Biden, cem dias
Folha
de S. Paulo
Democrata reverte trumpismo e adianta vacinação; pacote ambicioso será teste
O
sucesso da vacinação, que chegou a 100 milhões de americanos, constitui o feito
mais vistoso de Joe Biden na Casa Branca. Mas o presidente dos Estados Unidos
também surpreendeu o país e o mundo com o anúncio de projetos de
desenvolvimento social, econômico e ambiental ambiciosos.
Nenhum
desses planos terá sido aprovado no Congresso antes do terço final do ano.
Ainda assim, Biden estabeleceu marcas
importantes em seus cem primeiros dias de mandato, não limitadas ao
pacote de gastos de US$ 1,9 trilhão que conseguiu passar no Parlamento.
Para
além da reversão do trumpismo, já em si relevante, o democrata conseguiu
superar sua promessa de vacinação ampla —e ostenta o feito notável de ter
tornado a imunização acessível a toda a população acima dos 16 anos.
Levou
os Estados Unidos de volta aos acordos e debates da mudança climática. Nomeou
um quadro de assessores principais de marcada diversidade em um tempo de
revolta maior contra o racismo.
Em seus discursos, oferece acordos à oposição e refreia o individualismo; diminuiu radicalmente a presença presidencial nas mídias; prometeu derrotar o terrorismo doméstico e a supremacia branca.
Na
política externa, procura reatar laços com aliados e organizações
multilaterais, anunciou a retirada das tropas no Afeganistão e a retomada de
negociações com o Irã. Mas não se ouve falar de acordos de liberação do
comércio.
Quanto
à China, mais que manter o enfrentamento, Biden elege tal competição, política,
econômica e tecnológica, como prioridade.
A
aprovação do pacote orçamentário é o feito de maior efeito prático. Tida por
alguns economistas como excessiva, tal despesa deve contribuir no curto prazo
para reforçar o clima de otimismo.
Além
da oferta de vacinação universal e perspectiva de normalidade a partir de
meados do ano, o ânimo americano deve ser reforçado por um crescimento de 7% em
2021.
É
provável que o bom desempenho continue em 2022, ano de eleições de meio de
mandato, nas quais muitos democratas já perderam maiorias parlamentares.
Em
caso de derrota, Biden terá dificuldade em implementar seu programa. Ainda que
consiga aprovar gastos dos planos social e econômico, deve se ver impedido de
modificar de modo profundo leis tributárias e ambientais.
Esses
são focos de seu programa, ao lado de empregos e seguridade social para os mais
pobres e para o miolo socioeconômico dos EUA, que faz mais de 30 anos padecem
de aumento da desigualdade.
Seja
como for, nos seus primeiros cem dias Biden lançou as bases para o que os
americanos chamam de “presidência transformadora”.
Mercosul
travado
Folha
de S. Paulo
Anacrônico,
bloco precisa aproveitar chances de maior abertura e acordo com UE
Seria
difícil imaginar um aniversário mais melancólico para o Mercosul, que acaba de
completar 30 anos. Paralisia e troca de acusações dominaram as discussões das
últimas semanas sobre os próximos passos do bloco sul-americano.
No
encontro de cúpula, realizado no final de março, Luis Lacalle Pou, presidente
uruguaio, disse que o Mercosul não pode ser um lastro para seus membros e
sugeriu conferir maior liberdade para os países firmarem acordos comerciais
separadamente, com espaço para adesões voluntárias dos outros.
Alberto
Fernández, da Argentina, sugeriu aos que sentem o peso que desçam do barco e
não abriu mão da negociação em bloco. As farpas continuaram na segunda rodada
de discussões, em abril, desta vez entre
o ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes, e seu congênere argentino.
O
bloco está rachado em dois. Alinhado
ao Uruguai, o Brasil quer mais flexibilidade e também uma redução de 20% na
tarifa externa comum para importados. Argentina e Paraguai resistem a ambas as
pautas, embora aceitem desoneração mais modesta e com exceções.
Enquanto
isso, o processo de ratificação do acordo de livre-comércio com a União
Europeia, o mais ambicioso jamais celebrado pelo bloco, corre riscos, sobretudo
em razão de dúvidas e exigências ainda pouco claras do lado europeu na área
ambiental.
A
paralisia não é nova e reflete os graves problemas econômicos e as orientações
de governo distintas entre os países-membros, que dificultam uma agenda comum.
É difícil estabelecer um mecanismo funcional que na prática não signifique o
fim da tarifa comum (TEC) que baliza a união aduaneira.
O
Mercosul se tornou anacrônico e se desviou do objetivo inicial. Em vez de
servir de plataforma mais ampla, com poder de barganha, para a integração
produtiva com o resto do mundo, converteu-se em espaço protecionista e sucumbiu
aos lobbies empresariais e à própria fragilidade econômica dos sócios nas
últimas décadas.
Os
impasses atuais são reflexo direto dessas inconsistências. Mesmo assim, é
preciso avançar. As demandas estão postas e talvez viabilizem um sinal claro de
abertura por um acordo célere para redução de tarifas, aproximando-as das
praticadas no restante do mundo.
Não
se deve, além disso, perder a chance aberta pelo acordo com os europeus, o que
seria um marco para dinamizar o Mercosul.
‘Um número enorme, né?’
O
Estado de S. Paulo
Brasil superou a marca de 400 mil mortes por covid-19 e Jair Bolsonaro segue incapaz de transmitir esperança por dias melhores.
O Brasil
ultrapassou a terrível marca de 400 mil mortes na pandemia de covid-19. Cada
vítima desta peste conta uma história interrompida de súbito e deixa um vazio
de dor e de possibilidades não vividas para seus familiares e amigos. Olhados
em conjunto, os milhares de mortos compõem um mosaico de rostos que refletem a
frieza e a inépcia de um governo que quase nada fez para evitar o morticínio, a
despeito de ter à sua disposição todas as condições, não apenas financeiras,
para agir com seriedade contra a maior ameaça sanitária a se abater sobre a
Nação em mais de um século.
A
história desta pandemia no Brasil, o segundo país com o maior número de mortos,
somente atrás dos Estados Unidos (575 mil), está marcada de forma indelével
como uma tragédia construída com desvelo por um conjunto de ações e omissões
daqueles que, fosse por dever de ofício, fosse por imperativo moral, deveriam
ter agido com cuidado e responsabilidade, mas, pelas mais variadas razões,
simplesmente não o fizeram.
É
de destacar que mais da metade das mais de 400 mil mortes ocorreu nos quatro
primeiros meses de 2021, superando o total de óbitos em decorrência da covid-19
registrados ao longo de todo o ano passado. Vale dizer, mais de 200 mil
brasileiros morreram vítimas de uma doença contra a qual já havia ao menos
quatro vacinas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa).
Uma
das perguntas que os senadores que compõem a CPI da Pandemia deverão responder
ao final do trabalho da comissão de inquérito é: por que essas vacinas não
foram aplicadas a tempo e em um número de brasileiros suficiente para conter o
avanço do vírus?
Registre-se
ainda que outra grande parte das vítimas pereceu quando medidas não
farmacológicas que poderiam evitar o pior, como o uso de máscaras e o isolamento
social, foram reiteradamente desacreditadas pelo governo federal, a começar
pelo presidente Jair Bolsonaro, quando sua adoção deveria ter sido amplamente
estimulada. Inolvidável também foi a campanha levada a cabo pelo presidente da
República para promover “tratamentos” tão eficazes contra a covid-19 quanto um
comprimido de aspirina.
Sem
sequer citar o número de vítimas fatais da doença no País que,
desafortunadamente, lhe coube governar, Jair Bolsonaro se limitou a dizer em
uma de suas lives que o País “chegou a um número enorme de mortes agora aqui,
né?” Sim. E em grande medida em virtude do descalabro que é a administração
federal da crise sanitária.
Para
desventura da Nação, o meio milhão de mortos pelo coronavírus está muito mais
próximo do que o recuo da disseminação do patógeno e, consequentemente, da
queda do número de casos e mortes. O salto de 300 mil para 400 mil mortes se
deu em apenas 36 dias. Novas cepas do vírus em circulação, sabidamente mais
contagiosas, indicam um cenário nada alentador para as próximas semanas ou
meses. Já há epidemiologistas que anteveem a eclosão da terceira onda da doença
no País.
A
vacinação da população segue em velocidade muito aquém da velocidade de
transmissão do vírus. Por sua vez, muitos cidadãos parecem dar como vencido o
enfrentamento da peste, deixando de adotar as medidas sanitárias que podem
ajudar a reduzir o número de contágios e salvar vidas. São cada vez mais
frequentes os registros de festas clandestinas, aglomerações e desleixo com o
uso de máscaras. A pesada conta da incúria do governo e da irresponsabilidade
dos cidadãos haverá de chegar, mais cedo do que tarde.
Não
foi por falta de informação e meios que o governo brasileiro deixou de agir
para enfrentar a pandemia de forma correta. Não por acaso, o desastre é uma
marca comum de países governados por quem fez pouco-caso da gravidade da ameaça
sanitária. O Brasil é um deles. A Índia é outro. Os Estados Unidos reverteram a
curva de casos e mortes após um presidente genuinamente preocupado com seu povo
ter tomado as rédeas da situação. Aqui, Bolsonaro segue incapaz de transmitir
esperança por dias melhores.
Um calote e suas consequências
O
Estado de S. Paulo
O
governo brasileiro tem uma dívida de R$ 10,1 bilhões com organismos
internacionais, como apurou o Estado. Por exemplo, o País deve cerca de R$ 500
milhões à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Organização Pan-americana de
Saúde (Opas). É, no mínimo, um panorama pouco abonador para quem deseja ser
respeitado no cenário internacional.
A
lista das organizações com as quais o País está em dívida é longa, incluindo o
Banco de Desenvolvimento do Caribe, a Corporação Andina de Fomento (CAF), o BID
Invest (braço do Banco Interamericano de Desenvolvimento), o Fundo Financeiro
para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, a Associação Internacional de
Desenvolvimento e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, o banco do Brics).
O
quadro fica ainda mais grave quando se constata que os compromissos que vencem
neste ano somam cerca de R$ 4,2 bilhões, e o Orçamento de 2021 previu apenas o
pagamento de R$ 2,2 bilhões. O Tribunal de Contas da União (TCU) alertou o
governo para a diferença entre as obrigações de pagamentos e as dotações
orçamentárias.
Para
piorar, mesmo o valor aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 não está
assegurado, uma vez que o governo terá de contingenciar despesas ao longo do
ano. Segundo o Ministério da Economia, é “bastante provável” que os novos
cortes atinjam a dotação para pagamentos de organismos internacionais.
A
situação é mais uma consequência, entre tantas, do desleixo do Executivo
federal durante a tramitação da lei orçamentária no Congresso, que criou uma
situação paradoxal. Aprovou-se o aumento das emendas parlamentares, ficando o
País incapaz de honrar seus compromissos internacionais.
Vale
lembrar que esses compromissos financeiros não são imposições de terceiros. No
exercício de sua soberania, o Brasil assumiu livremente essas obrigações.
Depois, no entanto, atua como se seu cumprimento fosse opcional.
Eis
o irrealismo do governo de Jair Bolsonaro. Faz bravatas nacionalistas, exigindo
respeito frente a um suposto complô internacional contra o Brasil, mas depois
não cumpre suas obrigações mais básicas – que é pagar as contas que livre e
soberanamente assumiu.
O
resultado é desastroso para a imagem do País no exterior. Não é que os outros
países não respeitem o Brasil. É o próprio governo brasileiro que destrói sua
credibilidade no cenário internacional, ao agir de forma incompatível com o que
prega.
O
calote nos organismos internacionais não apenas prejudica a percepção do País
no exterior. O não pagamento dos compromissos pode comprometer o voto do Brasil
nessas organizações, o que afeta diretamente os interesses nacionais.
No
fim do ano passado, por exemplo, por pouco o Brasil não perdeu seu direito de
voto na ONU. O País tinha uma dívida de US$ 390 milhões com as Nações Unidas e,
se não pagasse até dezembro de 2020 ao menos US$ 113,5 milhões à entidade,
estaria impedido de votar a partir deste ano.
Para
ter uma ideia da gravidade da situação, no ano passado, apenas três
países-membros da ONU encontravam-se em situação de endividamento capaz de
afetar o direito de voto: Somália, Ilhas Comores e São Tomé e Príncipe.
Mais
do que da falta de dinheiro, essa constrangedora inadimplência do Brasil com a
ONU foi fruto do descaso do governo federal com os compromissos internacionais.
O presidente Jair Bolsonaro simplesmente não se empenhou junto ao Legislativo
para obter as devidas autorizações orçamentárias.
Felizmente,
antes do encerramento do ano, o Legislativo socorreu o Executivo e liberou
crédito suplementar para pagar R$ 917 milhões em dívidas com organismos
internacionais. A ação do Congresso evitou o vexame internacional. Seria a
primeira vez que o Brasil, por não honrar seu compromisso, perderia o direito
de voto na ONU.
Como
se vê pelos números do Orçamento deste ano, o governo de Jair Bolsonaro repete
o erro de 2020, reiterando o desleixo com os compromissos internacionais do
País e, consequentemente, com a defesa dos interesses nacionais. Nesse calote,
o Brasil é quem mais perde.
Governo
brasileiro tem uma dívida de R$ 10,1 bilhões com organismos internacionais
O necessário equilíbrio do Supremo
O
Estado de S. Paulo
O
STF não pode ultrapassar limites de suas competências.
No
exercício de suas competências constitucionais, o Supremo Tribunal Federal
(STF) interfere na atuação dos outros Poderes. Em seu papel de defender a
Constituição, ele não apenas lembra os limites do Executivo e do Legislativo,
como recorda seus respectivos deveres e obrigações. Um Judiciário independente
é – não poderia ser de outra forma – necessariamente incômodo.
Imprescindível
num Estado Democrático de Direito, essa tarefa do Supremo em relação aos outros
Poderes exige especial cuidado. Sob o pretexto de defender a ordem jurídica, o
próprio STF pode, caso descuide, ultrapassar os limites de suas competências.
O
equilíbrio do Supremo é ainda mais necessário quando seu prestígio com a
população está desgastado, como ocorre nos dias de hoje. Não basta o Judiciário
proferir uma decisão que obrigue a todos. Sua função é muito mais ampla. A
Justiça deve ser capaz de solucionar os conflitos sociais, e não apenas
arbitrar uma causa vencedora em cada processo. Precisamente por isso, o modo
como o Supremo decide é tão importante quanto o conteúdo de sua decisão.
A
necessidade de equilíbrio do STF ficou particularmente visível em duas recentes
decisões, uma monocrática e outra do plenário.
Em
ação proposta pelo Estado do Maranhão, o ministro Marco Aurélio deferiu liminar
para determinar que a União e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) adotem as medidas necessárias para a realização do Censo Demográfico de
2021.
Não
há dúvida de que o censo periódico é instrumento fundamental para a
implementação de políticas públicas. No entanto, por mais que haja boas razões
aconselhando a realização do censo neste ano – e que o seu adiamento seja mais
um sintoma da falta de planejamento do governo federal –, não cabe a um ministro
do Supremo impor ao Executivo federal essa obrigação.
O
raciocínio exposto na decisão – a falta de dados prejudicaria a elaboração de
políticas públicas, políticas essas que implementam direitos fundamentais
previstos na Constituição e, portanto, a não realização do Censo feriria “a
própria força normativa da Lei Maior” – não autoriza o Judiciário a ingressar
em esfera própria do Executivo. Cada um tem suas competências, cabendo ao
eleitor responsabilizar politicamente o governante.
O
segundo caso refere-se ao Mandado de Injunção (MI) 7.300, proposto pela
Defensoria Pública da União em favor de um cidadão – desempregado, sem moradia
e com deficiência intelectual moderada – que alegou carecer dos recursos
necessários para a manutenção de uma existência digna. Na ação, a Defensoria
pediu que, na falta de regulamentação pelo Executivo federal de programa
assistencial previsto na Lei 10.835/2004, o Supremo determinasse o valor da
renda básica em um salário mínimo mensal.
Reconhecendo
a omissão na regulamentação da lei, o Supremo decidiu, por maioria de votos,
que o Executivo federal deve adotar as medidas legais cabíveis para a
implementação do benefício da renda básica de cidadania a partir de 2022,
inclusive com a alteração do Plano Plurianual (PPA) e previsão na Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022.
A
respeito dessa decisão, vale destacar que quatro ministros do STF defenderam a
fixação pelo próprio Supremo do valor do benefício, o que certamente
extrapolaria as competências do Judiciário. Além disso, mesmo que o Executivo
tome todas as medidas para que o benefício seja pago a partir do ano que vem, a
palavra final caberá ao Congresso. O Executivo faz a proposta orçamentária, mas
é o Legislativo que aprova a LDO e a LOA.
Essa
aparente complexidade decisória – o Judiciário adverte o Executivo ou o
Legislativo (a depender da matéria) da omissão na regulamentação de uma lei; o
Poder competente estuda o assunto e faz uma proposta; o Legislativo dá a
palavra final – é própria de um Estado Democrático de Direito, onde não há
poderes absolutos. Nesse respeito às competências constitucionais, o Supremo
tem papel fundamental, seja com suas decisões, seja com o seu exemplo.
No
respeito às competências constitucionais, STF tem papel fundamental
Leilão da Cedae abre nova era do saneamento no Rio
O
Globo
O dia de ontem foi um marco na história do Rio. Além da realização do leilão da Cedae, pela primeira vez um governador do estado sofreu impeachment por crime de responsabilidade e corrupção — Wilson Witzel já estava afastado do cargo desde o fim de agosto de 2020.
O
bem-sucedido leilão da Cedae, que arrecadou R$ 22,7 bilhões, abre novo ciclo
para o saneamento do Rio. As concessionárias prometem investir R$ 30 bilhões,
ao longo de 35 anos, para melhorar o fornecimento de água, a coleta e o
tratamento de esgoto na capital e em outros municípios do estado.
No
modelo concebido pelo BNDES, a Cedae continuará responsável pela captação e
pelo tratamento da água na Estação do Guandu, enquanto as novas
concessionárias, que deverão assumir até o início do segundo semestre, cuidarão
da distribuição. A companhia foi dividida em quatro blocos, que reúnem áreas
mais e menos rentáveis. A Aegea, segunda maior operadora privada do país, levou
o 1 e 4. O 2 foi arrematado por um consórcio liderado pela Iguá. O 3 não teve
interessados. A concessão, a maior no setor de saneamento em todo o país,
deverá criar 46 mil empregos diretos e indiretos.
O
leilão da Cedae era uma exigência do Regime de Recuperação Fiscal (RRF)
assinado com a União em 2017, quando a empresa foi dada como garantia de um
empréstimo de R$ 2,9 bilhões usado para pagar salários atrasados do
funcionalismo. Mas os benefícios vão muito além do acordo que ajudou a tirar o
Rio do buraco. A concessão terá impacto direto na qualidade de vida dos
fluminenses, na medida em que permitir a universalização do fornecimento de
água e da coleta de esgoto; nos indicadores de saúde; na preservação do meio
ambiente e no turismo.
As
concessionárias se comprometerão também com medidas de recuperação ambiental. A
despoluição da Baía da Guanabara deverá receber R$ 2,6 bilhões nos cinco
primeiros anos. Outros R$ 2,9 bilhões serão destinados à Bacia do Guandu, fonte
de boa parte dos problemas que turvam a água que o carioca bebe. As lagoas de
Jacarepaguá e Barra, que viraram tanques de esgoto, terão R$ 250 milhões.
Os
novos investimentos deverão resgatar o Rio do pântano em que se debate há
décadas. Com apenas 66% de esgoto tratado, a capital fluminense, segunda maior
cidade do país, é a 43ª no ranking de saneamento dos cem maiores municípios
feito pelo Instituto Trata Brasil. São João de Meriti, na Baixada, um dos que
serão beneficiados pela concessão, é o quarto pior do ranking, com 0% de
tratamento de esgoto.
Num
intervalo de 12 anos, esses indicadores deverão dar um salto. Até 2033, as
novas concessionárias terão de garantir abastecimento regular de água a 99% dos
domicílios e coleta de esgoto a pelo menos 90%.
No
mesmo dia em que o martelo foi batido no leilão da Cedae, abrindo um novo
caminho para o saneamento no estado, o Tribunal Especial Misto, formado por
desembargadores e deputados, selou o destino do governador Wilson Witzel,
afastado definitivamente do cargo, sob suspeita de corrupção na saúde durante o
combate ao novo coronavírus. O Rio, como o resto do país, enfrenta uma pandemia
devastadora, ainda longe de ser controlada, mas os últimos acontecimentos
trazem algum motivo para otimismo e sinalizam dias menos turvos para a
população fluminense.
Escassez
de vacinas não pode ser pretexto para afrouxar segurança
O
Globo
Foi num cenário de forte demanda por vacinas que a Anvisa analisou o pedido de estados e municípios para importar 75 milhões de doses da vacina russa Sputnik V, alvo também do Programa Nacional de Imunização. Mas a pressão parece ter sido deixada do lado de fora. Na segunda-feira, a agência rejeitou por unanimidade a solicitação. Argumentou que a documentação estava incompleta e que a vacina pode trazer riscos à saúde.
O
principal problema encontrado, diz a agência, foi a presença na vacina de
material capaz de replicação. “Isso significa que o vírus, que deve ser
utilizado apenas para carregar o material genético do coronavírus para as
células humanas e promover a resposta imune, ele mesmo se replica”, disse
Gustavo Mendes, gerente geral de medicamentos e produtos biológicos. A
replicação, afirma a Anvisa, expõe falhas no controle de qualidade do
imunizante.
Sintoma
de um governo desorientado, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, contraditoriamente
aprovou requisitos de biossegurança da Sputnik V e considerou satisfatória a
documentação enviada pelos fabricantes. A aprovação, no entanto, não é
suficiente para liberar a importação, que depende da Anvisa.
A
Sputnik V ainda não conta com o aval da Organização Mundial da Saúde (OMS), ao
contrário de Pfizer, AstraZeneca, Moderna, Janssen, CoronaVac e Sinopharm.
Outras vacinas já aplicadas no mundo — Pfizer, AstraZeneca e Janssen — também
têm sido associadas a problemas raros depois de aprovadas. A deficiência da
vacina russa parece estar menos na qualidade em si do que na falta de
transparência nos dados, em comparação com as demais.
A
reprovação no Brasil despertou celeuma, especialmente depois que um relatório
do Departamento de Saúde dos EUA revelou que, ano passado, o governo Trump
pressionou o Brasil a rejeitá-la. O fundo russo de investimentos que a
financiou disse que a decisão é de “natureza política”. Acusou a Anvisa de
divulgar informações falsas e ameaçou processar a agência. Estados que
participam do consórcio para comprar a vacina aguardam uma posição do Supremo
para decidir o que fazer. Parlamentares da CPI da Covid querem ouvir o presidente
da Anvisa, Antonio Barra Torres.
Todos
estão no seu papel. O da Anvisa é analisar os dados apresentados. Entende-se o
drama de estados e municípios que enfrentam hospitais lotados, recordes de
mortes e falta de vacina. Porém a decisão precisa ser técnica. Claro que a
agência não é imune a equívocos. Errou quando interrompeu testes da CoronaVac
devido a uma morte que não tinha relação com a vacina, mas voltou atrás no dia
seguinte. No caso da Sputnik, agiu como deveria.
A escassez não pode servir de pretexto para que se afrouxe a vigilância e se liberem vacinas que não preencham requisitos básicos. A chancela da Anvisa, da OMS e de outras agências garante a segurança dos imunizantes oferecidos aos brasileiros. É esse cuidado que nos permite tomar as vacinas sem medo.
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