segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O PT e as privatizações:: Aécio Neves

Toda mudança para melhor deve ser saudada. Por isso, devemos reconhecer como positiva, ainda que com o atraso de uma década, a privatização dos aeroportos.

Porém, uma pergunta é inevitável: por que, afinal, esperamos tanto? O governo, por inércia, permitiu que se instalasse o caos nos aeroportos e só reagiu diante da aproximação da Copa, alimentando a ideia de que só age sob pressão e tem na improvisação uma de suas marcas.

Talvez isso explique terem privatizado sem exigir garantias mínimas compatíveis com operações desse porte. Pouco parece importar se há entre os vencedores crônicos inadimplentes em outros mercados ou mesmo quem não tivesse condições de conseguir financiamento junto ao mesmo BNDES, em operação de muito menor porte.

Privatizaram fingindo não privatizar e ignoraram a oportunidade de buscar contrapartidas óbvias que pudessem garantir, em um mesmo lote, a modernização de aeroportos mais e menos rentáveis. Prevaleceu a lógica do maior ágio e do interesse comercial dos grupos privados em detrimento das populações de regiões onde os investimentos serão menos atrativos.

Por tudo isso, é desleal o ataque histriônico do PT às privatizações do governo FHC. Desleal porque em nenhum momento o programa de concessões ou privatizações foi interrompido. São as leis brasileiras que obrigam o uso de concessões em determinados serviços e não a ideologia petista, como tentam fazer crer, em risível contorcionismo verbal, alguns líderes do partido.

No governo FHC também foram feitas concessões como na área de energia elétrica. Da mesma forma que nos aeroportos, ao final do prazo de outorga os ativos retornarão à União. Aliás, é exatamente o que se discute agora -a renovação ou não de outorgas concedidas naquele período.

O episódio da privatização dos aeroportos, no qual serão usados recursos públicos do BNDES e dos fundos de pensão, prática demonizada pelo PT, que neles via um mero instrumento de financiamento do lucro privado, traz à tona uma outra indagação cada vez mais comum entre os brasileiros: afinal, o que pensa e qual é o PT de verdade? O do discurso ou o da realidade? O que lutou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Proer e o Plano Real ou o que os elogia hoje?

O PT dos paladinos da ética ou o do recorde de ministros derrubados por desvios? O que ataca as privatizações ou o que as realiza? O que, na oposição, defende de forma indiscriminada todo tipo de greve ou o que, no governo, reage a elas?

No mais, vale registrar: a insistência do PT em comparar modelos de privatização é bem vinda. Até porque não deixa de ser divertido ouvir o PT discutir quem privatiza melhor.

Aécio Neves, senador (PSDB-MG).

Um sonho que acabou:: Ferreira Gullar

Nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem permissão

É com enorme dificuldade que abordo este assunto: mais uma vez -a 19ª- o governo cubano nega permissão a que Yoani Sánchez saia do país. A dificuldade advém da relação afetiva e ideológica que me prende à Revolução Cubana, desde sua origem em 1959. Para todos nós, então jovens e idealistas, convencidos de que o marxismo era o caminho para a sociedade fraterna e justa, a Revolução Cubana dava início a uma grande transformação social da América Latina. Essa certeza incendiava nossa imaginação e nos impelia ao trabalho revolucionário.

Nos primeiros dias de novo regime, muitos foram fuzilados no célebre "paredón", em Havana. Não nos perguntamos se eram inocentes, se haviam sido submetidos a um processo justo, com direito de defesa. Para nós, a justiça revolucionária não podia ser questionada: se os condenara, eles eram culpados.

E nossas certezas ganharam ainda maior consistência, em face das medidas que favoreciam aos mais pobres, dando-lhes enfim o direito a estudar, a se alimentar e a ter atendimento médico de qualidade. É verdade que muitos haviam fugido para Miami, mas era certamente gente reacionária, em geral cheia da grana, que não gozaria mais dos mesmos privilégios na nova Cuba revolucionária.

Sabíamos todos que, além do açúcar e do tabaco, o país não dispunha de muitos outros recursos para construir uma sociedade em que todos tivessem suas necessidades plenamente atendidas. Mas ali estava a União Soviética para ajudá-lo e isso nos parecia mais que natural, mesmo quando pôs na ilha foguetes capazes de portar bombas atômicas e jogá-las sobre Washington e Nova York. A crise provocada por esses foguetes pôs o mundo à beira de uma catástrofe nuclear.

Mas nós culpávamos os norte-americanos, porque eles encarnavam o Mal, e os soviéticos, o Bem. Só me dei conta de que havia algo de errado em tudo isso quando visitei Cuba, muitos anos depois, e levei um susto: Havana me pareceu decadente, com gente malvestida, ônibus e automóveis obsoletos.

Comentei isso com um companheiro que me respondeu, quase irritado: "O importante é que aqui ninguém passa fome e o índice de analfabetismo é zero". Claro, concordei eu, muito embora aquela imagem de país decadente não me saísse da cabeça.

Impressão semelhante -ainda que em menor grau- causaram-me alguns aspectos da vida soviética, durante o tempo que morei em Moscou. O alto progresso tecnológico militar contrastava com a má qualidade dos objetos de uso. O que importava era derrotar o capitalismo e não o bem-estar e o conforto das pessoas. Mas os dirigentes do partido usavam objetos importados e viam os filmes ocidentais a que o povo não tinha acesso.
Se a situação econômica de Cuba era precária, mesmo quando contava com a ajuda da URSS, muito pior ficou depois que o socialismo real desmoronou. É isso que explica as mudanças determinadas agora por Raúl Castro.

Mas, antes delas, já o regime permitira a entrada de capital norte-americano para construir hotéis, que hoje hospedam turistas ianques, outrora acusados de transformar o país num bordel. Agora, o governo estimula o surgimento de empresas capitalistas, como o faz a China. Está certo desde que permita preservar o que foi conquistado, já que a alternativa é o colapso econômico.

Tudo isso está à mostra para todo mundo ver, exceto alguns poucos sectários que se negam a admitir ter sido o comunismo um sonho que acabou. Mas há também os que se negam a admiti-lo por impostura ou conveniência política.

Do contrário, como entender a atitude da presidente Dilma Rousseff que, em recente visita a Cuba, forçada a pronunciar-se sobre a violação dos direitos humanos, preferiu criticar a manutenção pelos americanos de prisioneiros na base aérea de Guantánamo, o que me fez lembrar o seguinte: um norte-americano, em visita ao metrô de Moscou, que, segundo os soviéticos, não atrasava nunca nem um segundo sequer, observou que o trem estava atrasado mais de três minutos. O guia retrucou: "E vocês, que perseguem os negros!".

A verdade é que nem eu nem a Dilma nem nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem a permissão do governo.

FONTE: ILUSTRADA/FOLHA DE S. PAULO

Uma questão de números: Merval Pereira

A disputa pelo controle político da nova classe C, explicitada pela preocupação do ministro Gilberto Carvalho de não a deixar "à mercê" de influências conservadoras, tem razões quase matemáticas: cerca de 39,6 milhões ingressaram nas fileiras da chamada nova classe média entre 2003 e 2011, número que vira 59,8 milhões se contarmos desde 1993.

Ela já corresponde, desde o ano passado, a 55,05% da população brasileira, ou seja, 100,5 milhões de brasileiros têm hoje renda entre R$ 1.200 e até R$ 5.174 mensais.

Para o economista da Fundação Getulio Vargas no Rio Marcelo Neri, isso significa que a nova classe média brasileira não só inclui o eleitor mediano, aquele que decide o segundo turno de uma eleição, mas também que ela poderia sozinha decidir um pleito eleitoral.

Complementarmente, a nova classe média é a classe também dominante do ponto de vista econômico, pois já concentrava 46,6% do poder de compra dos brasileiros em 2011, superando as classes A e B, essas com 45,6% do total do poder de compra.

As demais classes, D e E, têm hoje 7,8% do poder de compra, caindo do nível de 19,79%, de logo antes do lançamento do Plano Real.

As escolhas eleitorais serão, portanto, pela nova classe média e para a nova classe média. Para o economista da FGV do Rio, "Lula é a cara da nova classe média, FH e Dilma lembram mais a classe média mais tradicional do ponto de vista simbólico".

Marcelo Neri ressalta que, quando as pessoas sobem na vida, começam a ter o que perder e ficam mais conservadoras. "Portanto, vai depender da capacidade do governo de manter os movimentos nos últimos anos. Não só de crescimento, mas em particular a redução de desigualdade observada desde 2001".

Perspectiva para o futuro é um ponto especialmente forte no Brasil, Neri ressalta, lembrando que, segundo pesquisa de Felicidade Futura entre 150 países, o Brasil é tricampeão mundial.

Para o cientista político Amaury de Souza, a disputa pela classe média, sobretudo pelo voto dos evangélicos, "diz respeito aos projetos do PT que têm sido duramente criticados pelos evangélicos dentro e fora do Congresso como descriminação do aborto, união civil de homossexuais, criminalização da homofobia (nos termos do projeto de lei 122, de 2006) e o kit antihomofobia que seria distribuído nas escolas públicas pelo Ministério da Educação".

Vida, reprodução e morte constituem o cerne de qualquer religião, ressalta Amaury de Souza.

A aprovação maciça da operação da Polícia Militar na Cracolândia, revelada por pesquisa do Datafolha, segundo a qual a ação contou com o apoio de nada menos que 82% da população da cidade, é reflexo, na visão de Amaury de Souza, do posicionamento conservador não só da nova classe média, mas de praticamente toda a população de São Paulo e, provavelmente, do Brasil.

Mas ele ressalta que a pesquisa mostrou também que não se deve equacionar conservadorismo com repressão pura e simples.

"Os mesmos entrevistados mostram-se céticos quanto à eficácia dessa ação para acabar com o tráfico e o uso de crack e não acreditam que os usuários devam ser punidos pelo vício, sendo preferíveis medidas como a internação para tratamento, mesmo que compulsória", ressalta.

Amaury de Souza considera difícil que a grande popularidade da presidente Dilma Rousseff possa melhorar a imagem do PT.

Para ele, o próprio PT não está isento de responsabilidade pelo desgaste de sua imagem.

"Desde a eleição de Lula em 2002, o partido enceta um "aggiornamento" à socapa, abandonando posicionamentos históricos sem uma precedente autocrítica como o fez ao abraçar a ortodoxia econômica e, mais recentemente, a privatização e a punição de grevistas do setor público." É também de sua própria lavra, lembra o cientista político, a perda do discurso da ética pelo engajamento de seus dirigentes e políticos no mensalão.

Assim, ele acha que "é provável que o PT até sofra maior desgaste à medida que a presidente Dilma se torne mais popular".

Já Marcelo Neri lembra que, quando as expectativas são altas, também pode ser a queda, a decepção. "As pessoas adquirem novos hábitos quando sobem na vida e são mais sensíveis às quedas do que a aumentos de níveis de vida", avalia Neri.

A avaliação dependeria também do passado, mas não tanto do passado remoto, pois ao longo do tempo o presente se torna gradativamente passado remoto.

Seria o caso, por exemplo, dos brasileiros que não se conformam com as votações na internet que colocam Maradona à frente de Pelé como melhor jogador de futebol de todos os tempos.

"Pleitos são decididos pela experiência prática de cada um: a geração mais nova não viu Pelé jogar, mas viu ao vivo e a cores os gols do craque argentino." A mesma lógica valeria para a estabilização econômica de Fernando Henrique Cardoso. Como explica o economista Marcelo Neri, o Brasil foi o país com maior inflação no mundo entre 1970 e 1995, tanta inflação que, mesmo após 16 anos de estabilidade, somos o segundo em inflação acumulada desde 1970, perdendo apenas para a República do Congo.

"O fato é que o jovem brasileiro de hoje não tem na memória o pesadelo inflacionário pregresso e também não o vê como ameaça futura", ressalta Neri.

Na redução da desigualdade de renda brasileira de 2001 a 2009, a renda per capita dos10% mais ricos aumentou 1,5% ao ano, e a dos 10% mais pobres, 6.8% por ano.

Mais do que o "É a economia, estúpido!" da eleição dos EUA de 1992, Neri diz que o mais adequado para representar a eleição brasileira talvez seja: "É o social, companheiro!".

Por isso o ministro Gilberto Carvalho não se cansa de repetir que o governo precisa manter o crescimento econômico para não perder o controle eleitoral desses novos emergentes.

FONTE: O GLOBO

Debate tolo:: Míriam Leitão

Uma discussão ociosa surgiu depois da privatização dos aeroportos: quem privatiza melhor, PT ou PSDB? O PT, que usou eleitoralmente a privatização como sinônimo de roubo do patrimônio coletivo, fez o que condenava. Os processos foram parecidos, têm virtudes e defeitos. O Brasil tem muita necessidade de investimento em infraestrutura e está na hora de um debate mais maduro.

A ideia de que o governo Fernando Henrique fez privatização e o PT faz apenas concessão é tola. Uma siderúrgica se vende. Um serviço público se leiloa a concessão. Foi assim na telefonia, energia, estradas, aeroportos.

Houve erros em todos os leilões - de qualquer governo - e o mais recorrente é o dinheiro público ajudar a pagar o que o setor público está vendendo. Nas privatizações de FH, o BNDES financiou os compradores com dinheiro subsidiado. No leilão da última semana, os altos ágios serão pagos pelas Sociedades de Propósito Específico que serão criadas pelos consórcios vencedores com a Infraero. A estatal terá 49%. Como ela será parte da empresa que vai pagar a conta ficará na estranha situação de ter parte de suas receitas usada para pagar por um ativo que antes era 100% dela.

A maior virtude em todos os processos é o pragmatismo. Em vez de ter enormes prejuízos fabricando aço e usar dinheiro do Tesouro para capitalizar siderúrgicas, o governo passou a receber impostos sobre lucros crescentes de empresas que passaram a ser mais bem administradas. Em vez do absurdo atraso nas telecomunicações, vender as concessões para que novas empresas, mais ágeis, atendessem à explosiva demanda por telefone. Foi o que o governo FH fez, felizmente.

É a mesma esperança com os aeroportos. O Brasil está engargalado e precisa de novas empresas, inclusive internacionais, ajudando a remover os obstáculos ao crescimento. No caso dos aeroportos, o melhor era mesmo privatizar os mais rentáveis. É o que o governo Dilma está fazendo.

O Brasil precisa de uma montanha considerável de dinheiro para se tornar um país eficiente do ponto de vista logístico. O Instituto Ilos fez um estudo que divulguei esta semana no "Globo a Mais" mostrando que o país precisará investir R$ 900 bilhões para chegar ao patamar dos Estados Unidos em infraestrutura. O professor Paulo Fernando Fleury explicou que se o país investir 2% do PIB em rodovias, portos, aeroportos e ferrovias durante 25 anos conseguirá chegar ao nível de hoje dos americanos.

- Isso não é impossível porque em 1975 o Brasil investiu 1,8%. Atualmente está investindo 0,8% - disse Fleury.

Entre 2004 e 2010, o transporte de mercadorias por aviões aumentou 26%. Pelas rodovias, 23,6%; pelas ferrovias, 35%. O transporte aéreo de passageiro tem crescido a uma média de 10% ao ano. Temos exigido cada vez mais de todas as malhas de transporte do Brasil, e o Estado sozinho não consegue acompanhar.

O presidente da Infraero, Gustavo do Vale, me disse, em entrevista na Globonews, que a privatização foi feita dentro da equação financeira para que a empresa possa ter receitas para cuidar de outros aeroportos, grande parte deles deficitários, mas importantes para o país. A Infraero fez a projeção de crescimento da demanda para os próximos 30 anos e descobriu que só na região da Grande São Paulo será necessário um novo aeroporto com a dimensão de Guarulhos, para atender 30 milhões de usuários. A infraestrutura terá que crescer espantosamente nos próximos anos, e por isso o monopólio estatal da Infraero era insustentável.

O Galeão, explicou Gustavo do Vale, é tão velho que há dificuldade de encontrar peças de reposição. Tem 70 escadas rolantes, 65 elevadores, está sendo readequado e ampliado para demandas imediatas.

- O Galeão é importante para o Brasil, não apenas para o Rio. Temos daqui a alguns meses a Rio+20. Em 2013, teremos a Copa das Confederações e a vinda de talvez dois milhões de jovens católicos para o encontro com o Papa - afirmou Gustavo.

Há várias emergências como essa no nosso sistema aéreo. O Galeão não foi privatizado, nem se sabe se será. Mas deveria. Tudo pode ficar mais claro quando sair o Plano de Outorgas que vai disciplinar toda a aviação civil brasileira, em que há vários vácuos como o que ocorre com os 3.500 aeródromos do país, hoje funcionando de forma precária. Alguns terminais serão entregues aos estados e municípios. Enfim, tudo começou a mudar a partir do leilão da semana passada.

Houve pontos fracos no processo. De novo, os fundos de pensão de estatais foram chamados a salvar a pátria. São os donos de Guarulhos. Quem vai se dar bem são os sócios privados, já que terão dinheiro do BNDES para os investimentos e os fundos como garantia de capital.

Há dúvidas sobre a solidez dos consórcios que compraram Brasília e Viracopos, mas até o dia 17 a documentação que entregaram vai ser avaliada pela Comissão de Licitações.

Privatização e concessão são instrumentos normais para a gestão de um país complexo como o Brasil. Está na hora de o debate amadurecer no país. Há necessidades urgentes e perigosos obstáculos pela frente. E não temos tempo a perder com discussões ociosas.

FONTE: O GLOBO

Incoerente da Silva:: Dora Kramer

A tardia, mas benfazeja privatização dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, que abre ainda o caminho para a entrega do Galeão (RJ) e Confins (MG) à administração do setor privado, atordoou o PT e pareceu revigorar por alguns momentos o PSDB.

O ato deveria encerrar a questão, excluindo-a da agenda não digamos política, mas eleitoral porque o PT só volta ao tema quando interessa infernizar o adversário ruim de defesa.

Mas, como avisou o presidente do partido, Rui Falcão, "a guerra continua".

A depender de quem ganhe a batalha da comunicação com a sociedade, continuará na agenda com vantagem para os petistas. Os tucanos riram muito, divertiram-se em provocações nas redes sociais, no Congresso, em artigos e entrevistas.

Muitas (não todas) repletas de razões consistentes explicando diferenças e semelhanças entre o processo iniciado no governo Fernando Henrique, constatando a evidência: o que caracteriza a concessão é o controle e se o controle foi passado à iniciativa privada o nome do jogo é privatização.

Ofendidos, petistas reagiram com um discurso artificial segundo o qual lá houve roubalheira e entreguismo enquanto cá os procedimentos foram corretos, lucrativos e, sobretudo, "mezzo" estatal.

Fato é que os aeroportos terão gestão privada e o PT está com vergonha disso. Tanto que considera necessário se defender das "acusações" e já preparou uma cartilha de munição à militância.

Para explicar que o que fizeram não foi bem isso que dizem ter sido feito. Mesmo eivada de sofismas, uma ideia que aos tucanos jamais ocorreu: traduzir um tema de difícil compreensão de forma inteligível e repetir seus argumentos com convicção sem se deixar intimidar.

Mas parece que em geral políticos tratam como algo vergonhoso o ato da transferência para o setor privado, mediante quantias de dinheiro fabulosas, serviços com os quais o Estado não pode arcar.

Ocorre que ganham todos. Ganha o Estado e o público se as coisas são feitas direito como na incontestável - mais ainda muito contestada, desnecessário dizer por qual partido - privatização do setor de telecomunicações.

Não será surpresa se na próxima campanha aparecerem comparações entre as privatizações de um e as "concessões" de outro governo mostrando como a do PT foi bem melhor.

Surpreendente é o partido reagir ao ser apontado como incoerente. A privatização dos aeroportos é só um pilar no monumento à incoerência que o PT vem construindo há quase dez anos, ao adotar como sua a agenda que combateu durante a vida toda.

Excetuada a ampliação dos programas sociais, onde resolveu fazer do seu "jeito" saiu-se mal.

Desarticulou as agências reguladoras, não fez andar programas anunciados com pompa, convive com a paralisia em obras do PAC, "concedeu" rodovias pelo critério de menor tarifa prejudicando o andamento do processo e atrasou em pelo menos cinco anos a privatização dos aeroportos.

Para não dizer que não falamos de política, consolidou o modelo do feudo na ocupação de ministérios e transformou em cardinalato o baixo clero do Congresso.

Modo de fazer. Abissal a diferença entre os governadores Jaques Wagner, da Bahia, e Sérgio Cabral, do Rio, na condução das greves de policiais. Entre outros, por um detalhe: Cabral mandou prender grevistas no primeiro dia e Wagner passou dois dias dando entrevistas para dizer que a greve não existia.

Um preservou a autoridade sem conversar. Outro conversou demais e desgastou seu poder.

De coração. Capitão da PM da Bahia conta a seguinte história: o general Gonçalves Dias confraternizou com o grevista de quem ganhou um bolo de aniversário enquanto comandava o cerco aos amotinados porque os dois haviam servido juntos, anos atrás, em Sergipe.

Explica, mas não justifica.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A semana que abalou dogmas do PT

PT discute a relação e atropela dogmas

O PT comemorou seus 32 anos tendo que encarar a queda de alguns dogmas que o marcaram como um partido de massa: a privatização, a repressão a grevistas e alianças com partidos de centro-direita

José Genoino: "A paisagem da janela que se vê da oposição é diferente da que se vê quando se está no governo"

Maria Lima, Isabel Braga

BRASÍLIA. Ferido na alma com a doença que tirou seu principal líder do palco, o PT comemorou seus 32 anos de fundação sem a figura do ex-presidente Lula.

Tem ainda que administrar ironias e questionamentos sobre três temas caros aos petistas em sua origem e que sofreram fortes guinadas desde que o partido chegou ao poder central, há nove anos: privatizações, movimentos grevistas e alianças com partidos da chamada centro-direita.

A queda de alguns dogmas que marcaram o PT como partido de massas, dos trabalhadores organizados e dos movimentos populares, dizem hoje líderes petistas, faz parte das "dores do crescimento e do amadurecimento no governo". Para a oposição, os petistas só agora admitem que mentiram por muito tempo.

Ao longo da última semana, os dirigentes petistas renegaram com veemência o termo privatização para as concessões à iniciativa privada dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos.

E classificaram de necessária a repressão vigorosa, coordenada pelo governador petista Jaques Wagner e pela presidente Dilma Rousseff, à greve da Polícia Militar na Bahia. Porém, terminaram a semana sem uma justificativa consensual para a iminente aliança com o PSD de Gilberto Kassab, em São Paulo, em benefício da candidatura de Fernando Haddad, patrocinada por Lula.

Ex-presidente do PT, hoje assessor especial do Ministério da Defesa, José Genoino alega que o PT sempre disse que greve armada não é greve. Admite que o PT mudou algumas bandeiras. Parte do amadurecimento, diz.

— Não é que abandonamos nossas bandeiras. É que a paisagem da janela que se vê da oposição é diferente da paisagem que se vê quando se está no governo.

Na construção desses 32 anos de história tivemos muita dor, muitas derrotas, mas construímos uma história vitoriosa e muito forte, com erros e equívocos.

Mas isso não prejudicou a ideia de um projeto nacional que está mudando o Brasil.

— Não é fácil reconhecer que mentiram por tanto tempo. O discurso contra as privatizações foi uma arma eleitoral poderosa contra nós nas duas últimas eleições.

Agora não é mais. O PT dos movimentos sociais, da defesa da ética, das greves e da mobilização popular morreu — diz o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).

Poucos petistas assumem a nova realidade.

— Não me incluo entre aqueles que estariam envergonhados com essa decisão. Só privatizamos a estrutura de prestação de serviços em terra, não vendemos patrimônio. A Anac (agência que regula a aviação civil) continua regulando e a Infraero continua sócia — diz o senador Humberto Costa (PE).

Batizada no governo FH como "musa das privatizações", a então diretora de desestatização do BNDES, Elena Landau, foi uma das responsáveis por elaborar o modelo de privatização da Vale do Rio Doce. Semana passada, ela se divertiu com a reação de petistas às críticas contra a privatização ao estilo Dilma.

— Só lhes resta a discussão semântica. É privatização, sim! Venderam o controle e bateram o martelo. A Light e as telefônicas também foram privatizadas pelo modelo de concessão por tempo determinado, e o BNDES continua sócio. A privatização de Dilma é a mesma coisa, a Infraero continua como sócia, mas minoritária, com 49% das ações.

E, no caso do petróleo, que venderam poços para a OGX? — pergunta Landau.

Ela diz que não se importa de passar para Dilma a faixa de musa das privatizações: — Estou me divertindo muito agora, porque sofri muito. Não podia botar a cabeça para fora que levava uma cacetada e não tinha ninguém no partido para me defender. O PSDB não conseguiu sair das cordas. Agora até abro mão do posto de musa das privatizações para a presidente.

Outro ex-presidente do PT, o deputado Ricardo Berzoini (SP) diz que o partido mudou, mas insiste no discurso comum: — Que o PT mudou, é óbvio.

Nasceu pequeno, aguerrido, com muito sectarismo, e, ao longo de sua vida, foi aperfeiçoando sua visão sobre a política. Modificou sua política de alianças e assumiu muitos governos. Claro que isso impacta. Mas, nesses três temas, a imagem é mais enganosa que o fato.

Outro momento difícil para o PT foi explicar a gestão do petista Jaques Wagner na greve da PM. O manifesto de criação do PT, em 1980, diz sobre greves: "Não existe liberdade onde o direito de greve é fraudado na hora de sua regulamentação (...), onde os movimentos populares são alvo permanente da repressão policial e patronal, onde os burocratas e tecnocratas do Estado não são responsáveis perante a vontade popular." Mas, diante do motim armado dos policiais, Wagner, sem ter como atender as reivindicações, recorreu ao Exército.

— O Jaques Wagner me disse esta semana: Pinheiro, não estou dormindo! Não gostaríamos de ter passado por isso.

Mas passamos. E foi uma prova de fogo — disse o líder do PT no Senado, o baiano Walter Pinheiro.

Sobre alianças políticas, o senador Jorge Viana (PT-AC) admite o risco de uma guinada forte: — Temos que ter cuidado. O fato de termos chegado ao governos nos deixa um pouco reféns quando se trata de governabilidade.

Daí a importância de repactuarmos nossos compromissos sempre.

Alianças com ex-adversários, como Gilberto Kassab, poderão criar muitas dissidências, mesmo com Lula à frente dessa operação.

Dos vários discursos que o presidente nacional do PT, Rui Falcão, fez nas comemorações dos 32 anos do partido, duas frases calaram na militância: — É importante que não sucumbamos à aliança fácil, que quebra a nitidez do nosso programa.

O partido não pode se deixar levar pelo pragmatismo exagerado.

FONTE: O GLOBO

BNDES e fundos se unem na privatização

Ação busca garantir investimentos nas concessões promovidas pelo governo Dilma

Alexandre Rodrigues, Monica Ciarelli

RIO - O papel decisivo dos três maiores fundos de pensão do País e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no sucesso do leilão das concessões dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília reforçou a intenção do governo de usá-los cada vez mais como instrumento para viabilizar investimentos em infraestrutura com a participação da iniciativa privada.

A exemplo do modelo de privatizações do governo Fernando Henrique, a gestão de Dilma Rousseff aposta na dobradinha entre os fundos e o banco de fomento para acelerar projetos nas áreas de energia, transportes e logística como forma de sustentar o crescimento da economia brasileira em meio à recuperação lenta do cenário internacional. E trabalha para aproximá-los cada vez mais.

Juntos, Funcef (dos funcionários da Caixa), Previ (Banco do Brasil) e Petros (Petrobrás) administram um patrimônio de mais de R$ 240 bilhões.

Com a tendência de queda dos juros, eles precisam de investimentos mais atraentes do que títulos públicos para sustentar o pagamento de benefícios futuros. Do outro lado, uma das principais deficiências do País é falta capital de longo prazo para financiar projetos como ferrovias, rodovias, portos, usinas hidrelétricas, que hoje se equilibram nos ombros do BNDES.

Evidência da atuação conjunta e orquestrada foi a nomeação, na semana passada, do ex-presidente da Funcef, Guilherme Lacerda, para a diretoria de Inclusão Social do BNDES. Ele ficará à frente dos financiamentos para projetos para a Copa do Mundo de 2014, como estádios, hotéis e projetos de mobilidade urbana, que já somam mais de R$ 4 bilhões na carteira do banco. Também responderá pelo crédito a projetos de Estados e municípios em áreas críticas como saneamento básico.

Segundo fontes do governo, Lacerda foi uma indicação do PT apresentada pelo Planalto ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho, não só por seu currículo, apreciado pela presidente Dilma Rousseff, mas por sua experiência na Funcef e trânsito livre nas demais fundações, o que interessa ao banco. A chegada dele vai intensificar um relacionamento que já é muito próximo.

Ação do BNDES. O BNDES mapeou uma demanda de quase R$ 400 bilhões para projetos de infraestrutura no País nos próximos quatro anos. Em 2011, o banco emprestou R$ 140 bilhões, 40% para infraestrutura, mas sabe que não poderá seguir crescendo mesmo com a política de empréstimos do Tesouro.

O plano do governo é conter o BNDES para usá-lo como formulador de modelos de concessão e fator de redução de risco no financiamento de grandes projetos. Por outro lado, quer usar as fundações para engordar consórcios e fundos de investimentos, atraindo mais investidores privados para os leilões ou para o mercado de títulos para infraestrutura, como as emissões de debêntures que o BNDES já estimula.

O leilão dos aeroportos se tornou o exemplo mais bem-sucedido desse modelo. Ele nasceu na área de projetos do BNDES quando o ministro da Aviação Civil, Wagner Bittencourt, ainda era diretor de infraestrutura do banco. Analistas e técnicos que participaram dos estudos ouvidos pelo Estado apontaram o crédito barato do BNDES para até 80% dos investimentos nos terminais como um fator decisivo nas contas dos consórcios que resultaram num ágio médio de 347% e arrecadação de R$ 24,7 bilhões.

Também contribuiu para a competitividade do pregão a ação da Invepar, companhia de transportes que reúne os três fundos de pensão e a construtora OAS. Em parceria com a sul-africana ACSA, a empresa acabou ficando com o terminal mais cobiçado, o Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, num lance de R$ 16,2 bilhões. A performance não foi uma surpresa no governo.

Uma fonte que acompanha as conversas frequentes entre os fundos e o BNDES revelou que o banco chegou a duvidar da capacidade da Invepar, mas tranquilizou o governo depois de verificar os números da empresa.

Modelo petista se assemelha ao do governo tucano

Fundos começaram a entrar em ex-estatais no governo FHC; agora, Dilma pretende levá-los para a infraestrutura

Embora o sucesso do leilão tenha provocado um tiroteio político entre tucanos e petistas sobre diferenças e semelhanças no jeito de cada um privatizar, a atração dos fundos de pensão e do BNDES para os processos de concessão de projetos de infraestrutura para a iniciativa privada no governo Dilma se beneficia de um modelo reforçado no governo de Fernando Henrique Cardoso.

É a musculatura que adquiriram no governo tucano como sócios de ex-estatais como a Vale que os fundos de pensão colocam agora a serviço da administração petista, que pretende canalizá-la agora para a área de infraestrutura. Maior fundação de previdência das estatais, a Previ tem hoje participações em mais de 50 empresas e um patrimônio superior a R$ 142 bilhões.

Os fundos já têm uma forte presença na área de transportes, energia, telefonia e logística como sócios influentes de companhias como Neoenergia, CPFL, Oi, Login, ALL, Cemig. Nesses negócios, aprofundam relações com grupos privados, estatais e governos que abrem possibilidades infinitas de associações e permitem ao governo influenciar cada vez mais o meio empresarial.

Além disso, as fundações investem em fundos de private equity que colecionam participações em empreendimentos que vão de termelétricas a estacionamentos. Em entrevista ao Estado pouco depois do leilão dos aeroportos, o diretor de Participações da Previ, Marco Geovanne Tobias da Silva, disse que a infraestrutura é cada vez mais atraente pelo retorno crescente de longo prazo.
Símbolo. De acordo com Silva, a conquista do aeroporto de Guarulhos pela Invepar, no qual a Previ é sócia de Petros e Funcef, alimentou o apetite de ampliação do portfólio, que já inclui o metrô do Rio e rodovias. 

"A empresa mudou de patamar, dobra de tamanho em 2013", comemorou, recusando a suspeita de que o lance vencedor de R$ 16,2 milhões pode ter sido alto demais

"Não foi nenhum tiroteio ou um valor impensado. Nesse setor há um potencial muito grande. Se déssemos um lance para levar barato, correríamos o risco de ficar fora da disputa", disse Silva.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Após duas décadas, governo ainda controla 44 empresas

Executivo é sócio minoritário e tem participações em dezenas de companhias

Gestão petista não aumenta total de estatais, mas amplia estrutura de empresas remanescentes

Gustavo Patu

BRASÍLIA - Após duas décadas de privatizações, o governo brasileiro ainda controla 44 empresas e é sócio minoritário de outras 57, sem contar dezenas de subsidiárias, participações indiretas e sociedades com outros países.

A administração petista não elevou o número total de estatais nem criou novas companhias de grande porte. No entanto, ampliou a estrutura e o poder de fogo de empresas remanescentes, em especial nos setores financeiro e petrolífero.

Segundo levantamento da Folha, o Tesouro Nacional contabilizava, no início do governo Lula, o controle de 52 empresas e mais 49 participações minoritárias -patrimônio estimado, em valores atuais, em R$ 170 bilhões.

De lá para o fim de 2010, o número de estatais caiu em razão de liquidações, incorporações e -apenas duas- vendas para o setor privado. Mas o total investido pelo governo federal em empresas foi calculado no ano passado em R$ 270 bilhões.

Trata-se de um valor semelhante ao do patrimônio líquido (o valor do investimento dos acionistas apurado pelo balanço) do banco JP Morgan Chase, a segunda maior companhia norte-americana por esse critério.

A expansão da cifra nos últimos anos pode ser explicada pelo crescimento da economia e, principalmente, por injeções de recursos promovidas pelo Tesouro para alavancar investimentos.

Um exemplo foi a capitalização da Petrobras, realizada no ano retrasado para viabilizar empreendimentos como a exploração do pré-sal.

Governo empresário

Em diferentes operações, o governo também reforçou o BNDES e o Banco do Brasil para elevar os financiamentos ao setor produtivo.

Se algumas estatais tiveram seus recursos multiplicados, o raio de atuação direta do governo na condição de empresário teve aumento mais modesto. Depois do auge na década de 90, o programa de privatização já havia se tornado menos ambicioso ao fim do governo tucano.

O aparato herdado pelos petistas mantinha e mantém forte presença nos setores de energia, bancos e transportes, além de empresas menores de atividades tão diferentes quanto saúde, aeroportos, informática e material bélico.

As empresas criadas nos últimos anos não implicaram investimentos volumosos, casos da Hemobrás, dedicada aos hemoderivados, e da Ceitec, de semicondutores.

A Petrobras passou a contar com uma série de novas subsidiárias, o que deu a aparência, em algumas estatísticas, de um grande aumento do número de estatais.

Sob Lula, foram privatizados os bancos estaduais do Maranhão (2004) e do Ceará (2005) -entregues à União no governo FHC. O Banco do Brasil absorveu os bancos de Santa Catarina e do Piauí, também recebidos dos tucanos para venda.

Ao todo, desde 1991, o programa de privatização vendeu participações majoritárias e minoritárias em 68 empresas, com arrecadação de US$ 40 bilhões (R$ 69 bilhões pelo câmbio atual).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Possível aliança com Kassab causa racha no PT

Dirigentes petistas protestam contra apoio do prefeito de SP à candidatura de Haddad; Lula é a favor do acordo

Tatiana Farah

SÃO PAULO. O aceno de apoio do prefeito Gilberto Kassab (PSD) à candidatura do ex-ministro petista Fernando Haddad na campanha paulistana tem causado fissuras no PT. A aliança é defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por nomes nacionais do partido, como o líder do PT na Câmara, Candido Vaccarezza, mas rejeitada pela base. O racha ficou evidente com a vaia a Kassab na sexta-feira e foi agravado por protestos petistas anteontem.

"Ê, Haddad, não queremos o Kassab", entoavam dirigentes locais do partido, na noite de anteontem, na festa que marcou os 32 anos do partido em São Paulo.

Entre os cerca de 300 participantes, todos com voto na convenção municipal que decidirá sobre a aliança no dia 2 de junho, dezenas usavam adesivos com o "veto" ao prefeito do PSD. A manifestação ocorreu um dia depois de Kassab ser vaiado na festa do PT em Brasília.
Para os dirigentes do PT, o protesto em São Paulo é mais grave que a vaia em Brasília porque partiu de lideranças locais.

À plateia de sábado, Haddad afirmou que a militância havia mandado "um recado de preocupação, mas ao mesmo tempo de esperança". E reafirmou em discurso o que havia conversado privadamente com Kassab em Brasília, que o patrimônio petista era sua própria unidade. Unidade agora ameaçada pela proposta de apoio do prefeito.

— Eu disse a ele (Kassab) que o patrimônio que tenho pra disputar essa eleição é o PT unido e com vontade de ganhar as eleições.

Ele compreende. Se nós não preservarmos nossa unidade, não temos chance de vitória — disse Haddad, afirmando que a unidade é "um patrimônio que precisa ser preservado antes de qualquer outro".

Kassab não foi à festa paulistana, mas era o nome mais citado, e criticado, entre os participantes.

O resultado foi o constrangimento de Haddad, que, a cada cumprimento, era questionado sobre o prefeito.

— O prefeito fez um gesto que, na minha opinião, não foi bem compreendido. Ele hierarquizou prioridades de maneira muito transparente. Ele não disse ao PT que estava pronto pra uma aliança neste momento — disse Haddad, lembrando que o partido é a terceira opção de Kassab e sua prioridade é o apoio a eventual candidatura do tucano José Serra, seu padrinho político.

As manifestações públicas da senadora e ex-prefeita Marta Suplicy, que disse não subir em palanque com Kassab, acirraram os ânimos petistas, embora Haddad tenha feito questão de dizer que tem "120% de certeza" de que a senadora se engajará em sua campanha. Por outro lado, a pressão forte feita por Lula, Vaccarezza, o presidente do PT estadual, deputado Edinho Silva, e o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, tem deixado dirigentes municipais incomodados.

— Kassab está causando um constrangimento ao PT. Saímos unidos de um processo que caminhava para as prévias e isso vai causar tumulto — disse o deputado Carlos Zarattini, que desistiu da prévia, a pedido de Lula, para fortalecer a candidatura de Haddad.

Tanto os que defendem Kassab quanto seus opositores acreditam que, ao encerrar o tratamento contra o câncer na laringe, Lula vá fazer manifestações públicas de apoio à aliança.

Já a presidente Dilma Rousseff não se posicionou. A expectativa é que ela atue pouco na campanha municipal.

— Se Lula entrar de cabeça, ele vira o jogo. Mas a vaia e esse protesto sinalizam que a situação não está fácil — disse um alto dirigente municipal.

Defensor da aliança, o deputado Vicente Candido afirmou: — Achei a vaia deselegante, mas era de se esperar. Estamos construindo uma aproximação.

O governo Kassab não é marcado pela corrupção. É conservador, mas tem boas práticas.
Em entrevista sábado, Kassab minimizou a vaia e o protesto de Marta, que sequer participou da festa em Brasília.

Ele disse ter sido bem recebido pelos dirigentes e por parte expressiva da militância, não se sentindo constrangido: — É natural que alguns entendam que seja difícil essa aliança.

Em nada abala o respeito que temos pelo PT, as alianças que temos no plano nacional e a continuidade do diálogo.

FONTE: O GLOBO

Violência e confronto marcam votação de ajuda à Grécia

Milhares de manifestantes sitiaram o centro de Atenas, ontem, enfrentando a polícia nas horas que antecederam a sessão do Parlamento da Grécia que analisaria um novo plano de austeridade para enfrentar a crise. A indignação se concentrava no corte de 22% do salário mínimo do país, uma exigência da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional para liberar o novo pacote de socorro, avaliado em € 130 bilhões. Os manifestantes se reuniram na Praça Syntagma, a principal da capital, e entraram em confronto com a tropa de choque, trocando pedras e coquetéis molotov, de um lado, e golpes de cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo, de outro. Prédios foram incendiados

Grécia vive confronto antes de votação

Entre as novas medidas de austeridade exigidas pelo FMI e pela União Europeia está um corte de 22% no salário mínimo do país

Andrei Netto

PARIS - Cerca de 80 mil manifestantes sitiaram o centro de Atenas, ontem, enfrentando a polícia nas horas que antecederam a sessão do Parlamento da Grécia que analisaria um novo plano de austeridade para enfrentar a crise. A indignação se concentrava no corte de 22% do salário mínimo do país, uma exigência da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para liberar o novo pacote de socorro, avaliado em € 130 bilhões.

Ainda sem a resposta sobre a votação, o governo já projeta fechar o acordo com credores privados para o corte da dívida nesta semana. A sessão legislativa que analisaria o novo plano de rigor foi aberta no fim da tarde de ontem e se prolongou por toda a noite. Às 23h, ainda não havia resposta sobre a aprovação ou não das medidas.

Do lado de fora, cerca de 25 mil pessoas, segundo dados da polícia, e 80 mil, de acordo com sindicatos, se reuniram na Praça Syntagma, a principal da capital, para protestar contra as medidas. Depois de dois dias de greve geral, nos quais os transportes públicos e parte do comércio foram paralisados, os manifestantes voltaram a entrar em confronto com as tropas de choque, trocando pedras e coquetéis molotov, de um lado, e golpes de cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo, de outro.

Dentro do Parlamento, a pressão da opinião pública se refletiu na atmosfera das discussões, mas os deputados mais uma vez tendiam a aceitar o ultimato da troica, o grupo formado pela UE, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo FMI. A aprovação era esperada para o início da madrugada, porque o governo ainda conta com uma maioria na Casa suficiente para levar adiante o programa de austeridade - em torno de 236 votos, de um total de 300

A principal medida, o rebaixamento do salário mínimo - que agora passa a € 586 (R$ 1.330) - chega a significar um corte de 32% para jovens menores de 25 anos. O objetivo da medida é combater o desemprego, hoje em 20%, e recuperar a competitividade do país por meio da redução do custo do trabalho em 15% no horizonte de 2015.

Os deputados deveriam aprovar ainda a aceleração do programa de privatizações, que deverá arrecadar neste primeiro semestre € 4,5 bilhões por meio da venda de empresas nacionais de fornecimento de gás e água, de exploração de petróleo e de jogos de azar. A realização das vendas é uma das maiores exigências da UE e do FMI, que reclamam do atraso do programa de privatizações. Em 2011, os leilões deveriam ter arrecadado € 5 bilhões, mas se limitaram a € 1,3 bilhões.

Às medidas se somam a redução de € 300 milhões do orçamento do Ministério da Defesa, a extinção de 500 prefeituras e a contratação de inspetores fiscais para combater a evasão de impostos. Os novos cortes são o quinto plano de austeridade do país, que juntos somam € 169 bilhões. Durante as negociações entre os deputados, o ministro de Finanças, Evangelos Venizelos, chegou a afirmar que, se a lei não fosse adotada, "o país iria à bancarrota".

Credores. Caso o novo plano seja de fato aprovado, o governo do primeiro-ministro, Lucas Papademos, chefe do Partido Socialista (Pasok), ganha sobrevida até as eleições legislativas previstas para o fim deste semestre. Com os recursos da UE e do FMI, a Grécia deve honrar o reembolso dos títulos da dívida soberana com vencimento em março, um total que chega a € 14,5 bilhões.

Depois de mais uma semana de alta tensão política, o governo grego volta as suas atenções para o acordo com os credores privados para o corte de cerca de € 100 bilhões em dívidas, que vem sendo negociado há várias semanas. Segundo Evangelos Venizelos, a previsão é de que o documento seja submetido ao Parlamento até 17 de fevereiro - com dez dias de atraso em relação às últimas previsões.

Atenas espera que a aprovação permita ao fórum de ministros da zona do euro (Eurogrupo) determinar a liberação de novos recursos. "Queremos que a Grécia receba o sinal verde até a próxima reunião", disse Venizelos. "Se (a aprovação) não ocorrer até 17 de fevereiro, não poderemos lançar oficialmente a operação de troca de títulos."

De acordo com o ministro, esse mesmo prazo significa o limite máximo para a liberação dos recursos da UE e do FMI, caso contrário o reembolso das dívidas, com vencimento em 14 e 20 de março, pode atrasar - levando o país à ameaça de moratória. "Se não acontecer, o país entrará em falência. E isso significará um país sem sistema bancário", advertiu Venizelos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A ditadura esfola a Grécia:: Clóvis Rossi

Democracia faz como os Estados Unidos, que protegeram quem menos pode; a Europa os castiga

A União Europeia está dando mais um aperto na ditadura que impôs à Grécia. Para quem não se lembra, foi a UE quem derrubou George Papandreou, o primeiro-ministro legítimo, eleito fazia dois anos, para colocar em seu lugar o tecnocrata Lucas Papademos, sem passar pelo indispensável escrutínio das urnas.

O interventor nomeado faz tudo o que pede a troica UE/Banco Central Europeu/FMI, os ditadores de plantão. Não adianta nada.

É só conferir os números:

1- A dívida grega saltou para 159,1% do PIB, no terceiro trimestre de 2011, 20 pontos percentuais a mais que um ano antes, quando os ajustes impostos pelos europeus já estavam em curso;

2- A economia grega retrocedeu 5,5% em 2011 e uma nova contração é inevitável neste ano. Com a economia recuando, ninguém consegue pagar suas dívidas;

3- O desemprego já está em 20,9%, só atrás da Espanha na Europa. E só pode aumentar porque uma fatia do novo plano de ajuste exige a demissão de mais 150 mil funcionários públicos até 2015.

Mas a Europa não olha para os fatos e prefere apertar mais a ditadura, ao exigir que o Parlamento grego aprove o novo programa de austeridade, embora seja uma Câmara "pata manca" (as eleições para renová-la estão marcadas para abril). Ora, é elementar na democracia que um programa que afeta a vida do país anos à frente seja votado por um Parlamento renovado, não por um em fim de mandato.

O mais triste é que 11 de cada 10 análises sobre a Grécia culpam os gregos -e apenas os gregos- pela sua tragédia. A história convencional é a de que a Grécia viveu uma esbórnia de consumo financiada pelo endividamento e agora tem que pagar com dor. Não deixa de ser verdade, mas é só parte da verdade.

Primeiro, consumir é a música que mais toca no capitalismo. Logo, os gregos só fizeram o que é de praxe no sistema hegemônico. Segundo, tomaram empréstimos não porque tenham assaltado os bancos, mas sim porque os bancos os ofereceram sem olhar responsavelmente para a capacidade do tomador de devolvê-los algum dia.

Vejamos agora como funcionam as coisas em uma democracia: nos EUA, os bancos também foram irresponsáveis na concessão de créditos hipotecários (as famosas "subprime", origem da grande crise de 2008/09). Abusaram também na execução das hipotecas, quando o tomador não conseguia pagar.

O que fez o governo? Forçou uma negociação pela qual os bancos terão que pagar US$ 26 bilhões para aliviar o drama de 2 milhões de pessoas que ou já perderam suas casas ou estão na iminência de perdê-las porque não conseguem pagar as hipotecas. Ou, posto de outra forma: protegeu-se quem menos pode, e puniu-se quem mais pode.

Na Grécia, ao contrário, quem paga a crise são os trabalhadores de salário mínimo, a ser reduzido, e os aposentados, cujos vencimentos serão cortados. Os bancos só cedem anéis para poderem manter os dedos gordos, ainda mais engordados pelos juros obscenos que cobram para rolar a parte da dívida grega que não será reestruturada.

Ditadura -ainda mais ditadura de mercado- é assim.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dois milhões elegem rival de Chávez

Numa votação que superou as expectativas da oposição venezuelana, mais de dois milhões de pessoas foram às urnas ontem escolher o candidato único que vai enfrentar o presidente Hugo Chávez nas eleições de 7 de outubro. O governador Henrique Capriles Radonsky aparecia como franco favorito. Chávez permaneceu calado durante o dia e até cancelou seu "Alô Presidente" na TV.

Chávez já tem rival

Em votação surpreendente, oposição venezuelana elege Capriles candidato presidencial

Numa votação inédita no país e com comparecimento recorde às urnas, os venezuelanos elegeram ontem o governador de Miranda, Henrique Capriles Radonsky, de 39 anos, como o rival de Hugo Chávez nas eleições presidenciais de 7 de outubro. Cerca de 2,9 milhões de opositores participaram das primárias; e Capriles obteve 1,8 milhão de votos, contra os cerca de 867 mil do segundo colocado, o governador do estado de Zulia, Pablo Pérez, informou o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A Mesa de Unidade Democrática (MUD), coalizão que reúne os partidos de oposição e organizou as primárias, comemorou a quantidade de votantes — quase o triplo das melhores previsões da oposição. Durante o pleito, os oposicionistas denunciaram que funcionários públicos haviam sido pressionados por aliados do atual governo a não votarem. Mas mais de 100 observadores internacionais garantiram a legitimidade do evento.

Já era tarde da noite na Venezuela, madrugada no Brasil, quando Capriles — ao lado dos outros quatro derrotados — faria seu discurso de vitória. Partidários de Hugo Chávez dizem que o governador representa uma elite política antiquada e desacreditada, que nunca deu atenção às camadas menos favorecidas da população no passado e que nunca conseguirá derrotar o presidente nas eleições de outubro. Segundo analistas, no entanto, as chances da oposição nunca foram tão boas. Com todos os 18 milhões de eleitores registrados no país — além daqueles no exterior — tendo o direito de participar da votação multipartidária, foi a força da oposição que esteve em jogo. Até outubro, Capriles tentará impedir a terceira reeleição de Hugo Chávez e pôr fim aos seus13 anos de governo.

Chávez cancela "Alô Presidente"

Além de Capriles e Pérez, disputaram ontem as primárias a deputada María Corina Machado, o ex-diplomata Diego Arria e o ex-líder sindicalista Pablo Medina.

Agora, ainda mais com quase três milhões de pessoas tendo manifestado o seu descontentamento com o governo, espera-se uma campanha acirrada. Segundo fonte ouvida pelo GLOBO, o presidente da Venezuela já conta com a ajuda do marqueteiro brasileiro João Santana, responsável pelas campanhas presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, e de Dilma Rousseff, em 2010. Uma equipe do brasileiro já estaria trabalhando em Caracas.

A ideia é que o vencedor do pleito de ontem tenha o apoio de todos os partidos da oposição que, matematicamente ao menos, seriam capazes de derrotar Chávez, mas nunca estiveram unidos em uma eleição presidencial. Nas eleições legislativas de 2010, a coalizão bateu o partido governamental por uma pequena margem mas, por regras eleitorais internas, conquistou 67 dos 165 assentos do Congresso.

— Matematicamente, Chávez foi derrotado muitas vezes — afirma o editor do jornal "TalCual" e um dos mais ferrenhos opositores do governo, Teodoro Petkoff. — O problema é transformar essa possibilidade matemática em uma possibilidade política.

Para Petkoff, tal pessoa capaz de derrotar Chávez teria que ser um socialdemocrata com habilidade de enfrentar o atual presidente, eventualmente com "palavrões", se preciso.

— Neste domingo seremos protagonistas — afirmou Capriles. — Estamos frente a um processo inédito em nosso país que nos fortalece como sociedade.

De fato, o normalmente loquaz Chávez chegou a cancelar o seu programa dominical "Alô, presidente".

Ele visitou o estado de Arágua para celebrar o 198, aniversário da Batalha da Vitória contra as forças espanholas e limitou- se a dizer que a "Venezuela deve manter sua independência".

Há alguns dias, no entanto, o presidente, que afirmou haver superado o câncer diagnosticado no ano passado, procurou minimizar o processo eleitoral da oposição ao sugerir que a abstenção poderia ser histórica.

Por temor de que poderia haver represálias contra os eleitores por parte do governo — o maior empregador do país —, a oposição já havia prometido apagar os registros dos votantes. Ainda assim, o secretário geral da Confederação dos Trabalhadores da Venezuela, Manuel Cova, denunciou ontem que funcionários públicos teriam sido pressionados a não participar do pleito convocado pela oposição.

As ameças , no entanto, não surtiram efeito, e as longas filas para votar fizeram a MUD prorrogar em pelo menos uma hora o prazo de votação.

Venezuelanos que vivem no exterior também participaram da votação. Em Miami, onde se concentra a maior população fora da Venezuela, estima-se que cerca de 20 mil pessoas tenham comparecido às urnas. "Quem disse que não pode haver uma primavera venezuelana?", escreveu, em artigo, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura e crítico ferrenho do chavismo.

FONTE: O GLOBO

Pequenas grandes coisas:: Eliane Cantanhêde

Minha filha caçula, orientadora pedagógica e psicóloga de crianças e adolescentes, chorou emocionada ao ouvir pelo rádio a entrevista que o estudante Vitor Soares Cunha deu ao sair do hospital, depois de ser agredido covardemente por jovens como ele.

Vitor, 21, aluno de desenho industrial, passeava com um colega na Ilha do Governador, no Rio, quando viu cinco rapazes bem alimentados espancando um mendigo. Filho de uma assistente social (coincidência?), não pensou duas vezes ao tentar impedi-los. A violência irracional voltou-se contra ele.

Foram socos e pontapés violentos e ininterruptos, atingindo, sobretudo, a cabeça e o rosto de Vitor mesmo quando ele já estava caído no chão, totalmente indefeso.

Depois de horas de cirurgias, placas de titânio na testa e no céu da boca, 63 pinos para recompor os ossos da face e ainda com o risco de perder os movimentos do olho esquerdo, Vitor saiu com sua mãe do hospital e disse, com uma simplicidade atordoante, que não se sentia heroico e que faria tudo novamente.

"Pelo menos uma, duas, três pessoas vão pensar alguma coisa, vão ensinar para os filhos deles. Não adianta pensar que uma atitude vai mudar o mundo, mas pequenas coisas vão mudando", declarou.

Não podemos nem devemos desperdiçar episódios, personagens e frases assim, fundamentais para reforçar que, além do Estado, dos poderosos e dos ídolos, cada um de nós tem de dar o exemplo e ter responsabilidade diante do país e do outro. Uma delas, possivelmente a mais nobre, é a de criar os filhos para o bem.

A comparação entre Vitor e seus agressores nos faz refletir. O Brasil e o mundo serão muito melhores quando pais e escolas educarem as crianças para fazer a coisa certa sem se sentirem heróis, não para se arvorarem fortes e machos ao trucidar um ser humano -ou um animal- jogado na rua, no abandono e na dor.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O desafio de um comunista verde

Quem é o economista encarregado de organizar a conferência da ONU que pode juntar até 50 mil ambientalistas na cidade

Sergio Besserman, "O produto da Rio-92 foi muito robusto. Ele abriu as negociações sobre clima, biodiversidade e Agenda 21. A Rio +20 foi convocada sem um mandato tão relevante"

‘Vinte anos depois, existe uma sociedade civil conectada no tema. Participou da Rio-92, quem veio à cidade. Agora, da Nova Zelândia, o cara poderá assistir à conferência.’

‘Sou de esquerda radical. Isso não tem nada a ver com um pensamento estatizante. Tem a ver com abraçar árvores. Eu abraço árvores e observo pássaros.’

Artur Xexéo

Presidente do Grupo de Trabalho da Prefeitura para a Rio +20, o economista Sergio Besserman Vianna, de 54 anos, tem dificuldades em definir suas funções. A pompa do nome do cargo, por exemplo, parece fazê-lo temer que passe a impressão de que é responsável sozinho por toda a estratégia da conferência da Organização das Nações Unidas que, entre os dias 13 e 22 de junho, vai tomar conta da cidade. Talvez por isso, trate logo de dividir seus encargos.

- Junto com o vice-prefeito e secretário do Meio Ambiente, Carlos Alberto Muniz, eu lido com a questão do conteúdo e com as relações com a sociedade - tenta definir.

Imediatamente, cita outras estrelas desta fase preparatória da Rio +20:

- O secretário de Turismo e presidente da Riotur, Antonio Pedro Figueira de Mello, é a cara do evento. O secretário de Conservação, Carlos Roberto Osório, é quem prepara a cidade...

Quando o interlocutor pensa que não falta mais responsável algum pela conferência, Besserman continua aumentando o número de manda-chuvas:

- É um evento do governo federal. O Rio é apenas a cidade-anfitriã. A Rio +20 é do Itamaraty...

Vargas e a causa do nascimento

Com tanta gente envolvida, afinal, o que faz Sergio Besserman na conferência?

- Meu papel é ficar fustigando, articulando...

Se o negócio é fustigar, articular, o prefeito Eduardo Paes encontrou o homem certo. É isso que Sergio Besserman aprendeu a fazer em casa, com os pais, sempre ligados a alguma causa política, e é o que ele vem fazendo na carreira desde que chegou ao Departamento de Economia da PUC, no fim dos anos 1970, e onde ficou até a metade da década de 80, período em que por lá circulavam Pérsio Arida, Gustavo Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha... Fustigava-se e articulava-se muito naquela época na PUC. Foi de lá que Besserman saiu com uma dissertação de mestrado sobre o segundo Governo Vargas, premiada pelo BNDES. Hoje, ele justifica com bom humor o interesse pelo tema.

- Se não fosse o Vargas, talvez eu não tivesse nascido. Quando namorados, minha mãe era uma comunista extremada; e meu pai, um comunista racional. Ela era mais contra o Getulio Vargas do que o próprio Carlos Lacerda. Eles acabaram rompendo o namoro. Com o suicídio de Vargas, o Partido Comunista mudou tudo. Minha mãe ficou mais maleável, eles reataram o namoro, e eu nasci!

O poder de fustigar e articular de Besserman está sendo posto à prova na Rio +20. É um evento grandioso, quase tão grandioso quanto a Rio-92, realizada há 20 anos e que justifica o "+20" da conferência de agora.

- Pelo lado diplomático da ONU, a Rio +20 está um degrau abaixo da Rio-92. Há 20 anos, tivemos uma cúpula de chefes de Estado. Agora, teremos uma conferência das Nações Unidas. Mesmo assim, uma enorme quantidade de chefes de Estado virá, pela importância do tema, desenvolvimento sustentável, e pela memória da Rio-92. Além disso, o mundo ao redor da Rio +20 é muito maior que o que cercava a Rio-92. 

Há 20 anos, tínhamos a ONU no Riocentro e as Organizações Não Governamentais (ONGs) no Aterro. A sociedade civil global ao redor da Rio +20 é mais ampla. Temos ONGs, os maiores movimentos do mundo, redes de empresas, redes de cidades, organizações de jovens... E, 20 anos depois, existe uma sociedade civil conectada no tema. O mundo está conectado. Participou da Rio-92, quem veio à cidade. Agora, da Nova Zelândia, o cara poderá assistir à conferência.

Do vermelho ao verde

A Rio +20 pode ser comparada com a COP 15, a 15ª Conferência das Partes, realizada em Copenhage há pouco mais de dois anos. A comparação assusta, pois a conferência em Copenhage não foi um primor de organização.

- Eles esperavam dez mil pessoas, e apareceram 45 mil. Por falta de acomodação, teve delegado que precisou dormir na Suécia - relata Besserman, para, em seguida, utilizar de novo o bom humor e afastar qualquer preocupação com o fato de algo parecido acontecer no Rio. - Escandinavos resolvem tudo de última hora, sempre acreditam que podem dar um jeitinho. Nós, brasileiros, somos mais organizados.

E adianta alguns números que fazem a conferência no Rio deixar a de Copenhage no chinelo:

- Se tudo der errado, teremos 25 mil credenciados na cidade. Se der certo, teremos 50 mil. Estes serão só os credenciados. Pode multiplicar este número por quatro ou cinco.

A tese premiada de Besserman valeu-lhe um emprego no BNDES, onde fez carreira e se mantém até hoje. Para o trabalho na prefeitura, foi "cedido" pelo banco, situação que também ocorreu na época em que esteve no IBGE, onde organizou o Censo de 2000. Foi durante a Rio-92 que ele começou a se interessar por ambientalismo e que o comunisno herdado dos pais - "sou comunista desde os 12 anos", orgulha-se - começou a desbotar o vermelho e ganhar coloração esverdeada.

- Sou de esquerda radical. Isso não tem nada a ver com um pensamento estatizante. Tem a ver com abraçar árvores. Eu abraço árvores e observo pássaros. Quem vai se ferrar com a crise ambiental não é a natureza. Este é um problema da Humanidade. E é um problema igual para todos? Claro que não. É um problema que se abate sobre os pobres. O vermelho do século XXI é verde.

É este comunista verde quem descreve como funcionará, geograficamente, o evento que terá o Rio como abrigo. A conferência em si acontecerá no Riocentro. Em torno da área, estarão mais três "equipamentos". Na região que a prefeitura sonha em ver conhecida como Parque dos Atletas, mas que a população sempre chamará de Cidade do Rock, ficará uma espécie de feira, com estandes de empresas. Na Arena de Jacarepaguá, serão realizadas as assembleias da sociedade civil. E "se houver demanda por mais espaço", será utilizado o autódromo. Longe do Riocentro, o Vivo Rio e o MAM "estão nas mãos do Itamaraty", para a realização do plenário da Cúpula dos Povos. E o movimento social - as entusiasmadas ONGs de 20 anos atrás - está reivindicando, mais uma vez, o Aterro. O Itamaraty também reservou quatro armazéns do Cais do Porto, mas ainda não há nada programado oficialmente para o local.

Resta saber qual será o resultado de tanta produção.

- O produto da Rio-92 foi muito robusto. Ele abriu as negociações sobre clima, biodiversidade e Agenda 21. A Rio +20 foi convocada sem um mandato tão relevante. É uma conferência para discutir desenvolvimento sustentável, economia verde e governança global. Ah, e também uma avaliação da Rio-92, mas isso foi bastante amortizado. Vinte anos depois, não se fez nada. A inclusão social melhorou. Quanto à questão ambiental, não se fez nada.

Conhecedor de Copacabana

Besserman sabe do que está falando. Nos últimos 20 anos, filiou-se a uma grande diversidade de organizações ambientalistas. É do conselho diretor, no Brasil, da World Wild Fund for Nation (WWF), é dos conselhos da International Conservation e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), é "o cara da ecologia" da Fundação Roberto Marinho... Seu amor por ambientalismo só encontra rivais em três outras paixões. Uma delas é Copacabana.

- Estudo um monte de coisas. Mas, conhecer de verdade, só conheço Copacabana - diz o morador do Posto Seis.

Outra é a família. Besserman é o mais velho de três irmão. O do meio, Marcos, é médico pediatra, que trabalha com saúde pública. O mais moço era o comediante Bussunda, com quem é muito parecido fisicamente. Casado há 33 anos com Guida, também economista, ele tem dois filhos, André, de 30 anos, jornalista ambiental, e Ana Elisa, de 25, linguista.

- Ana Elisa mora nos Estados Unidos - reclama Besserman. - Tudo culpa do Bush. Ela foi fazer intercâmbio e conheceu na faculdade um rapaz beneficiado por um programa do governo que dava bolsa de estudos para quem passasse quatro anos na Guerra do Iraque. Se não fosse o Bush, não teria guerra, não teria o programa de bolsa de estudos, ela não conheceria o namorado e estaria aqui perto de mim.

A terceira paixão é o futebol. Materialista verde, Sergio Besserman é flamenguista roxo:

- Tenho dois heróis na vida: Zico e Darwin. Nesta ordem.

FONTE: O GLOBO

Reino Unido celebra bicentenário do escritor Charles Dickens

Rodrigo Russo

LONDRES - O Reino Unido celebrou na última terça-feira, dia 7, o bicentenário de Charles Dickens (1812-1870), novelista que retratou as transformações sociais da era industrial e que descreveu a vida na maior metrópole da época, a cidade de Londres.

Portsmouth, onde o autor nasceu, teve festas de rua. Londres, onde passou a maior parte da vida, teve cerimônias na abadia de Westminster, onde Dickens foi enterrado, e na catedral de Southwark.

Uma das casas em que morou, a única remanescente, na região central de Londres, hoje abriga o Museu Charles Dickens, que recebeu a visita do príncipe Charles e de sua mulher no dia 7.

O autor também é tema de uma exposição no Museu de Londres, que leva o título "Dickens e Londres" e fica em cartaz até o mês de junho.

Ali, o visitante poderá contemplar manuscritos originais de obras como "David Copperfield" e "Grandes Esperanças" ou a primeira edição de "Um Conto de Natal", cujo protagonista, o ranzinza Ebenezer Scrooge, foi eleito o personagem mais popular de Dickens por uma pesquisa da editora Penguin.

Objetos da época, mapas e telas relacionadas ou inspiradas em suas obras completam a exposição.

Ao fim das cinco galerias, é exibido um curta-metragem sobre a vida à noite em Londres, uma homenagem ao notívago Dickens, que, insone, tinha o hábito de caminhar pelas ruas da cidade durante as madrugadas.

Trajetória

Jornalista no início da carreira, soube retratar em seus livros os diversos dialetos e sotaques que faziam parte da sociedade vitoriana, além de mostrar suas injustiças.
Ele tinha conhecimento de causa para tanto: aos 12 anos, com o pai preso por conta de dívidas, começou a trabalhar em uma fábrica de graxa para sapatos, local escuro e de condições degradantes.

A compaixão pelos pobres se tornou uma das marcas de seu trabalho. Para o príncipe Charles, em comunicado oficial, "apesar dos muitos anos que se passaram, Dickens segue um dos maiores autores de língua inglesa, alguém que usou seu gênio criativo para advogar apaixonadamente por justiça social".

Claire Tomalin, autora da biografia "Charles Dickens - Uma Vida", publicada no fim do ano passado, escreveu no jornal "Guardian" uma carta celebrando o aniversário.

No texto dirigido ao escritor, Tomalin especula sobre como ele reagiria às mudanças tecnológicas do século 21 e diz que a desigualdade por ele retratada permanece.

"Você veria o mesmo abismo entre os ricos, tranquilamente aproveitando seu dinheiro e poder, e os pobres, dependendo da comida descartada pelos mercados, de doações e temendo por seus empregos."

FONTE: ILUSTRDA/FOLHA DE S. PAULO

Maria Rita - Conversa de Botequim (Noel Rosa)

Cariocas :: Carlos Drummond de Andrade

Como vai ser este verão, querida,
com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme
de areia e lama oferta ao velho Leme.

Fogem banhistas para o Posto Seis,
O Posto Vinte... Invade-se Ipanema
hippie e festiva, chega-se ao Leblon
e já nem rimo, pois nessa sinuca
superlota-se a Barra da Tijuca
(até que alguém se lembre
de duplicar a Barra, pesadíssima).

Ah, o tamanho natural das coisas
estava errado! O mar era excessivo,
a terra pouca. Pobre do ser vivo,
que aumenta o chão pisável, sem que aumente
a própria dimensão interior.

Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura,
fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias,
olha aí, olha o broto, olha as esguias
pernas, o busto altivo, olha a serena
arquitetura feminina em cena
pelas ruas do Rio de Janeiro
que não é rio, é um oceano inteiro
de (a) mo (r) cidade.

Repara como tudo está pra frente,
a começar na blusa transparente
e a terminar... a frente é interminável.

A transparência vai além: os ossos,
as vísceras também ficam à mostra?

Meu amor, que gracinha de esqueleto
revelas sob teu vestido preto!

Os costureiros são radiologistas?
Sou eu que dou uma de futurólogo?
Translúcidas pedidas advogo:
tudo nu na consciência, tudo claro,
sem paredes as casas e os governos...

Ai, Carlos, tu deliras? Até logo.
Regressa ao cotidiano: um professor
reclama para os sapos mais amor.
Caçá-los e exportá-los prejudica
os nossos canaviais; ele, gentil,
engole ruins aranhas do Brasil,
medonhos escorpiões:
o sapo papa paca,
no mais, tem a doçura de uma vaca
embutida no verde da paisagem.
(Conservo no remorso um sapo antigo
assassinado a pedra, e me castigo
a remoer sua emplastada imagem.)

Depressa, a Roselândia, onde floriram
a Rosa Azul e a Rosa Samba. Viram
que novidade? Rosas de verdade,
com cheiro e tudo quanto se resume
no festival enlevo do perfume?

Busco em vão neste Rio um roseiral,
indago, pulo muros: qual!

A flor é de papel, ou cheira mal
o terreno baldio, a rua, o Rio?

A Roselândia vamos e aspiremos
o fino olor de flor em cor e albor.

Um rosa te dou, em vez de um verso,
uma rosa é um rosal; e me disperso
em quadrada emoção diante da rosa,
pois inda existe flor, e flor que zomba
desse fero contexto

de metralhadora, de seqüestro e bomba?

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

AVISO: O BLOG FICARÁ FORA DO AR ATÉ SEGUNDA-FEIRA

Estarei em reunião em Brasília, portanto, ausente de minha sede. Voltarei no domingo e na segunda-feira o blog entrará novamente em ação. Até lá.

Abraços
Gilvan
O editor