O Globo
A aventada convocação do ministro da
Defesa, general Braga Netto, para depor na CPI da Covid não deveria, mas pode
causar mais atrito entre as Forças Armadas e o Senado. Os militares estão muito
suscetíveis porque militarizaram o Ministério da Saúde, que está tendo problemas
com corrupção. Foi um erro participarem do governo neste nível. Bolsonaro é o
principal incentivador dessa participação e recentemente mudou a legislação
para permitir que militares da ativa possam participar de governos sem limite
de tempo. Antes, o Estatuto dos Militares exigia que fossem para a reserva
depois de dois anos em cargos civis.
Braga Netto, por exemplo, assumiu o cargo
de chefe do Gabinete Civil e participou de negociações políticas nessa
condição, não como ministro da Defesa. Se um general da ativa, como Pazuello,
pode depor na CPI da Covid por ter sido ministro da Saúde, por que Braga Netto
não poderia?
É verdade que, na época, quando Pazuello
foi chamado a depor na CPI sobre sua gestão na Saúde, ele ameaçou comparecer
fardado, numa clara tentativa de constranger seus inquisidores. Não era o
general da ativa que estava sendo convocado, assim como não é o ministro da
Defesa no caso de Braga Netto.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que não permite que militares da ativa permaneçam em funções civis sem se afastar de suas atividades militares, ou os obriga a ir para a reserva no caso dos que têm mais de dez anos de serviço — como Pazuello —, foi considerada por ex-ministros da Defesa como um avanço institucional.
O interessante é que todos os ex-ministros
que assinaram a nota de apoio são civis — Aldo Rebelo, Celso Amorim, Jaques
Wagner, Nelson Jobim e Raul Jungmann —, o que traz à lembrança um dos pontos
capitais da criação do Ministério da Defesa: submeter os militares ao poder
civil, não para desmerecê-los, mas para fortalecer a democracia.
A intenção do então presidente Fernando
Henrique ao criar esse ministério foi reafirmar “uma política democrática e
inteligente”. Foi Michel Temer quem nomeou o primeiro militar para a pasta da
Defesa, o general Joaquim Silva e Luna, hoje presidente da Petrobras. No
governo Bolsonaro, somente militares ocuparam o cargo, distorcendo o sentido do
ministério. Essa submissão ao poder civil não significa desapreço pelos
militares. Ao contrário, significa isolá-los de ações políticas para que possam
cuidar de suas Forças.
Os comandantes das três Forças Armadas
continuam sendo personagens fundamentais na construção de uma nação
democrática, e a Constituição mantém seus papéis de garantidores da “defesa da
Pátria”, dos “poderes constitucionais” e “da lei e da ordem”, quando acionados
por um dos três Poderes da República. O presidente Bolsonaro teima em misturar
as funções e deu curso a uma interpretação do artigo 142 que permitiria, nessa
visão, uma intervenção militar. Foi desmentido cabalmente pelo Supremo Tribunal
Federal.
O estado de saúde do presidente apanhou-o
em momento difícil de pressão política, devido principalmente à CPI da Covid.
Bolsonaro está muito preocupado com a queda de popularidade, especialmente por
causa das revelações de corrupção, incompetência e outras irregularidades no
Ministério da Saúde. E está certo de que, no final, será acusado formalmente de
prevaricação e culpado pela morte de milhares de brasileiros.
Internado às pressas, Bolsonaro não se
descuidou de politizar a própria doença. Colocou no Twitter uma foto no
hospital, cheio de fios de eletrocardiograma e um tubo de oxigênio no nariz, e
relembrou que estava naquela situação devido à facada que recebeu, fazendo
questão de repetir a versão de que o atentado foi praticado por um antigo
filiado do PSOL, “o braço esquerdo do PT”.
Em que pesem a ameaça do ato para a
democracia e a gravidade das sequelas deixadas no corpo de Bolsonaro, diversas
investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal descartaram
que Adélio Bispo fizesse parte de uma conspiração política. Médicos o
consideraram desequilibrado mental.
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