe fazia oposição ao governo e priorizava a divulgação de dados negativos sobre queimadas. Mudaram os técnicos, mas os números continuaram desfavoráveis.

Agora a estratégia é outra. O governo decidiu acabar com o protagonismo do Inpe, cuja competência no setor é inquestionável. É mais uma tentativa de aumentar o controle sobre a divulgação de números que incomodam — e muito — o Planalto. Pouco mudará. A floresta continuará queimando, a imagem do país no exterior permanecerá calcinada, as dificuldades para o agronegócio num mundo cada vez mais atento às questões ambientais não cessarão. E o governo não conseguirá esconder o problema.

As relações civis-militares

O Estado de S. Paulo

Vem em boa hora a PEC para proibir a presença de militares da ativa em cargos da administração pública no País

 

A passagem de Eduardo Pazuello pelo Ministério da Saúde trouxe enormes problemas para o País. Muitos deles ainda estão sendo descobertos pela CPI da Covid. De toda forma, dois fatos já são de conhecimento público. A sua submissão ao presidente Jair Bolsonaro provocou atraso na vacinação contra a covid e, durante o período em que chefiou a pasta, vacinas negociadas por intermediários tiveram prioridade em relação às ofertadas pelas próprias empresas fabricantes.

A agravar o quadro, Eduardo Pazuello ocupou o cargo de ministro da Saúde sendo militar da ativa. Não é papel de militar exercer cargo civil. Entre outros problemas, sua atuação na Saúde provocou desgaste na imagem das Forças Armadas perante a opinião pública. Se já não era positivo que os militares fossem associados a uma gestão ineficiente, agora integrantes das Forças Armadas veem-se enredados em nebulosas compras de vacinas.

Segundo narrou o presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Pazuello foi informado sobre as suspeitas envolvendo a compra da vacina Covaxin, mas o intendente não viu nada de errado no contrato. Nos termos assinados pelo Ministério da Saúde, o preço por dose de Covaxin foi 11 vezes mais caro do que a oferta da própria fabricante, feita seis meses antes.

Tudo isso, que é extremamente embaraçoso para Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello, mostrou a necessidade de um aprimoramento do marco jurídico da administração pública. São muitos os perigos que envolvem a administração pública e o presidente da República quando se usa, sem grandes critérios, a possibilidade de atribuir a militares, principalmente aqueles no exercício ativo de suas funções castrenses, cargos civis.

Vem em boa hora, portanto, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), para proibir a presença de militares da ativa em cargos da administração pública. Tendo ganhado a alcunha de PEC Pazuello, a proposta já ultrapassou o mínimo necessário de assinaturas para sua apresentação.

A PEC Pazuello acrescenta um inciso ao artigo 37 da Constituição. “O militar da ativa somente poderá exercer cargos de natureza civil na administração pública, nos três níveis da Federação, desde que atendidos os seguintes requisitos: (a) se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; (b) se contar mais de dez anos de serviço passará automaticamente, no ato da posse, para a inatividade”, diz a proposta.

Na exposição de motivos, a deputada Perpétua Almeida explica que a PEC busca “resguardar as Forças Armadas dos conflitos normais e inerentes à política, e fortalecer o caráter da Marinha, do Exército e da Aeronáutica como instituições permanentes do Estado, e não de governos”.

Num Estado Democrático de Direito, o poder governamental é exercido por civis. Essa separação de funções, que já estava prevista na Constituição de 1988, tornou-se ainda mais explícita em 1999 com a criação do Ministério da Defesa.

Foi um importante e significativo marco. Substituindo os anteriores Ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, a criação do Ministério da Defesa mostrou que até mesmo a condução política dos assuntos militares e da defesa deveria ser feita por um civil e de forma integrada à administração geral do Estado. Até 2018, todos os ministros da Defesa foram civis.

Com o governo Bolsonaro, essa importante faceta do poder civil ficou esfumaçada em razão das muitas nomeações de militares da ativa para a administração pública. Por um tempo, até a chefia da Casa Civil foi ocupada por um general da ativa. Depois, o general Luiz Eduardo Ramos passou à reserva, ao contrário de Eduardo Pazuello, que está no exercício ativo até hoje.

É preciso preservar e respeitar os âmbitos de atuação civil e militar. Além de reforçar no cidadão a saudável tranquilidade de que os militares estão cumprindo suas tarefas – e não outras –, essa separação de funções contribui para despertar a responsabilidade da população para as questões políticas. São os civis, e não os militares, que devem dar solução aos problemas políticos.

O imperturbável procurador-geral

O Estado de S. Paulo

A passividade do procurador-geral da República, Augusto Aras, não tem incomodado apenas cidadãos que pouco sabem a respeito dos deveres constitucionais do chefe do Ministério Público Federal (MPF).

Esta atitude imperturbável de Aras diante de declarações, ações e omissões potencialmente criminosas do presidente Jair Bolsonaro, que em alguns momentos chega a flertar com a subserviência, também tem motivado reações de seus colegas de parquet e até mesmo da alta cúpula do Poder Judiciário.

Ainda está fresca na memória a admoestação pública feita pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), diante da inação de Aras ao ser confrontado com os indícios de prevaricação de Bolsonaro no caso da compra da vacina indiana Covaxin. A ministra relembrou ao procurador-geral que “no desenho das atribuições do Ministério Público não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.

Mais recentemente, cinco membros do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) enviaram uma representação a Aras em que exortam o procurador-geral a avaliar se o presidente da República cometeu crime de abuso de poder ao disseminar dúvidas em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro. “(O discurso do presidente) tem traços evidenciadores de grave e concreta ameaça ao principal instrumento de concretização de uma democracia”, diz trecho do documento, subscrito pelos subprocuradores Nicolao Dino, José Adonis Callou, Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen e José Elaeres Teixeira.

Bolsonaro tem chantageado a Nação, dizendo claramente que, se o Congresso não aprovar a volta do voto impresso – como tudo indica que não aprovará –, o País corre o risco de “não ter eleição no ano que vem”, e, caso tenha, ele não só não aceitará o resultado das urnas, como mobilizará seus camisas pardas para contestar a higidez do pleito.

As reiteradas ameaças de Bolsonaro, indignas do cargo que ele ocupa, podem configurar mais do que crime de responsabilidade – o que já seria razão bastante para apeá-lo da Presidência. Podem ser crimes comuns, como indica a representação assinada pelos subprocuradores-gerais. Augusto Aras não pode simplesmente ser um “espectador” das maiores agressões que o Estado Democrático de Direito tem sofrido.

Há poucos dias, nada menos do que oito ex-procuradores-gerais da República defenderam a segurança do sistema eletrônico de votação no País – um modelo para o mundo – e afirmaram que “insinuações contra o sistema devem ser prontamente repelidas”. Em nota conjunta, intitulada Em defesa da verdade e do sistema eleitoral brasileiro, os ex-procuradores-gerais Raquel Dodge, Roberto Gurgel, Cláudio Fonteles, Sepúlveda Pertence, Rodrigo Janot, Antônio Fernando de Souza, Aristides Junqueira e Inocêncio Coelho afirmaram que “jamais houve o mais mínimo indício comprovado de fraudes nas urnas”. Tivesse havido, prosseguem, “o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral teriam atuado prontamente, coerentes com a sua história de enfrentamento de qualquer ameaça à lisura dos pleitos”.

A representação subscrita pelos membros do CSMPF tem o mérito de ressaltar o caráter preventivo da legislação eleitoral, para evitar a perpetração de condutas que ponham em perigo a segurança e, sobretudo, a regularidade das eleições. A Constituição é de uma clareza solar ao determinar que incumbe ao Ministério Público, entre outras atribuições, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Ora, são precisamente estes os alvos de Jair Messias Bolsonaro quando o presidente da República ameaça a realização das eleições de 2022 no Brasil.

Muito tem sido especulado sobre as razões de fundo que têm levado Augusto Aras a adotar uma atitude passiva no que concerne aos atos do governo federal, em especial de Bolsonaro. Pouco importam suas motivações. Fato é que, se o procurador-geral deixar de agir diante das flagrantes ilegalidades cometidas pelo presidente da República, ferirá de morte a letra da Constituição e, assim, aviltará o cargo que ocupa.

Picadinho tributário

O Estado de S. Paulo

Muito limitada, a proposta fica longe de uma verdadeira reforma tributária

Arremedo de reforma, o picadinho tributário em tramitação no Congresso poderá produzir, entre outros efeitos, uma perda de receita de R$ 30 bilhões em 2023 – um resultado incompatível, à primeira vista, com os gastos adicionais já previstos, como a ampliação da assistência aos pobres. O novo Bolsa Família, reformulado e possivelmente rebatizado como Renda Cidadã, deverá consumir R$ 51,5 bilhões em 2022, segundo estimativa divulgada há cerca de um mês. “Não há espaço fiscal para uma redução tão elevada”, disse ao Estado o ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid. O corte de arrecadação foi indicado em parecer apresentado pelo relator do projeto de alteração do Imposto de Renda (IR), deputado Celso Sabino (PSDB-PA).

A redução da carga atende às pressões contrárias à taxação de lucros e dividendos distribuídos a acionistas. Empresários e investidores do setor financeiro podem ficar satisfeitos com a alteração do projeto, apoiada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Ao concordar com o relator, o ministro parece renunciar a um dos objetivos iniciais da proposta – uma distribuição mais equitativa dos encargos fiscais. O corte foi anunciado sem apresentação de medidas compensatórias.

O relatório pode ter aperfeiçoado o projeto em alguns pontos, admitem especialistas, mas o defeito original permaneceu, até por ser insanável pelo trabalho de um relator. As alterações tributárias até agora desenhadas no Ministério da Economia têm ficado muito longe de uma verdadeira reforma.

A equipe econômica apresentou até agora duas propostas. A primeira cuidou da unificação do PIS/Pasep e da Cofins. A segunda trata da mudança na tributação de lucros e dividendos. Mas o sistema brasileiro é muito mais complexo e inclui tributos estaduais e municipais.

De janeiro a maio deste ano, o governo central arrecadou R$ 759,5 bilhões. Nesse período, os governos estaduais coletaram com seu principal tributo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), R$ 249,8 bilhões, cerca de um terço da receita do poder central. Além de volumoso, o principal imposto dos Estados atinge os cidadãos de modo mais sensível e de forma frequentemente injusta. Além disso, amplia os custos, complica a gestão empresarial e afeta as decisões de investimento, quando é usado como arma de guerra fiscal. Não há como promover uma efetiva reforma sem levar em conta o ICMS.

Ao cuidar de mudanças na tributação, o governo deveria ter seguido o caminho apontado pela PEC 45, já em tramitação na Câmara, um projeto amplo e com potencial de tornar o sistema bem mais equitativo, mais simples e mais funcional, até pela redução das diferenças das condições tributárias dos Estados. O peso dos impostos é apenas um dos entraves à competitividade gerados pelo sistema em vigor. O tempo e o esforço gastos apenas para cuidar da complexidade tributária têm sido citados, com destaque, em estudos sobre a capacidade competitiva das empresas brasileiras.

Na reforma tributária, assim como em outras questões, a equipe econômica exibe uma escassa percepção do dia a dia da vida empresarial e de outros aspectos da economia brasileira. Esse dia a dia inclui enormes complicações, frequentemente injustificáveis, enfrentadas por quem precisa planejar os negócios e administrar uma companhia, mesmo pequena. Quando se tem uma noção mais clara desse dia a dia – e do ambiente onde se realizam os negócios –, torna-se mais evidente a importância de cuidar de todo o sistema tributário, quando se pretende reformá-lo.

O ideal seria apresentar um projeto completo, observou o professor Nelson Marconi, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Quando se apresenta a reforma em pedaços, “que por sua vez podem ser votados de forma retalhada, ninguém consegue prever qual será o resultado líquido, seja em termos de arrecadação, seja em termos de eficiência e oneração”, acrescentou. É uma questão de bom senso, uma condição ignorada pelo governo em seu projeto de reforma tributária.

Vacinas em alta

Folha de S. Paulo

Adesão a imunizantes é recorde, mostra Datafolha; avanço não dispensa precauções

Toda a má vontade do governo federal não impediu que a adesão dos brasileiros à vacinação contra a Covid-19 se tornasse um sucesso. Conforme pesquisa do Datafolha, 56% da população acima de 16 anos já recebeu algum imunizante e 38% pretendem fazê-lo.

A soma, de 94%, é a mais alta desde que tais perguntas começaram a ser feitas pelo instituto, em agosto do ano passado. Apesar de problemas pontuais que merecem a atenção das autoridades, os dados do programa nacional de vacinação se mostram mais alentadores.

O número de mortes e de casos graves diminui de modo notável há cerca de três semanas, embora permaneça em patamares elevados. Considere-se o caso de São Paulo: em meados de abril, a pandemia matava mais de 800 pessoas por dia no estado, média que baixou a 350 neste julho.

Deve-se notar que, nos piores momentos de 2020, entre junho e julho, o morticínio diário era de cerca de 270 pessoas; que, em novembro, chegou a ser de menos de 90. O risco de infecção e morte, pois, ainda é maior que em 2020.

Tal situação deve mudar em breve. Cerca de 63% dos adultos tomaram ao menos uma injeção de vacina em São Paulo (acima, portanto, da média brasileira).

É realista a perspectiva de que todas as pessoas de 18 anos ou mais tenham recebido uma dose até 20 de agosto, como promete o governo paulista. A proteção geral aumenta, com mais imunizados por vacina ou por infecção natural.

Governadores e prefeitos planejam atingir pessoas de 12 a 17 anos já a partir do próximo mês, numa estratégia que pode ser razoável, a depender do estoque disponível.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, há cerca de 850 mil jovens nessa faixa etária, e falta ainda a segunda dose para mais de 1,9 milhão de pessoas com 50 anos ou mais —era nesse grupo de idade que morriam 90% das pessoas por Covid-19 antes de haver vacina.

Deve-se considerar, ademais, o risco de que o avanço da imunização induza a algum relaxamento precipitado por parte da população ou dos governantes, enquanto a taxa de transmissão do vírus ainda é alta e há a ameaça da contagiosa variante delta.

De todo modo, está consolidado o entendimento de que a vacinação é a única saída virtuosa para a superação da calamidade e a retomada plena das atividades econômicas e sociais, agora mais próxima.

Mais adiante, haverá que considerar campanhas de reforço para lidar com um vírus que, mesmo após o fim da epidemia, ainda circulará entre nós por algum tempo.

Política sem panaceia

Folha de S. Paulo

Melhor aperfeiçoar sistema que apostar em reviravoltas como semipresidencialismo

Sempre que as instituições passam por algum estresse, surgem propostas de mudanças profundas do sistema político. No Brasil, por muito tempo, era o parlamentarismo que fazia as vezes de panaceia. Mais recentemente, começou-se a falar em semipresidencialismo.

Trata-se de um regime em que convivem um presidente com poderes, normalmente eleito pelo voto direto, e um primeiro-ministro, encarregado do dia a dia da administração, que responde ao Parlamento. Como em todos os arranjos do gênero, há prós e contras.

No contexto brasileiro, a vantagem seria conciliar o pendor nacional por eleições diretas para presidente —evidenciado nos plebiscitos de 1963 e 1993, quando a sociedade optou pelo presidencialismo— com virtudes do parlamentarismo, notadamente a maior responsabilização do Congresso e a agilidade na solução de crises.

Pelo lado negativo, o semipresidencialismo tende a promover uma certa confusão entre as responsabilidades do presidente e do premiê. Outro ponto fraco potencial é a coabitação (quando os dois líderes máximos pertencem a grupos políticos rivais), que pode levar a períodos difíceis, marcados por imobilismo e obstruções.

Se o Brasil tivesse sido descoberto ontem e estivéssemos debatendo qual sistema político adotar, o semipresidencialismo seria uma alternativa. Entretanto o país já conta com um sistema político que, a despeito de seus problemas peculiares, está longe de ser inviável.

Um erro comum quando se está em busca do ideal é menosprezar os custos de mudanças, em especial se elas forem muito profundas. Um novo regime demandaria um novo período de aprendizado por parte de eleitores e políticos, durante o qual o desempenho dos atores tende a ser subótimo.

Foi por considerações como essa que esta Folha deixou a defesa do parlamentarismo e decidiu adotar uma posição mais realista, com o apoio a aperfeiçoamentos sucessivos do sistema atual que tragam ganhos incrementais.

Alguns deles, como a cláusula de barreira e o fim das coligações em eleições proporcionais, estão tecnicamente em vigor. Se essas regras forem mantidas, deverão resultar na diminuição do número de partidos políticos, o que em tese favorecerá a formação de coalizões mais estáveis e com menor custo de administração.

O risco que corremos é que parlamentares por demais adaptados ao modelo ameaçam promover uma reforma política capaz de reverter, no todo ou em parte, as medidas salutares já contratadas.

A retomada do setor de serviços e o mercado de trabalho

Valor Econômico

O conjunto dos dados denota os enormes desafios para recuperar o mercado de trabalho no país

A retomada gradual do setor de serviços, confirmada esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstra que ainda há um longo caminho para a recuperação do mercado de trabalho. O setor de serviços é quem mais emprega no Brasil, representando 70% da População Ocupada. A queda da taxa de desemprego, que atingiu o recorde de 14,7% no trimestre móvel encerrado em abril, depende, portanto, em boa medida, da retomada mais vigorosa dos serviços.

A Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do IBGE, mostrou que o setor cresceu 1,2% em maio ante abril, feito o ajuste sazonal, quase em linha com a mediana de 16 analistas ouvidos pelo Valor Data, que previam aumento de 1,3%. A expectativa é que os serviços ajudem a puxar o crescimento da economia no segundo semestre, à medida que avançar a vacinação contra a covid-19. Enquanto o setor de serviços não se recuperar de forma mais vigorosa, não haverá retomada substancial do emprego.

Essa é uma das principais razões que explicam o fato de que, apesar das previsões de retomada da economia, a desocupação continua elevada. As estimativas sugerem crescimento de mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano. E mesmo assim a taxa de desocupação tende a ficar em dois dígitos por mais tempo mesmo que o indicador ceda um pouco até o fim do ano em relação aos níveis atuais, ajudado pela recuperação dos serviços.

Mas há outras razões que também justificam a dicotomia entre retomada econômica e taxa de desemprego. Uma delas é que o mercado de trabalho costuma ser um dos últimos a reagir no processo de recuperação da economia. A criação e o fechamento de vagas seguem os passos da atividade, mas com algum atraso. Essa é uma realidade verificada em situações normais. Na pandemia, a retomada do mercado de trabalho, que atingiu mais os trabalhadores informais do que os formais, também será mais lenta. É importante, nesse contexto, avançar em soluções para reduzir o custo de se produzir e investir no Brasil, medidas necessárias para acelerar a retomada e, por consequência, a geração de emprego e renda.

Como mostrou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego ficou em 14,7% no trimestre encerrado em abril de 2021, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua (Pnad Contínua).

Projeções de bancos e de especialistas apontam que esse percentual deve cair, situando-se, em dezembro deste ano, em 13,7%, como prevê, por exemplo, a consultoria IDados. Há bancos que estimam recuo ainda maior do desemprego no fim do ano.

Mesmo assim o mercado - entre contratações e desligamentos - vai continuar pressionado pelo grande número de pessoas que deve retornar à força de trabalho. Importante lembrar que o conceito de desocupação considera as pessoas sem trabalho que, no período da pesquisa do IBGE, tomaram alguma providência para consegui-lo. Não entram na conta do desemprego, portanto, as pessoas que não estão procurando ocupação.

Dados do IBGE mostram que o Brasil tem 177,1 milhões de pessoas em idade de trabalhar. São indivíduos com 14 anos ou mais. Entre aqueles que estão dentro da força de trabalho, 85,9 milhões correspondiam, em abril, a pessoas ocupadas (empregados, empregadores e funcionários públicos), número estável em relação ao trimestre móvel anterior. E havia ainda 14,8 milhões de desocupados, alta de 3,4% em relação ao trimestre anterior (489 mil pessoas a mais).

Existe a expectativa de que o avanço da vacinação contra a covid-19 faça com que pessoas que deixaram de buscar emprego por medo da pandemia voltem a fazê-lo. Mas há outros problemas. Um deles é o grande número de pessoas que têm ocupação, mas enfrentam jornada de trabalho reduzida, que o IBGE considera como subocupados. É o desperdício da mão de obra.

A taxa de subutilização da força de trabalho, no trimestre encerrado em abril, era de 29,7%. De fevereiro a abril, havia 33,3 milhões de pessoas subutilizadas, segundo o IBGE. Esse contingente inclui desempregados, pessoas que trabalham menos horas do que precisariam e os trabalhadores que não buscam emprego, mas gostariam de trabalhar. O indicador é um bom termômetro do mercado de trabalho, por englobar a subocupação e a desistência da procura por trabalho. O conjunto dos dados denota os enormes desafios para recuperar o mercado de trabalho no país.

 

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