quarta-feira, 17 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Não deve haver trégua no combate ao crime organizado

Por O Globo

Reação a assassinato de delegado deve ser implacável — e estritamente dentro da lei

Na segunda-feira, o ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes foi perseguido e alvejado a tiros depois de sair da Prefeitura de Praia Grande (SP), onde era secretário de Administração Pública. A identidade dos assassinos ainda não foi revelada, mas as circunstâncias sugerem o envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC). Quando chefiava a Delegacia de Roubo a Bancos da Polícia Civil paulista em 2006, Ferraz foi responsável por indiciar toda a cúpula da facção criminosa. Há menos de três semanas, uma força-tarefa incluindo Polícia Federal (PF), Receita Federal e Ministério Público de São Paulo realizou a maior operação de asfixia financeira contra o PCC. A execução no litoral paulista, em via movimentada e horário de grande circulação, foi aparentemente uma reação destinada a chocar a opinião pública e amedrontar quem investiga o crime organizado.

Ante o assassinato covarde, o Estado precisa reagir de forma implacável. A principal medida a tomar é fortalecer os esforços para amputar os tentáculos do PCC e demais facções em diferentes esferas da economia e da política, promovendo sua asfixia financeira. Seria inaceitável esmorecer. Além disso, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) deve reforçar a busca pelos culpados do crime, mas agir com firmeza para evitar a truculência policial. É inegável que a maior parte da força policial é composta de profissionais sérios e destemidos, que se arriscam e respeitam as leis na defesa dos cidadãos. Mas o histórico recente justifica a preocupação. Em julho de 2023, um policial das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da PM paulista, também foi morto no litoral paulista. Nos meses seguintes, as mortes por ação policial na região foram objeto de denúncias de violações. Por fim, o governo paulista tem a missão de rever seu programa de proteção a agentes da ativa e também a aposentados.

Ferraz tinha um currículo impar pelo combate ao PCC. Nos últimos tempos, preocupava-se com a própria segurança e a de seus familiares. Em entrevista ao GLOBO e à rádio CBN no final de agosto, afirmou estar desamparado. “Tenho proteção de quem? Moro sozinho, vivo sozinho na Praia Grande, que é no meio deles. Para mim é muito difícil. Se fosse um policial da ativa, teria estrutura para me defender. Hoje não tenho nenhuma”, disse. Em 2023, ele foi vítima de assalto, quando saía com a mulher de um restaurante.

Seu assassinato foi a segunda execução no estado em menos de 12 meses. No fim do ano passado, o delator do PCC Antônio Vinícius Lopes Gritzbach foi morto a tiros ao sair do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, o mais movimentado do Brasil. Três PMs envolvidos com o PCC foram denunciados pelo assassinato e outros 14 por trabalhar na escolta de Gritzbach. A contaminação das forças policiais pelo crime precisa ser extirpada.

As principais facções criminosas em ação no Brasil estão preocupadas com a atuação conjunta dos governos federal e estaduais. Com trabalho de inteligência meticuloso, as investigações chegaram até o coração financeiro do país, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Também desvendaram fraudes e crimes no mercado de combustíveis. Há muito mais a fazer. A melhor forma de honrar a memória de Ferraz e a de todos os policiais mortos em confronto com criminosos é não haver trégua no combate obstinado — e dentro da lei — ao crime organizado.

Acordo entre China e EUA para TikTok revela os limites da estratégia brasileira

Por O Globo

Brasil não pode confiar que acenos aos chineses poderão compensar eventual afastamento dos americanos

O Itamaraty respondeu com altivez, como necessário, à tentativa de ingerência do governo Donald Trump, por pressão bolsonarista, no julgamento e condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Diante das portas fechadas na Casa Branca, também acertou ao acenar ao diálogo por meio do artigo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou no New York Times. Mas não pode se iludir com a fantasia de que a maior proximidade da China poderá compensar o afastamento dos Estados Unidos.

As duas potências disputam a hegemonia global com base em interesses geopolíticos próprios, e os chineses já deixaram claro que sua estratégia não passa necessariamente pelo multilateralismo abraçado por Lula. Um exemplo flagrante foi a celebração em Washington e Pequim dos avanços na venda do controle do TikTok a alguma empresa americana — condição exigida pelos Estados Unidos para a plataforma, sucesso entre jovens, continuar a ser usada no país.

Lançado em 2017 pela ByteDance, o TikTok tem mais de 150 milhões de usuários nos Estados Unidos. Preocupa a Casa Branca desde a gestão anterior de Trump. Foi a primeira plataforma chinesa a rivalizar com as americanas. Embora tenha formalmente controle privado, a ByteDance, como toda grande empresa chinesa, está subordinada a uma Lei de Inteligência Nacional que permite o acesso a informações dos usuários pelos órgãos de segurança chineses. É razoável, portanto, a preocupação americana. Mas proibir aplicativo tão popular simplesmente não teria cabimento.

Depois de reunião entre o vice-primeiro-ministro chinês, He Lifeng, e o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, a imprensa estatal chinesa anunciou um “marco básico de consenso”. Em Washington, Trump anunciou: “Vou falar com o presidente Xi [Jinping] na sexta. O relacionamento [entre os dois países e dirigentes] continua muito forte !!!”. Assim como encaminharam a bom termo a divergência em torno do TikTok, não é difícil vislumbrar um entendimento que interesse aos dois em torno dos chips da americana Nvidia, usados em sistemas de inteligência artificial e também objeto de rusgas.

Todos esses movimentos devem ser acompanhados e corretamente decodificados pela diplomacia brasileira. Mesmo que Pequim seja o maior parceiro comercial brasileiro, China e Estados Unidos jogam noutra liga — e nenhum dos dois pode ser desprezado. O Brasil, grande exportador de soja à China, foi recentemente beneficiado com a reação chinesa ao tarifaço de Trump. Mas não há garantia de que a conquista seja duradoura. Plantadores do grão nos Estados Unidos já pediram para a diplomacia americana incluir na pauta das negociações o aumento de exportações para a China. Não dá para Lula e o Itamaraty acreditarem que será possível abrir mão das relações históricas com os americanos confiando nos chineses. É fundamental, portanto, persistir nas gestões para romper as barreiras que atravancam as negociações com o governo Trump.

Emprego recorde mostra desafio fiscal do país

Por Valor Econômico

Por outro lado, a inflação segue distante da meta, com expectativas desancoradas, e a economia cresce acima do seu potencial

Se o Banco Central tiver que esperar o esfriamento do mercado de trabalho para começar a reduzir os juros, provavelmente terá ainda de aguardar um bom tempo. Os números do mercado de trabalho referentes à Pnad-Contínua trimestral, no período encerrado em julho, são superlativos e com vários indicadores no pico da série histórica. É possível que essa também seja a melhor performance no ano, diante da perspectiva de desaceleração gradual das atividades econômicas, causada por enorme taxa real de juros.

O desemprego no trimestre encerrado em julho foi o menor de todos desde que o IBGE começou a calculá-lo da forma atual, em 2012: 5,6%, ante 6,6% de fevereiro a abril. O contingente desocupado atingiu 6,11 milhões de pessoas, com forte queda, de 14,2%, em relação ao trimestre anterior e aumento de 1,2 milhão de postos no ano. Da mesma forma, a população ocupada é recorde — 102,4 milhões de pessoas —, com um salto de 2,4 milhões em um ano. O nível de ocupação (pessoas trabalhando em relação àquelas com idade para trabalhar) atingiu seu maior nível: 58,8%.

O crescimento do mercado de trabalho reduziu o número de desalentados (quem perdeu a esperança de encontrar emprego) e de subocupados (os que gostariam de trabalhar mais horas do que estão trabalhando). Além disso, bateu recorde o número de empregados no setor privado, assim como o de trabalhadores com carteira assinada (39,1 milhões, mais 1,3 milhão de postos). Grande parte da expansão do trabalho com carteira se deve à notável ampliação do emprego público (todos os níveis), que cresceu 3,4% no trimestre (mais 422 mil pessoas), para atingir um total de 12,9 milhões de funcionários.

Em ordem de grandeza, a administração pública, saúde, educação e serviços sociais acrescentaram 522 mil pessoas à força de trabalho, seguidos por informação, comunicações, atividades financeiras, imobiliárias e outras, com 260 mil novos empregados, e agricultura, pecuária, pesca e produtos florestais, com 206 mil postos. Em relação ao mesmo trimestre móvel de 2024, há predominância da indústria na criação de empregos, mas, no agregado, os serviços sobressaem: comércio, transporte e armazenagem, informação e comunicação.

O desempenho do mercado até agora indica por que sua desaceleração não será abrupta e tampouco rápida. Agricultura e pecuária fogem do ciclo normal da economia, têm forte viés exportador e seguem um ritmo próprio, menos dependente de tramas conjunturais. E, embora a indústria não tenha quase crescido no primeiro semestre e deva continuar com baixo desempenho no segundo, o mesmo não está acontecendo com os serviços, como o PIB do segundo trimestre demonstrou. Em qualquer comparação temporal no PIB, há sempre três segmentos de serviços entre os cinco que mais puxaram a atividade. Além de o setor ser o maior empregador do país, é o que tem mostrado maior resistência ao declínio da inflação. No IPCA de agosto, que trouxe a boa notícia da deflação, o dissabor foi dado pelo aumento dos preços dos serviços subjacentes, de 6,14% em 12 meses.

Há sinais de estabilização no emprego em vários setores, um prenúncio de possível retração posterior. É o caso da comparação anual de agropecuária, construção, serviços domésticos, outros serviços e alojamento e alimentação.

A economia tem mantido um bom fôlego graças a estímulos fiscais, aumentos reais do salário mínimo e grande impulso dado à renda pelo aumento da população ocupada. Os salários continuaram até julho a ter ganhos acima da inflação. O rendimento médio real habitual, de R$ 3.484, é o maior da série do IBGE, cresceu 1,3% no trimestre e 3,8% no ano. No trimestre, os salários foram puxados por administração pública, saúde e educação, mas na comparação anual o maior aumento real foi de agricultura (7,2%), construção (7%) e vários serviços, como os domésticos (5%) e informação e comunicação (5,3%).

A massa de rendimento médio real (acima da inflação) no trimestre foi recorde, R$ 352,3 bilhões, com aumento de 6,4% em um ano e 2,5% no trimestre. No governo Lula, há crescimento real da ordem de R$ 50 bilhões até julho. O aumento dos rendimentos do trabalho e as transferências (aposentadorias, pensões, BPC) elevaram bastante a renda disponível bruta das famílias (que inclui todas as rendas, não só salários), de R$ 612,2 bilhões em janeiro de 2023 para R$ 763,8 bilhões em junho passado. Todos os indicadores do mercado de trabalho apresentaram melhora acentuada desde o início do atual governo.

O outro lado da moeda é que a inflação continua longe da meta, com expectativas desancoradas, e a economia cresce acima de seu potencial, algo entre 2% e 2,5%. Os estímulos fiscais e parafiscais do governo se traduziram em endividamento maior. Só o aumento real do salário mínimo trará, por seus efeitos sobre a Previdência e Loas, somados aos juros pagos pelo aumento da dívida, uma carga de R$ 165 bilhões nos quatro anos de mandato de Lula, segundo o economista Fabio Giambiagi (Valor, 15/6). Assim, para esfriar a economia o governo deveria realizar um aperto fiscal, o contrário do que tem feito, e não deixar sozinhos o BC e seus juros exorbitantes realizarem a tarefa.

Execução de ex-delegado exige ação rápida e responsável

Por Folha de S. Paulo

Morte brutal de Ruy Ferraz Fontes em SP busca dissuadir pelo medo o combate a facções criminosas

Governo Tarcísio deve reagir com precisão, para evitar abusos; operação de inteligência para desmantelar finanças do PCC serve de modelo

O assassinato brutal de Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, exige resposta célere e responsável do poder público, dados os indícios de intimidação violenta contra o Estado por parte de facções.

Fontes, um dos maiores especialistas do país na atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC), foi atingido por tiros de fuzil na segunda (15), após ser perseguido por um automóvel a poucos metros da Prefeitura de Praia Grande, na Baixada Santista, onde ocupava o cargo de secretário de Administração desde 2023.

Segundo o prefeito da cidade, a vítima não conduzia o carro blindado que usava diariamente.

Fontes foi pioneiro no combate ao crime organizado, tendo atuado por 40 anos na Polícia Civil até chegar ao maior posto da instituição durante o governo de João Doria, entre 2019 e 2022.

Responsável pelas primeiras investigações sobre a hierarquia e a estrutura organizacional do PCC, chegou a ser jurado de morte pela facção por causa da transferência de seus líderes para presídios federais e por ter trabalhado no indiciamento de toda a sua cúpula no início dos anos 2000.

Considerados o modo profissional de execução, o armamento pesado utilizado e a carreira do ex-delegado, há indícios de que se trataria de um crime a mando de facções. Ademais, já em 2019, foi encontrado um recado assinado pela chefia do PCC, em uma residência na zona leste da capital paulista, que determinava a morte de Fontes.

Mesmo que a vítima não atuasse mais na segurança pública, o homicídio de agentes afastados do setor ou aposentados é uma forma de intimidação, que pretende impor o medo àqueles que por ventura venham a ocupar cargos semelhantes.

A audácia no assassinato e o histórico de outros atentados no estado —como a execução do empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach no aeroporto internacional de Guarulhos, em 2024— requerem uma resposta contundente da gestão estadual, que já determinou a criação de uma força-tarefa.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), eleito sob a bandeira da segurança pública, precisa mostrar à população que São Paulo não se tornou terra sem lei para o crime organizado —no momento, parece estar focado na campanha pela anistia de seu padrinho político, Jair Bolsonaro (PL), o que já lhe rende críticas da oposição.

É preciso cuidado, porém, para que a resposta não se dê sem planejamento adequado, o que poderia estimular abusos de força policial, como os vistos na Operação Escudo, também na Baixada Santista, em 2023.

A ação para desmantelar a estrutura financeira do PCC em agosto serve de modelo, com inteligência investigativa e integração policial. Se o crime organizado se tornou mais sofisticado e afrontoso, cabe aos agentes de segurança atuarem de forma mais estratégica no seu combate.

Governo Lula ignora bomba-relógio na Previdência

Por Folha de S. Paulo

Aumento real no salário mínimo e oposição a nova reforma do INSS colocam em risco resultados positivos

Regra de reajuste para o mínimo deve custar R$ 164 bilhões em quatro anos, e déficit previdenciário do setor rural tornou-se insustentável

O envelhecimento da população combinado à falta de apetite por reformas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vêm armando uma bomba financeira para os próximos anos de proporção considerável —com potencial para colocar em grave risco, e em pouco tempo, a estabilidade do país.

Os dois principais desequilíbrios têm a ver com as contas da Previdência Social, em rápida deterioração. Um é fruto da decisão de Lula de insistir, neste seu terceiro mandato, na política de valorização do salário mínimo —cujos aumentos acima da variação dos preços têm impactos diretos nas despesas do INSS.

O presidente repete o que já havia feito em seus outros governos. Mas o faz agora em condições bem mais adversas, sem gerar superávits recorrentes nas contas governamentais para impedir que déficits previdenciários bilionários levem à rápida aceleração da dívida pública.

Segundo cálculo do economista Fabio Giambiagi, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, a regra atual de expansão acima da inflação do salário mínimo vai adicionar um gasto de R$ 164 bilhões nas despesas públicas em seus quatro anos do governo.

É elogiável que Lula queira elevar o poder de compra, mas desde que isso não cause desequilíbrios que obriguem o Banco Central a manter juros estratosféricos para desaquecer a economia, como é o caso hoje.

Especialistas já sugeriram que a regra de aumento real para o mínimo ficasse limitada a quem trabalha, e que refletisse ganhos de produtividade. Aos aposentados, valeria a inflação, ou mesmo um novo índice que captasse melhor a variação de preços da terceira idade, como reajustes de remédios e planos de saúde. Lula se recusa a enfrentar o tema.

Seu governo também é avesso a reformar a Previdência. Nos últimos 12 meses, o chamado regime geral, que exclui o funcionalismo público, apresentou déficit equivalente a 2,5% do Produto Interno Bruto, sendo de 1,7% só nos benefícios para o setor rural —com muito menos aposentados.

Na reforma de 2019, os trabalhadores do campo tiveram mantidas as idades mínimas para aposentadoria em 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens, ante os atuais 62 e 65, respectivamente, para quem se aposenta nos centros urbanos.

Assim como no caso dos déficits fiscal e externo, Lula ignora o rombo previdenciário para se autocongratular com resultados conjunturais positivos, como o baixo desemprego. Mas, sem atacar problemas de fundo, é questão de tempo para a maré virar.

A teimosia dos cupins do Orçamento

Por O Estado de S. Paulo

Ministro do STF determina que emendas parlamentares sejam congeladas após auditoria da CGU apontar irregularidades em nove de dez municípios analisados, o que denota prática generalizada

Graças a um alerta emitido pela Controladoria-Geral da União (CGU), o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), acertadamente suspendeu repasses das chamadas “emendas Pix” a nove cidades brasileiras analisadas – todas com indícios de crimes e irregularidades no uso dos recursos públicos e de descumprimento dos critérios definidos para a sua execução. Essas emendas são um tipo de transferência criado em 2019 para supostamente acelerar o repasse de recursos das emendas parlamentares a Estados e municípios, numa lógica semelhante a um depósito bancário instantâneo, daí o apelido de “Pix”. Vendidas como instrumento de agilidade e autonomia dado aos gestores locais, no entanto, eliminaram também os mecanismos de controle e fiscalização, permitindo repasses diretos sem projeto prévio, sem cronograma e sem contrapartida.

Maus presságios. Não é improvável que tanto a suspensão das transferências quanto o encaminhamento das conclusões da CGU para mais investigações por parte da Polícia Federal (PF) deflagrem uma nova frente de embates entre o Congresso e o STF – a relação entre os dois Poderes, como se sabe, já vem há meses tisnada pela disposição da Corte em assegurar mais transparência às emendas parlamentares e pelo empenho do Legislativo em preservar os muitos poderes adquiridos nos anos recentes sobre o Orçamento da União. Mas não há alternativa diante da repetição dessa aberração institucional. Nove entre dez municípios analisados exibiram algum tipo de irregularidade, entre obras paralisadas, suspeitas de superfaturamento, desvio de finalidade das verbas, contratação de empresas sem capacidade técnica, planos de trabalho não cadastrados, metas mal definidas nos planos de trabalho, pagamentos duplicados, processo licitatório irregular e serviços de baixa qualidade, entre outros problemas.

A análise da CGU se concentrou nos municípios que mais receberam as emendas Pix. Desse grupo, somente São Paulo não apresentou irregularidades. O mesmo não se pode dizer dos municípios de Carapicuíba, em São Paulo; São Luiz do Anauá e Iracema, em Roraima; São João de Meriti e Rio, no Rio de Janeiro; Camaçari e Coração de Maria, na Bahia; Sena Madureira, no Acre; e a capital do Amapá, Macapá. Imagine-se, portanto, o que não ocorre Brasil afora, à margem das auditorias. Basta lembrar, por exemplo, que o Tribunal de Contas da União já havia identificado o repasse de R$ 85 milhões de 148 emendas individuais sem sequer um plano de trabalho cadastrado. E que, em agosto, o ministro Flávio Dino determinou a abertura de inquéritos pela PF para investigar 964 emendas parlamentares que somam quase R$ 700 milhões. Enquanto o País se assombra, os cupins do Orçamento público seguem agindo, beneficiados pela pulverização, pelo clientelismo e pela opacidade.

Não custa reconhecer que, em democracias maduras, o Legislativo participa da formulação orçamentária e na definição das prioridades a serem dadas ao dinheiro público. Igualmente não há problema algum que parte dos recursos públicos tenha sua destinação definida por parlamentares, individualmente ou por bancada, e não pelo Executivo. Mas em nenhum lugar sério do mundo o Parlamento controla diretamente, sem planejamento central ou prestação de contas robusta, parcelas tão expressivas do Orçamento. No Brasil, as emendas parlamentares já respondem por um quarto dos gastos discricionários. E o problema não se restringe ao volume, mas também à forma: sem rastreabilidade, prestação de contas, regras uniformes para todos os entes federativos, subordinação a critérios técnicos, metas de resultado ou mecanismos automáticos de bloqueio em caso de descumprimento.

Como este jornal não se cansará de insistir, recursos públicos não são propriedade privada do parlamentar, e sim um bem comum, cuja gestão requer integridade, transparência e eficiência. Mantê-los nas sombras só interessa às hostes clientelistas, especialmente num tipo de emenda que funciona como um cheque em branco liberado diretamente pelos parlamentares em suas bases eleitorais e repassado de forma arbitrária e opaca. Que tais desvios prossigam mesmo com tantas evidências dos seus males é um desses mistérios que só Brasília é capaz de protagonizar.

BC tenta equilibrar o jogo contra o crime

Por O Estado de S. Paulo

Ataques cibernéticos e uso de instituições financeiras pelo crime organizado deflagraram aperto de regras pelo BC, ainda que tardio. Segurança no sistema bancário exige investimento

Em mais uma medida para tentar bloquear a nova fronteira aberta pelo crime organizado no mercado financeiro na movimentação e lavagem de dinheiro ilícito, o Banco Central (BC) alterou uma resolução criada há quatro anos e incluiu a obrigação de as instituições rejeitarem transações de pagamento destinadas a contas com “fundada suspeita” de envolvimento em fraude. Traduzindo para o bom português, aumentou o cerco a depósitos e pagamentos feitos para contas de laranjas, o que, como demonstraram recentes investigações da Polícia Federal (PF), tem ocorrido com agressiva frequência.

As Operações Carbono Oculto, Quasar e Tank, deflagradas simultaneamente pela PF, revelaram a participação do Primeiro Comando da Capital (PCC) em ações que recorriam a fundos de investimentos e empresas financeiras na ocultação e lavagem de dinheiro do tráfico e da atuação irregular no setor de combustíveis em diferentes Estados. Endereços devassados pela polícia na Avenida Faria Lima, em São Paulo, principal centro financeiro do País, tornaram ainda mais escandaloso o esquema criminoso que, pelas estimativas da PF, movimentou pelo menos R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.

Ataques cibernéticos a bancos e instituições de pagamento (que atuam com contas digitais e pagamentos online) completam o cenário de atuação fraudulenta cada vez mais sofisticada, com uso de tecnologia avançada, que se tornou um pesadelo tanto para os usuários dos serviços financeiros como para as próprias instituições, e um desafio para o BC, responsável pela regulação e fiscalização do Sistema Financeiro Nacional. No esforço para bloquear a escalada das fraudes, outras medidas já haviam sido anunciadas, como a que fixa o limite de R$ 15 mil para transferências por TED e Pix para as instituições de pagamento não autorizadas.

A autorização, ou melhor, a exigência de bloqueio de depósitos e transferências a partir de “fundada suspeita” permite o uso, inclusive, de informações de bases de dados privadas. Segundo a Febraban, alguns bancos já adotam voluntariamente o procedimento, como mostrou reportagem do Estadão, mas a partir de agora todas as empresas são obrigadas a seguir a norma, até mesmo para as contas pré-pagas.

O sistema de pagamento instantâneo por Pix desenvolvido pelo Banco Central, que em novembro completa cinco anos de vigência, provocou uma revolução. Além de trazer para o universo financeiro uma população “desbancarizada”, praticamente selou a obsolescência do cheque, que ainda resiste, mas com utilização reduzida em 95,87% entre 1995 (ainda sem o Pix, mas com a concorrência dos cartões de débito e crédito) e 2024. O volume de 3,3 bilhões de cheques compensados há três décadas minguou para 137,6 milhões no ano passado.

Nem por saudosismo se justificaria o retorno à “era do cheque” em um setor em constante transformação. Mas é necessário que medidas de segurança acompanhem a mesma rapidez dessa evolução. Somente após o caso da operação policial na Faria Lima o BC decretou que todas as instituições de pagamento têm de obter licença de operação, apesar de não serem bancos, por não poderem conceder empréstimos ou fazer financiamentos, por exemplo.

Antes, além das autorizadas, que operam dentro do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e, por isso mesmo, são mais seguras, havia as “não autorizadas”, empresas ou plataformas de pagamento não registradas no Banco Central, sujeitas a maior risco de fraude ou uso para lavagem de dinheiro. A partir de agora, para atuar como instituição de pagamento, é obrigatória a permissão do BC. Uma medida obviamente positiva, embora tardia.

Além disso, a ação por vezes refinada dos golpistas exige repressão igualmente aprimorada e rápida dos órgãos reguladores, e, para isso, é preciso investimento. Caso contrário, o avanço extraordinário da criação do Pix, que com a popularização dos pagamentos digitais representou uma inclusão sem precedentes de brasileiros nos serviços financeiros, corre o risco de ser ofuscado pela fragilidade e insegurança do sistema.

O imigrante como bode expiatório

Por O Estado de S. Paulo

Protesto gigantesco em Londres expõe o risco que é insuflar o ódio a cidadãos estrangeiros

Mais de cem mil pessoas participaram em Londres, no fim de semana passado, de um protesto anti-imigração organizado pelo ativista de extrema direita britânico Tommy Robinson, que conta com o apoio de figuras como Elon Musk, o empresário sul-africano radicado nos Estados Unidos que milita contra imigrantes. Musk, que foi assessor especial por alguns meses do governo de Donald Trump, participou do evento por videoconferência.

Batizada com o sugestivo nome de Unir o Reino (em inglês Unite the Kingdom), a marcha, oficialmente um protesto pela liberdade de expressão, serviu de veículo para Robinson professar a tese infundada de que os imigrantes têm mais direitos que os britânicos nos tribunais e de que o país está perdendo sua identidade nacional.

Quarteirões inteiros da capital britânica foram tomados por manifestantes munidos de bandeiras nacionais e cartazes com a frase “vão embora”, obrigando a polícia local a destacar contingente extra para reforçar a segurança. Participantes mais exaltados partiram para o confronto com os policiais. De acordo com o comissário-assistente da polícia metropolitana de Londres, Matt Twist, “não há dúvida de que muitos vieram para exercer o direito legal de protestar, mas muitos vieram com a intenção de agir com violência”.

Mais uma vez, os imigrantes viraram o bode expiatório de problemas estruturais que atingem diversos países em maior ou menor grau, entre os quais o aumento do custo de vida, o desaparecimento de postos de trabalho tornados obsoletos pelas novas tecnologias, a queda nas taxas de natalidade e o envelhecimento populacional.

Não há dúvida de que a solução para as questões acima é extremamente complexa. Mas se o Brexit, a saída formal do Reino Unido da União Europeia, ensina alguma coisa, é que restringir a entrada de imigrantes não resultou em melhora na vida dos britânicos.

Ao contrário. Após a oficialização do Brexit, em 2020, o Reino Unido enfrentou dificuldade para preencher vagas de trabalho para profissionais de determinadas qualificações, em geral mais baixas, que costumavam ser ocupadas por cidadãos da União Europeia. A falta de caminhoneiros, por sinal, tornou-se um símbolo do equívoco que foi o Brexit.

Mas em vez de propor uma discussão adulta sobre as aflições dos britânicos, não tão diferentes das de brasileiros, canadenses e japoneses, líderes como Robinson valem-se de eventuais crimes cometidos por imigrantes para demonizar os estrangeiros em geral, transformando-os nos responsáveis por todo e qualquer infortúnio que ocorra em seus países.

O Reino Unido, como o mundo, precisa de imigrantes. O Reino Unido, como o mundo, também tem o direito de estabelecer políticas migratórias que busquem garantir o equilíbrio interno. Contudo, fomentar o ódio ao imigrante, insuflando as massas a cometer atos violentos, não só não resolverá os dilemas estruturais das nações, como ainda tem o potencial de transformar em criminosos cidadãos frustrados que, ao fim e ao cabo, são apenas massa de manobra de líderes com pretensões autoritárias.

É urgente resposta à tragédia na Faixa de Gaza

Por Correio Braziliense

Enquanto não há acordo e uma reação efetiva de líderes internacionais, segue em curso o método que ceifa vidas e a esperança de dias melhores em Gaza

A cerimônia do Emmy neste ano ficou marcada, para além das premiações, pela manifestação de alguns artistas por uma "Palestina Livre", diante da mais recente ofensiva israelense na Faixa de Gaza. Estrela da série Hacks, a atriz Hannah Einbinder falou em "libertação da Palestina" em seu discurso, ao vencer como melhor atriz coadjuvante; Megan Stalter, do mesmo seriado, vestiu uma bolsa com a palavra "cessar-fogo"; o espanhol Javier Bardem fez protesto semelhante no tapete vermelho.

Ainda que as manifestações desses artistas sejam válidas e necessárias, elas se mostram insuficientes para frear a destruição do conclave. Ontem, forças israelenses iniciaram uma nova invasão à Cidade de Gaza — desta vez, pela via terrestre. É uma escalada sem fim que dura quase dois anos —  desde os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023  — e matou milhares de pessoas, boa parte delas crianças. 

O factual é insuficiente para dar o devido peso à tragédia. Reportagem publicada no último sábado pelo jornal holandês De Volkskrant, um dos principais do país, mostra o tamanho da catástrofe em Gaza. Durante meses, a equipe de reportagem entrevistou profissionais de saúde que atuam na linha de frente dos hospitais na região e recebeu notas e exames feitos por eles. Os relatos são assombrosos.

Entre outros destaques da apuração — feita majoritariamente pelos próprios profissionais de saúde, devido à proibição do acesso de jornalistas à Gaza por parte de Israel —, 15 dos 17 trabalhadores entrevistados relataram ter atendido ao menos uma criança ou adolescente de até 15 anos com ferimentos à bala na cabeça ou no peito. No total, esses médicos, enfermeiros e cirurgiões listaram 114 vítimas com essas características. 

Boa parte das crianças e dos adolescentes atingidos tinha balas alojadas no corpo, indicando que não foram vítimas de ataques aleatórios. Do ponto de vista da medicina forense, projéteis deveriam atravessar corpos jovens, ainda não 100% formados. Se ficam alojados, é um claro indicativo de disparo à longa distância.

Diante do alto número de vítimas, os profissionais ouvidos na reportagem do jornal holandês descartam qualquer possibilidade de ferimento acidental. Esse tipo de relato não é substancialmente novo na história da escalada bélica no conclave, o que torna ainda mais urgente uma resposta do mundo para que o massacre na região seja interrompido imediatamente.

A divulgação do mais contundente relatório sobre o genocídio em Gaza deveria também mobilizar tal reação. Publicado ontem, o documento com 72 páginas redigido por uma comissão de inquérito contratada pelas Nações Unidas é enfático ao afirmar que o presidente israelense, Isaac Herzog, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant "incitaram o genocídio" e  "não tomaram medidas para puni-los".

Israel segue negando as acusações. Nas palavras de Daniel Meron, embaixador de Israel na ONU em Genebra, o novo relatório é "um panfleto difamatório" redigido por "prepostos do Hamas". Enquanto não há acordo e uma reação efetiva de líderes internacionais, segue em curso o método que ceifa vidas e a esperança de dias melhores em Gaza.

O desafio das organizações criminosas

Por O Povo (CE)

A PEC da Segurança Pública tramita vagarosamente no Congresso Nacional, frente à urgência que a situação exige. Nesta terça-feira, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, esteve pela terceira vez na Câmara dos Deputados para debater o assunto

A ousadia das facções criminosas parece não ter limites, enquanto as autoridades continuam batendo cabeça sem encontrar um caminho para resolver, ou pelo menos minorar, um problema que inferniza a vida de milhões de brasileiros, desafiando as instituições de Estado.

A ação das polícias assemelha-se a empurrar uma pedra morro acima com a certeza de que ela deslizará novamente, levando à repetição de um trabalho que se revela inútil.

É claro que a atividade de prender suspeitos, normalmente os "soldados" das organizações criminosas tem de ser feita. Porém, isso equivale a um pequeno alívio em meio à violência sem fim a que a população, especialmente os moradores de áreas vulneráveis, estão submetidos.

Um dos exemplos, dos muitos que se pode citar desse repto criminoso, aconteceu na noite de segunda-feira, em Fortaleza. Um foguetório foi ouvido em diversos pontos da cidade. Infelizmente, não eram torcedores manifestando alegria pela vitória de seu time. Tratava-se da bandidagem anunciando a "tomada de territórios" de facções rivais.

A polícia foi às ruas para investigar e, segundo o secretário-chefe da Casa Civil, Chagas Vieira, 19 suspeitos de envolvimento com facções foram detidos durante o foguetório. O secretário também anunciou, por meio de uma rede social que, este ano, aumentou em 61,5% o número de prisões de "envolvidos" com o crime organizado. No entanto, é preciso verificar o quanto a política implementada pelo governo do Ceará está sendo eficaz para reduzir a criminalidade. Os números, descolados do contexto, pouco ou nada explicam.

Mas também é preciso lembrar que o avanço das facções criminosas não acontece apenas no Ceará. No mesmo dia em que rojões explodiam em Fortaleza, o ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, foi assassinado na Baixada Santista, fuzilado no meio da rua, após ser perseguido por criminosos.

Um caso não tem relação com outro, mas ambos demonstram a audácia das organizações criminosas tanto para comemorar abertamente seus crimes, quanto para cometer assassinatos. Ferraz ficou conhecido por ser pioneiro nas investigações do Primeiro Comando da Capital (PCC), que domina o crime em São Paulo. A principal linha de investigação é uma vingança do PCC contra ele. Ruy foi responsável pela prisão de vários chefes da quadrilha.

Enquanto isso, a PEC da Segurança Pública, entregue em abril deste ano ao Congresso Nacional, tramita vagarosamente, frente à urgência que a situação exige. Nesta terça-feira, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, esteve pela terceira vez na Câmara dos Deputados para debater o assunto.

A PEC propõe o trabalho conjunto entre o governo federal, estados e municípios com o objetivo de combater o crime organizado no Brasil. É preciso sistematizar essa proposta o mais rapidamente possível.


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