A força do mal-estar dos excluídos pela 4ª Revolução é que faz Trump ousar e contestar.
Goste-se
ou não, Donald Trump é um forte. Pois, posto à sabatina do manuais da política,
fez tudo ao contrário do que se pode esperar de um presidente de um grande
país: governou basicamente para seus eleitores; fragmentou ao invés de agregar;
açulou o ódio racial, o hedonismo, a arrogância. Criou mais confusões do que
concórdia, não deu caminhos de solução para os problemas; não apontou saídas
para os impasses de uma sociedade perdida na transição entre a velha e a nova
economias. E, ainda assim, Donald Trump chegou longe, a ponto de, desde o
início da apuração, deixar analistas assustados com a hipótese de mais uma
surpreendente vitória. Seu desempenho é melhor do que muita gente esperava.
Qual a razão dessa força de Donald Trump? Seu poder não brota de qualidades pessoais, certamente. Ela não reside no seu carisma duvidoso; na rudeza de seus gestos ou na estreiteza de sua sofisticação intelectual. No palco da grande política mundial, Trump não passa da categoria de canastrão incapaz de ombrear-se com grandes nomes da história – a comparação que tentou forjar com Abraham Lincoln soou risível. Seus atos e seu texto são limitados, voltados para o público do que os próprios americanos chamariam de soap opera, novelas e dramalhões de gosto duvidoso.
E, por tudo isso, mais uma vez a pergunta se faz necessária: qual a razão de sua força? Sua força brota do mal-estar da sociedade; no pouco-caso com que a economia tem tratado milhões de pessoas desalojadas do mundo do trabalho, inviabilizadas para a sociedade do consumo, apartadas dos salões chiques onde se reúnem ricos e intelectuais, despreocupados com o que fazer com toda a desigualdade. Donald Trump e seus genéricos mundo a fora surgem na incapacidade que a política e a democracia têm demonstrado em relação ao futuro.
É
certo que Trump tampouco demonstrou saber o que fazer com tudo isso:
objetivamente, não tem projeto. Mas, é fato que no seu estilo bruto e sem
brilho tem sabido dialogar com essa multidão de esquecidos pela política e pela
globalização dos ricos, vocalizando todo seu rancor e sua fúria. Trump fala a
língua do desespero.
Há
que se admitir que Barack Obama, com suas imensas qualidades – seu charme,
elegância e humanismo –, foi incapaz de estabelecer conexão direta com essa
população brutalizada pela vida, pela desigualdade, pela incompreensão de um
liberalismo dogmático e pela presunção de políticos que acreditam poder passar
ao largo do mal-estar do mundo moderno. É essa força que expressa o mal-estar
da civilização contemporânea, que faz Trump ousar a contestar uma eleição
possivelmente perdida, dentro das regras do jogo.
Esse
poderá ser o grande desafio de Joe Biden, se triunfar o democrata: compreender
os problemas de seu país – e por que não do mundo –, estabelecer vínculos com
os rejeitados pela 4.ª Revolução.
✽Cientista Político, professor do Insper
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