Correio Braziliense
Sua internação muda o clima político, gera
uma cadeia de solidariedade entre seus apoiadores e refreia a ofensiva de seus
adversários
Nove entre 10 políticos de oposição
atribuem a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 à facada que levou em Juiz de Fora
(MG). A partir daí, a ascensão do principal candidato antissistema, no então
nanico PSL e com pouquíssimo tempo de televisão, tornou-se irreversível. Sem
ter que debater com os aniversários nem apresentar propostas de governo,
Bolsonaro caminhou para a vitória. Sem sair do hospital, atropelou nas urnas os
adversários. E derrotou o petista Fernando Haddad no segundo turno, com apoio
maciço dos eleitores que rejeitavam o PT. Como num capítulo de O Príncipe, de
Nicolau Maquiavel, sua audácia seduziu a fortuna.
Ontem, o presidente da República foi transferido do Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, onde fora internado de madrugada, para o hospital Vila Nova Star, em São Paulo, com fortes dores abdominais e obstrução intestinal. Uma nota divulgada pela Secretaria de Comunicação afirma que Bolsonaro foi avaliado pelo cirurgião Antônio Luiz Macedo, que o acompanha desde a facada sofrida em 2018. Seu médico orientou que fosse levado para São Paulo para avaliar a necessidade de uma cirurgia de emergência.
Bolsonaro embarcou num jatinho da Força
Aérea Brasileira depois de disparar tuítes contra os adversários: “Mais um
desafio, consequência da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado
ao PSol, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros
que queriam mudanças para o Brasil. Um atentado cruel não só contra mim, mas
contra a nossa democracia”, diz o primeiro post, no qual incluiu uma foto sem
camisa no leito do hospital, já com monitoramento cardíaco e tubos nasais de
oxigênio. Sua expressão não esconde um maroto sorriso disfarçado.
A notícia imediatamente bombou nas redes
sociais, sem deixar de provocar reação dos adversários, que se aproveitaram,
obviamente, das recorrentes declarações escatológicas de Bolsonaro para
ironizar a situação na qual o presidente da República, digamos assim, não
conseguia obrar. Bolsonaro respondeu às manifestações de apoio, em linguagem de
campanha eleitoral: “Por Deus foi-nos dada uma nova oportunidade. Uma
oportunidade para, enfim, colocarmos o Brasil no caminho da prosperidade. E
mesmo com todas as adversidades, inclusive uma pandemia que levou muitos de
nossos irmãos no Brasil e no mundo, continuamos seguindo por este caminho”.
“Agradeço a todos pelo apoio e pelas
orações. É isso que nos motiva a seguir em frente e enfrentar tudo que for
preciso para tirar o país de vez das garras da corrupção, da inversão de
valores, do crime organizado, e para garantir e proteger a liberdade do nosso
povo”, acrescenta o “fio”.
Depois da facada
A narrativa do salvador da pátria predestinado está de volta: “Que Deus nos
abençoe e continue ilumando (sic) a nossa nação. Um forte abraço! – Brasil
acima de tudo; Deus acima de todos!”, sapecou, antes de o avião decolar da Base
Aérea de Brasília. Esse é o nosso presidente da República. Todas as informações
de bastidor do Palácio do Planalto revelam que há 10 dias não dormia mais de
uma hora seguida, soluçava constantemente nas solenidades e na live semanal.
Sentia muitas dores, o que aumentava a sua irritação com os auxiliares e,
naturalmente, com a CPI da Covid, que atazana sua vida.
Há meses vinha protelando uma cirurgia de
hérnia abdominal, um procedimento relativamente simples — no seu caso, porém,
um pouco mais complexo por causa das operações anteriores. Agora, corre o risco
de ter que fazê-lo numa emergência, que pode ser delicada, se não conseguir
esvaziar os intestinos no pré-operatório. Parece piada pronta, mas é a ironia
do destino.
Bolsonaro está em queda livre nas
pesquisas, em crescente isolamento político, assediado por pedidos de
impeachment e manifestações de rua cada vez maiores da oposição. As pesquisas
de opinião revelam que sua reeleição é uma missão quase impossível, diante do
favoritismo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, da busca de uma
alternativa de centro por setores da oposição moderada e da insatisfação de
muitos dos seus eleitores. Sua internação muda o clima político, gera uma
cadeia de solidariedade entre seus apoiadores e refreia a ofensiva de seus
adversários. Bolsonaro aproveita a situação para resgatar o clima que o
beneficiou eleitoralmente em 2018, depois da facada.
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