O Globo
A proposta de reforma tributária vai tirar
R$ 10 bilhões por ano da classe C. A afirmação é do ex-secretário da Receita
Everardo Maciel, ao analisar o projeto da mudança no Imposto de Renda. O
deputado Celso Sabino (PSDB-PA) melhorou vários pontos da reforma, na avaliação
de economistas e do mercado financeiro, mas esse ponto que atinge uma parcela
dos contribuintes da classe média não foi retirado. “Cortar as unhas do demônio
não o transforma em anjo não”, diz Maciel, que discorda das mudanças, mesmo na
versão do substitutivo:
— O desconto padrão pode ser usado por qualquer um, mas ele é mais vantajoso para quem ganha até R$ 83.777 por ano. Agora, a faixa entre R$ 40 mil e R$ 83 mil não poderá fazer o desconto padrão. Se eles fazem hoje é porque é a melhor opção, então todos nesse grupo terão aumento de carga. Quem é essa faixa? O IBGE a classifica como classe C. O projeto tira R$ 10 bi da classe C e acaba com o vale-alimentação.
Esse é de fato o pior defeito do projeto.
Ele saiu do governo tão feio que foi imediatamente abandonado. Ontem, em live
no “Valor”, o ministro Paulo Guedes se comportou como se não tivesse saído da
equipe dele, e com a sua chancela, o projeto que agora o Congresso tenta
consertar. “Tinha coisa que estava guardada no armário aqui há 10 anos,
esperando a hora de ser usada. Aí foram lá e jogaram. Nós removemos.” Essa é
uma versão delirante dos fatos. O Ministério da Economia colocou os erros no
projeto e o ministro é o responsável.
Sabino defende a manutenção da limitação da
declaração simplificada, que vai atingir a classe média, porque diz que só
afetará mesmo quem não tiver filho, INSS, plano de saúde para descontar. O fato
é que se a Receita prevê arrecadação extra de R$ 10 bi com essa medida é porque
há aumento da carga para esse grupo.
Everardo Maciel discorda da taxação de
dividendos, que, no entanto, o mercado já está aceitando. Maciel explica que,
na sua visão, já existe essa taxação na prática:
— Dividendo é tributado na empresa. Quando você investe numa empresa espera
retorno, porque é investimento e não doação. Esse retorno é traduzido em
dividendo. É a materialização do retorno que já é tributado na Pessoa Jurídica.
Pode-se tributar só na empresa, só na distribuição ou nos dois. Quando o Brasil
tributava dividendo, surgiu uma coisa difícil de fiscalizar que era a
distribuição disfarçada de lucro.
Isso acontece quando as contas pessoais dos
sócios são pagas pela empresa, e de forma disfarçada está se fazendo
distribuição de lucro. Fiscalizar isso é uma trabalheira. Maciel acha também
que na prática acaba o lucro presumido, porque essa empresa terá que pagar
dividendo. Ele acha injusto pela comparação entre as duas formas de pagamento
de imposto, mas o lucro presumido tem duas vantagens: simplicidade e segurança
jurídica.
— No lucro real, você não paga se der
prejuízo. No presumido, paga de qualquer jeito. O que for prejuízo vira crédito
no lucro real. No presumido, nada pode ser compensado. No lucro real pode ter
incentivo fiscal, no presumido, não. E por que muita gente escolhe o presumido?
Porque é simples e não tem litígio. Todos os litígios hoje estão no lucro real
— explicou.
No mercado financeiro há muita gente
aliviada depois do substitutivo de Sabino, porque “muitos bodes saíram da
sala”, como me disse um operador. O maior bode saiu com a forte redução do
IRPJ. Na versão do governo haveria um brutal aumento de carga tributária.
Agora, o relator falou em perda de R$ 30 bilhões de arrecadação. Isso, por
outro lado, acendeu a luz amarela entre os economistas fiscalistas. Como
aceitar um rombo no orçamento já do ano que vem, que está em discussão no
Congresso?
Na conta de Everardo a carga aumenta para
as empresas.
— Uma empresa no lucro real paga hoje 34%.
Baixa a alíquota padrão de 15% para 2,5%. Tem o adicional de 10% e a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 9%. Já deu 21,5%. Sobraram 78,5%
depois do pagamento de impostos. Pega isso e distribui de lucro, aplica a
alíquota de 20%, aí dá 15,7% que somado ao 21,5% dá 37,2%. Isso é mais do que
34% — diz o ex-secretário.
O relator fez um esforço para falar com o
máximo de gente possível e tirou alguns pontos bem controversos do projeto, mas
não todos. Ele tentou consertar a proposta desequilibrada que saiu do
Executivo. A grande dúvida é como o Ministério da Economia errou no seu core
business. Nada é mais fazendário do que a estrutura de impostos. Ontem, Paulo
Guedes admitiu ter errado na “dosimetria”. Não foi apenas isso. Errou
redondamente.
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