O Estado de S. Paulo
A relação e a harmonia entre os três
Poderes do Brasil, nesta quadra histórica, é “uma contração espasmódica (…)
seguida de movimento de distensão e relaxamento”, com pouco ar. Esta também é a
definição do dicionário Houaiss para “soluço”. A paz institucional desses dias
se assemelha a esse processo físico de uma anatomia que já apresenta desgastes
e deriva numa série de problemas. A ironia da reunião que não houve, entre os
três Poderes, é que ela possa ser metaforizada pelo surto de soluços que,
infelizmente, atingiu o presidente da República, Jair Bolsonaro.
Não é a primeira vez que se aventa uma reunião de Poderes para pactuar um grande acordo, uma agenda ou uma simples trégua, com compromissos de não agressão. Encontros desse tipo têm resultado em fotografias com os chefes dos três Poderes, risos pálidos com o tempo e em declarações de intenção, em convescotes nos palácios. Imagens rapidamente apagadas pela intolerância e irascibilidade da personalidade central e exaltada do presidente da República.
Jair Bolsonaro não sofre apenas de crises
de soluços – desarranjo pelo qual merece estimas de recuperação. Seu maior
problema é mesmo a inconsistência temporal de uma política feita de espasmos. O
que o presidente diz e com que se compromete, após reveses e apertos causados
por ele mesmo, não é sustentável no tempo e no âmbito do radicalismo da base
que lidera e emula. Bolsonaro se tornou refém daquilo que ele mesmo desejou e
estimulou: sua base radical, míope e negacionista. Voltar-se a acordos mais
amplos e dirigir-se ao conjunto da nação, na sua imaginação e na pressão que de
fato sofre, equivaleriam à capitulação. E, mais à frente, a isolamento ainda
maior.
Por isso, seu compromisso com esses pactos
deixou de ser crível, confiável. São apenas sinais momentâneos e parciais de
uma disposição que, na verdade, o presidente não possui. Por que essa calmaria
de agora? O próprio presidente o disse, nos cercadinhos ao pé do palácio: não
pode contar com “gente importante” ao seu lado. O PIB, o Congresso, o STF, as
ruas. Agarrado ao guidom de uma motocicleta, é um presidente “sem destino”,
movido a soluços. Que essa doença possa ser superada.
*Cientista Político e professor do Insper
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