Nesta
semana, um presidente americano tentou impedir que votos fossem contados. Isto
tem nome. É golpe de Estado.
É
inevitável, nesta semana
eleitoral americana, que nos debrucemos sobre a constatação de
que mudou de vez a maneira como se portam as plataformas de redes
sociais. Facebook, Instagram e Twitter agiram
ativamente para conter a circulação e alertar os usuários a respeito das
tentativas de inflamar a população e dos ataques frontais aos ritos
democráticos pelo presidente americano, Donald Trump.
A ação não surpreende — já haviam anunciado que fariam isso. A decisão é
responsável. É também polêmica. Por um motivo muito simples: é uma decisão
editorial. Uma decisão de editor.
A questão fundamental aqui é simples: o que é uma rede social? Melhor começar pelo que não é. Parece, mas não é a praça pública. Embora seja um ambiente no qual muitos de nós nos reunimos para conversar sobre o que é do interesse da sociedade ou mesmo nos informarmos, embora elas até pareçam com uma versão digital da praça pública, elas não são um bem coletivo. O problema não é nem que tenham dono, que sejam privadas. O problema é que seu controle é planetariamente concentrado nas mãos de poucos. O ideal é que tivéssemos muitas redes sociais e nenhuma fosse dominante, que todas fossem de donos distintos e que portanto seu impacto total fosse distribuído. Que a decisão de um destes donos não tivesse capacidade de estragos imensos na sociedade. Não é assim, infelizmente.
A
praça pública é este ambiente coletivo que criamos, enquanto sociedade, no qual
discutimos sobre o que é de nosso interesse conjunto. É onde, juntos, nos
convencemos uns aos outros em diálogo constante para que possamos ir às urnas
tirar conclusões. Mas a realidade é que este ambiente privado e com
pouquíssimos donos, as redes sociais, é onde conversamos hoje sobre nossa
política. Esta propriedade concentrada está diretamente ligada à ascensão de
populistas autoritários e, em grande parte, isto ocorre porque o ambiente foi
construído com inúmeros vícios. Um deles são os algoritmos que manipulam nossos
cérebros para nos prender. Ficamos horas e horas perante estas telas. Outro é
que estes mesmos algoritmos são susceptíveis a distribuir mais o que nos incita
uns contra os outros. A reforçar tribalismo ao invés de união.
Muitos
ativistas defendem que as redes não deveriam interferir manualmente para que
notícias falsas circulem, para que líderes populistas possam atacar suas
democracias. Afinal, se interferem nisto, podem interferir em qualquer coisa. É
verdade. Podem mesmo. Mas interferência já existe. Edição já existe. É a dos
algoritmos. A entrada ‘manual’, a decisão de entrar num post no qual Donald
Trump incita sua militância a considerar fraude eleitoral a contagem de votos
numa democracia não é apenas correta. É a medida responsável a se tomar.
Só
que é uma medida que também redefine estas redes sociais. Elas não são meras
plataformas, ambientes neutros nos quais conversas ocorrem. São veículos que
definem o que pode e o que não pode ser dito nelas. Elas editam, como jornais e
revistas. Assim como jornais e revistas, quando uma autoridade mente, elas informam
a seus leitores — não usuários, leitores — que aquilo dito é mentira. E as
redes como são muito poucas, sua propriedade é concentrada e têm escala
planetária, oferecem às democracias um problema novo, muito grande e
barbaramente complexo.
Isto tudo posto, é preciso reconhecer que houve avanço. Porque é importante não ter ilusão, esta semana o inimaginável ocorreu. Um presidente americano tentou impedir que votos fossem contados. Isto tem nome. É golpe de Estado. Não chegou perto de ter chances de dar certo. Em grande parte, porque as redes sociais atuaram como editoras. Corretamente. Que atuem com a mesma responsabilidade por aqui.
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