Eleição
americana pode radicalizar o bolsonarismo
A
próxima Presidência americana trará consequências para o bolsonarismo no
Brasil, em qualquer cenário. A vitória de Bolsonaro em 2018 decorreu de vários
fatores e um deles foi a ascensão da direita nos Estados Unidos, alavancada,
sobretudo, pela habilidade no uso de redes sociais.
Até
o momento em que essa coluna é escrita, não há certeza sobre quem estará na
Casa Branca a partir de janeiro do próximo ano. Tenha o desfecho que tiver a
contenda entre republicanos e democratas, Donald Trump pode ter cruzado uma
linha vermelha, ao buscar o Judiciário para tentar se manter no poder.
Se
reeleito em um pleito decidido na Suprema Corte, com intervenções judiciais não
apenas em um Estado, como se deu na Flórida em 2000, durante a eleição
presidencial de George W.Bush, o presidente atual tende a ser muito contestado
nas ruas.
Terá
um déficit de legitimidade insanável que pode desencadear uma radicalização,
com reflexos no Brasil.
Caso
seja derrotado, Trump planta a semente de uma possível candidatura presidencial
em 2024 - ele estará legalmente habilitado a fazê-lo - e conduzirá um exército
de apoiadores que passará a descrer do sistema eleitoral como solução política.
As tribos de Trump e de Bolsonaro se confundem.
Um
contingente grande dos influenciadores digitais mais duros do conservadorismo
brasileiro está nos Estados Unidos. A começar do mais famoso deles, Olavo de
Carvalho.
A
extrema-direita brasileira rompeu o casulo graças a um movimento que veio de
fora para dentro. Bolsonaro pessoalmente se empenhou em fazer um amálgama entre
a política brasileira e a americana, tarefa da qual Eduardo Bolsonaro foi o
principal operador.
Embaixador
do Brasil nos Estados Unidos que foi sem nunca ter sido, patrono do primeiro
congresso brasileiro do CPAC, o evento mais importante do conservadorismo
americano, o deputado está aí para demonstrar quem é matriz e filial nesse
processo. Não há dúvidas de que a disputa americana levou incerteza ao
bolsonarismo sobre o que o destino lhes reserva na eleição brasileira de 2022.
“A
esquerda é bem organizada em nível mundial. Por isso é importante acompanhar as
eleições nos Estados Unidos. O que acontece lá pode ser repetir aqui”, escreveu
no Twitter anteontem, apreensivo. Um aliado seu, Daniel Silveira (PSL-RJ), foi
além, na mesma rede social. “Isso mostra o tamanho do perigo e o potencial do
inimigo que enfrentamos. Aqui no Brasil não será diferente em 2022 para tentar
retirar o presidente Bolsonaro do governo”.
Assim
como Trump está fazendo nos Estados Unidos, se a coisa apertar, entrará no
radar bolsonarista de pronto a contestação de resultados eleitorais, talvez por
meio de uma judicialização.
Como
indicou no Twitter outro aliado, o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), é de se
esperar mais questionamentos ao sistema brasileiro de voto eletrônico, e o
aumento de fabulações sobre possíveis fraudes na eleição que obrigou Bolsonaro
a disputar segundo turno, há dois anos: “Se por lá fazem isso com cédulas,
imagino o que acontecerá aqui em 2022. Afinal por aqui usamos a tecnologia,
sabidamente manipulável, com um agravante, as máquinas não são auditáveis”.
Se
Biden for o eleito, deve haver de início um grande movimento do presidente
democrata em relação a posições mais centristas.
Como
comentou o empresário e cientista político Jared Cohen, convidado a apresentar
uma palestra ontem em evento do Banco Itaú, Biden será levado ao pragmatismo
para impedir que a maioria republicana no Senado obstrua por completo sua
administração. Ele não terá muitos caminhos para demarcar diferenças em relação
a Trump, ao menos enquanto persistir essa situação.
Na
opinião do historiador Niall Ferguson, palestrante no mesmo evento, será talvez
a mais fraca presidência democrata em muito tempo, com condições limitadas para
avançar em muitas das agendas que se comprometeu durante a eleição. Os
especialistas americanos ouvidos ontem pelo Itaú não acreditam em guinadas
significativas do governo americano em relação às prioridades nacionais:
enfrentar a China na nova guerra fria que divide o mundo e controlar a
pandemia, que, na opinião de Ferguson, poderá matar 500 mil pessoas nos Estados
Unidos antes de ser vencida.
Jogar
duro com o Brasil pode, portanto, ser uma alternativa interessante para atender
a um eleitorado democrata mais radical. Bolsonaro mexe com dois símbolos caros
a este contingente: a ameaça ambiental e o extremismo ideológico. Para Cohen,
dois países no mundo entram em uma zona de risco de problemas na relação:
Brasil e Arábia Saudita.
Como
nem só de extremistas vive o governo Bolsonaro, é razoável supor que a ala
militar e os aliados do centrão possam aumentar o protagonismo dentro do
governo federal, encolhendo a ala ideológica, com quem travam permanente
disputa por espaço.
São Paulo
A pesquisa de ontem do Datafolha posiciona o ex-governador paulista Márcio França (PSB) com chances concretas de chegar ao segundo turno. Não tanto pelo seu desempenho, mas pelo fato de Guilherme Boulos (Psol) ter parado de crescer e sobretudo por Celso Russomanno (Republicanos) cair em parafuso. A se confirmar um duelo entre Bruno Covas (PSDB) e França, a eleição em São Paulo teria uma particularidade não vista desde 1985: nenhum candidato de esquerda em primeiro ou segundo lugar. Embora filiado ao PSB, França é um político de centro. Centristas têm alguma dificuldade para chegarem ao segundo turno, mas vantagem quando cruzam esta barreira, por oferecerem atrativos aos dois polos.
O curioso é que Covas, ao contrário do que fez o governador João Doria há dois anos, ao buscar associação com Bolsonaro, também se coloca no centro. Caso haja este duelo, a eleição paulistana quebraria a tendência nacional de polarização. Ambos teriam que buscar tanto os eleitores de Boulos quanto os de Russomanno, o que embalhararia o segundo turno.
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