Conflitos
dentro do governo apontam para uma grave disfunção
A
temporada de chuvas chega a Brasília, mas não apaga as fogueiras do mundo
político, que continuam ardendo, altas. São inúmeras e algumas mais do que
conhecidas e envolvem setores críticos do governo.
Um
exemplo é a que marca o relacionamento dos ministros da Economia, Paulo Guedes,
e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Outras são mais recentes, como
no caso da rixa entre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o
ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, general
Luiz Eduardo Ramos.
Os
focos de incêndio prosseguem com entreveros entre o líder do governo na Câmara,
deputado Ricardo Barros (PP-PR), e o mesmo general Luiz Eduardo Ramos, por
causa da coordenação política. E também entre o ministro-chefe da Casa Civil,
Braga Netto, e demais ministros, devido à forma como ele conduz o
relacionamento no ministério.
Ainda
que existam aspectos pontuais nessas dissensões, o conjunto de conflitos revela
divisões estruturais dentro do governo que apontam para uma grave disfunção. E
duas perguntas emergem desse contexto: por que as fogueiras ardem e quais as
suas consequências?
A
resposta à primeira questão reside na disputa de poder entre grupos diversos. O
governo Bolsonaro reúne uma coleção de vetores que se relacionam com o
presidente a partir de segmentos específicos: militares, agronegócio,
evangélicos, conservadores radicais, entre outros.
A
tênue ligação entre eles foi o projeto antiesquerdista, conservador e
reformista que chegou ao poder. A partir da chegada ao Palácio do Planalto, os
interesses se particularizaram e começou a competição por recursos e poder.
Quando
se governa em torno de projetos — caso dos ex-presidentes Fernando Henrique
Cardoso, Lula e Michel Temer —, a aglutinação se dá em torno da agenda. O
governo Bolsonaro não tem isso e as pautas navegam impulsionadas pelas
rivalidades e pelos confrontos.
Chama
atenção o fato de o presidente da República, que deveria arbitrar e encerrar
conflitos, não o fazer. Ao contrário, ele assiste ao crepitar do fogo alto. Em
1999, quando a autoridade do ministro Pedro Malan foi questionada por Clovis
Carvalho, ministro do Desenvolvimento de FHC, o presidente preservou o titular
da Fazenda e demitiu o outro, apesar da longa amizade que os unia. Mostrou qual
era a sua agenda preferencial e que rumo o seu governo tomaria. Não é o que
acontece agora.
E
quais são as consequências possíveis da existência dessas fogueiras? A curto
prazo, elas contribuem para a degradação das expectativas, em especial no que
tange ao enfrentamento da crise fiscal. O que se reflete numa crescente perda
de confiança dos mercados na política econômica, já evidente no comportamento dos
juros futuros e do câmbio. A perda de credibilidade pode comprometer os
esforços da retomada da economia e transformar o que já está ruim em algo muito
pior.
A
popularidade do presidente é um conforto para ele, mas também uma armadilha.
Conforto porque dá a Bolsonaro poder suficiente para agir e reverter
expectativas negativas, propor uma agenda e pacificar o seu governo. É uma
armadilha porque dá a falsa sensação de que sua popularidade será preservada
independentemente da crise de confiança que ronda a nossa conjuntura.
Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712
Nenhum comentário:
Postar um comentário